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Um ditador na Casa Branca

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 20 de novembro de 2008

Sendo o presidente da República um funcionário pago com o dinheiro do Estado, é direito inalienável de qualquer contribuinte certificar-se de que o beneficiário dos seus impostos preenche todas as condições para ocupar o cargo, condições que não se resumem à vitória eleitoral, mas abrangem também as exigências constitucionais definidas dois séculos antes das eleições. Tal como em qualquer concurso público, o ônus da prova aí incumbe integralmente ao candidato: cabe a ele apresentar os documentos que atestem suas qualificações, não ao Estado ou ao contribuinte provar que ele não as tem.

Se alguns juízes têm sentenciado ao contrário, é porque os cidadãos americanos que vêm questionando a eleição de Obama nos tribunais erram ao usar como argumento principal as dúvidas quanto à nacionalidade do presidente eleito. Mesmo que Obama houvesse nascido no Capitólio em 4 de julho, seria dele a obrigação de prová-lo com documentos válidos. A simples recusa de atender a essa obrigação bastaria para evidenciar o desprezo do candidato pela Constituição, desqualificando-o automaticamente para o cargo de supremo defensor dela e das leis. Colocando no centro da discussão o problema da nacionalidade em vez da falta de documentos, os queixosos atraem sobre si próprios o ônus da prova, enfraquecendo uma cobrança que, sem isso, nenhum juiz teria como deixar de atender.

Por mais razoáveis que sejam em si mesmas, dúvidas são apenas isso: dúvidas. A recusa de mostrar documentos, ao contrário, é um fato, o fato mais comprovado ao longo de todo esse episódio. Na verdade, é mais que simples recusa: é toda uma engenharia da ocultação, montada simultaneamente nos EUA e no Quênia, para impedir qualquer acesso não só à certidão de nascimento, mas a quase todos os documentos do presidente eleito, sem os quais nada que sua propaganda afirme sobre ele pode aceitar-se como verídico, exceto por um ato de fé irracional.

A anormalidade da situação não consiste tanto na possível presença de um estrangeiro na presidência, quanto no fato de que esse ato de fé vem sendo exigido de todos os cidadãos americanos como se fosse um dever óbvio e inquestionável, ao ponto de qualquer tentativa de resistir a ele por via judicial ser condenada oficialmente como “lixo” (sic) pela assessoria de Obama.

Diante desse estado de coisas, não tem sentido perguntar se o novo presidente “vai” ou “pretende” instalar na Casa Branca um governo ditatorial. Antes mesmo de ele tomar posse, um gigantesco esquema ditatorial, concebido deliberadamente para colocá-lo fora do alcance da Constituição e das leis, já está em pleno funcionamento, com a cumplicidade ativa da grande mídia inteira e de uma boa parcela do Partido Republicano. Mais grave ainda: tão logo o comando obamista se certificou de que a blindagem montada em torno de seu líder fora aceita passivamente pela maioria do eleitorado, a proibição de perguntar foi imediatamente ampliada para outros domínios. Primeiro, o Federal Reserve anunciou que não ia mais divulgar os nomes dos recebedores de dois trilhões de dólares em “empréstimos de emergência”, tornando virtualmente impossível a identificação dos responsáveis pela crise financeira. Segundo, a Comissão Federal Eleitoral recusou-se a investigar os 63 milhões de dólares em contribuições ilegais do exterior recebidas pela campanha de Obama.

Inacessível e intocável, o homem que não pode ser investigado já tem livre acesso aos mais altos segredos de Estado e prepara-se para reinar sob a dupla proteção da militância armada, transfigurada em “força civil de segurança pública”, e da Fairness Doctrine, que acabará com os programas radiofônicos de oposição.

Enquanto isso, os candidatos às sete mil vagas abertas no funcionalismo público federal são esquadrinhados nos mínimos detalhes das suas vidas (vetando-se desde logo os proprietários de armas), e toda expressão de hostilidade a Obama surgida na internet é vasculhada pelo Serviço Secreto em busca de sinais de “racismo”.

De Zero a 86

Olavo de Carvalho

Zero Hora, 19 de setembro de 2004

No último desfile de 7 de setembro, esposas de soldados e oficiais ostentavam um cartaz com o aviso: “Militar é patriota, não idiota.” Aludiam ao aumento ridículo dado ao soldo de seus maridos, mas as palavras que usaram têm um sentido mais geral. Podem aplicar-se literalmente a outras atitudes oficiais que têm como único fundamento possível a presunção da idiotice congênita dos homens de farda.

O chefe da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, por exemplo, espera que eles acreditem na história contada pelo ex-soldado Valdete Batista, o qual diz ter enterrado no terreno da Polícia Federal em Brasília, por ordem de seus superiores, um maço de documentos que incriminam o Exército em delitos de tortura de presos políticos.

O jornal Correio Braziliense endossa a narrativa, sem querer dar-se conta de dois detalhes:

Primeiro, ela corresponde a um esquema repetível, fixo, que há dez anos é reeditado ciclicamente como novidade espetacular, trocando-se apenas o ator incumbido do papel de testemunha heróica, sempre um joão-ninguém que, após brilhar nas manchetes por umas semanas, volta à obscuridade banal como se nada tivesse acontecido.

Segundo: exatamente como nos casos anteriores, a historieta apresenta logo de cara tantas contradições, que mesmo um fanático empenhado em fazer a caveira dos militares por todos os meios lícitos e ilícitos tem de caprichar bastante na performance para conseguir dar a impressão de que leva a coisa a sério.

Já mencionei aqui uma acusação extravagante levantada pelo repórter Caco Barcelos contra o Exército, a qual, mesmo depois de provada a falsidade documental e até a impossibilidade física das alegações, ganhou dois prêmios jornalísticos, como se a impostura do conteúdo fosse detalhe inócuo na avaliação da qualidade de uma reportagem.

Mas o caso Valdete não perde na comparação. Vejam só:

1) O soldado conta que entrou no Exército em 1981 (o jornal diz 1982, sem perceber que o desmente). Poucas semanas depois já tinha carteirinha da Polícia Federal e desempenhava nos serviços de repressão uma impressionante multiplicidade de tarefas: seguir suspeitos de subversão, tirar fotografias, redigir relatórios, pesquisar nos arquivos, vigiar os presos, bater neles e torturá-los. Saltando direto da fila do alistamento militar para as altas responsabilidades do serviço secreto, sem nenhum intervalo para treinamento, a carreira do personagem ilustra a memorável transfiguração do Recruta Zero em Agente 86.

2) Quando da debandada geral dos torturadores, já no governo Collor, o temível araponga, fotógrafo, burocrata, carcereiro e torturador interino foi, segundo diz, encarregado de queimar cinco sacos de lixo repletos de documentos incriminadores, mas “não deu tempo”. Na urgência, não dispondo de trinta segundos para acender uma fogueira, o engenhoso recruta preferiu cavar um fosso de um metro de profundidade por meio metro de largura, coisa que um cavouqueiro treinado não faria em menos de meia hora, e enterrar lá as provas do crime.

3) Se depois de duas décadas ele decidiu botar a boca no mundo, foi por motivos elevados, mas também sumamente práticos. De um lado, teve uma onda de escrúpulos retroativos, dando-se conta de que era muito feio bater em honestos pais de família que só queriam o bem do país. De outro lado, ele explica que estava mesmo na pior, morando de favor, e resolveu contar tudo para ver se com isso obtinha — como direi? — algum.

Não é uma história comovente? O dr. Nilmário, pelo menos, parece ter-se condoído ao ponto de não só acreditar nela mas esperar que os militares também acreditem. Se acreditassem, provavelmente repudiariam a instituição a que servem e passariam a colaborar com o programa da Secretaria: indenizar terroristas fracassados e demonizar as Forças Armadas que os impediram de realizar seus nobres ideais.

Mas parece que essa esperança do secretário não vai se cumprir. As esposas dos militares, no desfile de 7 de setembro, já deram a ele uma resposta bem clara.

A mentira total

Olavo de Carvalho

Zero Hora, 09 de março de 2003

Ao longo de 37 anos de experiência com os comunistas, nunca topei com alguma denúncia anti-americana ou anticapitalista que, bem examinada, não se revelasse uma farsa completa e um primor de maquiavelismo. Mas às vezes digo isso e as pessoas me respondem apenas: “Você não examinou todas.”

É claro que não examinei. Nenhum ser humano poderia fazê-lo. Dos 500 mil funcionários da KGB, pelo menos a quinta parte trabalhava em propaganda e desinformação, com milhões de ajudantes em todo o mundo. Nenhum governo, partido ou organização anticomunista teve jamais um aparato de propaganda que se aproximasse, nem em sonhos, dessa monstruosidade kafkiana. Qualquer tentativa de equiparar essa coisa com a CIA é ridícula. O orçamento da KGB — sem contar a espionagem militar soviética ou equivalentes chineses — superava o de todos os serviços secretos ocidentais somados. E a moderna e flexível organização em “redes” que a esquerda mundial substituiu às rígidas estruturas partidárias depois da queda da URSS é ainda mais vasta que a KGB. Daí as “marchas pela paz”. Em contrapartida, quase todo mundo ignora que até a II Guerra, 28 anos depois da fundação da Tcheka (antecessora da KGB), os EUA nem sequer tinham um serviço secreto permanente para atuar no Exterior. Para ter uma idéia da diferença que isso faz, basta notar que por volta de 1925 a KGB já tinha sob seu controle as pricipais lideranças intelectuais do Ocidente (há centenas de livros a respeito, mas o melhor ainda é “Double Lives” de Stephen Koch), enquanto a primeira iniciativa anticomunista séria no campo cultural veio só em 1955 com o Congresso pela Liberdade da Cultura, organizado pela CIA em Berlim Ocidental em resposta a um evento muito mais luxuoso que a KGB montara no Hotel Waldorf Astoria, em Nova York.

Para ficar mais perto, aqui mesmo em Porto Alegre, comparem o orçamento do Fórum Social Mundial com o do Fórum da Liberdade e verão como os esquerdistas que se fazem pobrezinhos em luta contra os poderosos estão mentindo. Eles é que são os ricos e poderosos. A desproporção de forças é brutal.

Para complicar ainda mais as coisas, a propaganda comunista jamais teve a preocupação de coerência, desde que Pavlov, na década de 20, descobriu que a estimulação contraditória fomentava a credulidade das massas. O Partido Comunista jamais se inibiu de fazer ao mesmo tempo campanhas nacionalistas e globalistas, pró-judaicas e antijudaicas, ou de simultaneamente incentivar a criminalidade e acusar o capitalismo de ser uma anarquia propícia ao crime. Vindo de lados diversos, o bombardeio de mentiras parecia ainda mais espontâneo, portanto mais confiável.

Tudo isso já era assim no tempo de Stalin. Com a flexibilização em “redes”, a confusão proposital tornou-se mais desnorteante ainda, ao mesmo tempo que as verbas de propaganda soviéticas eram vantajosamente substituídas pelo dinheiro do narcotráfico, de mega-empresas de fachada, dos organismos internacionais superlotados de comunistas.

Por isso ninguém nunca examinou nem examinará criticamente nem mesmo uma parcela insignificante da mentira comunista. O tamanho da máquina que a produz já se tornou inabarcável por qualquer descrição humana. Transcendeu a esfera da política, ganhou dimensões civilizacionais: é a civilização da mentira total.

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