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Aprendendo com o Dr. Johnson

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 21 de março de 2007

O dr. Samuel Johnson, escritor maravilhoso e antepassadosetecentista dos modernos conservadores, dizia que o teste definitivo de uma civilização está na sua maneira de tratar os pobres. Na sua época, ninguém tinha tido ainda a idéia brilhante de desvencilhar-se deles entregando-os aos cuidados da burocracia estatal. Essa idéia, mesmo que não seja levada à prática, já vale por um teste: ela mostra que a sociedade não sabe o que fazer com os pobres, não quer trato direto com eles e preferiria reduzi-los a mais um ítem abstrato, invisível e inodoro do orçamento estatal. Ela acha isso mais higiênico do que enfiar a mão no bolso quando eles pedem uma esmolinha e infinitamente mais palatável do que ter de conversar com eles quando têm o desplante de puxar papo na rua com S. Excia. o contribuinte. Na verdade o cidadão moderno desejaria chutar todas as suas responsabilidades para o Estado: ele não quer proteger sua casa, mas ser protegido pela polícia; não quer educar-se para educar seus filhos, mas entregá-los a técnicos que os transformarão em robôs politicamente corretos; não quer decidir o que come, o que bebe, o que fuma ou deixa de fumar: quer que a burocracia médica lhe imponha a receita pronta; não quer crescer, ter consciência, ser livre e responsável: quer um pai estatal que o carregue no colo e contra o qual ele ainda possa fazer birra, batendo o pezinho na defesa dos seus “direitos”. O Estado sorri, porque sabe que quantos mais direitos concede a esse cretino, mais leis são promulgadas, mais funcionários são contratados para aplicá-las, mais repartições burocráticas são criadas, mais impostos são cobrados para alimentá-las e, enfim, menor é a margem de liberdade de milhões de idiotas carregadinhos de direitos.

Essa civilização já se julgou a si mesma: constituída de moleques egoístas e covardes, ela não é capaz de se defender. Ao primeiro safanão mais forte, vindo dos comunistas, dos radicais islâmicos ou dos autonomeados governantes do mundo, ela se põe de joelhos abjurando lealdades milenares e prontificando-se a transformar-se no que o novo patrão deseje.

Nem todos, é claro, se acomodam tão bem a essa agonia deleitosa. Ainda há homens e mulheres de verdade, capazes de agir por si próprios, sem intermediário estatal, orgulhosos da sua liberdade. Eles sabem que a liberdade efetiva não tem nada a ver com “direitos” outorgados pela burocracia espertalhona. Sabem que a liberdade vem do coração e depende de símbolos inspiradores profundamente arraigados na cultura dos milênios. Quando são abordados por um pobre na rua, sabem que não estão diante de um problema administrativo. Não correm para esconder-se sob as saias da burocracia. Encaram o pobre como um igual temporariamente caído, merecedor de tanto carinho e atenção quanto eles próprios o seriam em circunstâncias análogas. Não hesitam em estender algum dinheiro ao infeliz, em conversar com ele, às vezes em assumir responsabilidade pessoal por tirá-lo da sua condição infame, dando-lhe trabalho, um abrigo, um conselho.

A sociedade já se condenou a si mesma quando virou o rosto aos pedintes, sonhando em transformá-los numa equação administrativa. Só homens e mulheres de verdade podem salvá-la da derradeira abjeção. Não hesito em incluir entre eles o sr. Fausto Wolff, que é burro, metido e comunista, mas, graças à boa influência da sua esposa, está se tornando gente. Olhem só o que ele escreveu no JB de 2 de janeiro:

Minha mulher leva na bolsa R$ 10 em moedas para dar aos meninos que lhe pedem dinheiro para comer. Outro dia, contou-me uma história que comoveu este velho coração de granito. Um menino pretinho de cinco anos pediu-lhe dinheiro para comprar um pão. Ela disse-lhe: ‘Pois não, meu filhinho
querido’. O menino ficou com olhos cheios de lágrimas. Afastou-se e logo voltou e pediu mais dinheiro, mas, em verdade, o que queria era ouvi-la dizer que ele era querido. Logo, outros se aproximaram apenas para ouvir palavras carinhosas e se sentirem seres humanos. Em dez anos estarão queimando ônibus?

É isso aí, sra. Wolff! Se todas as mulheres brasileiras ensinarem isso a seus maridos, um sorriso de esperança brilhará nos rostos de milhões de crianças deste país.

P. S. – Leiam também http://www.olavodecarvalho.org/semana/grossura.htm.

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