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Pé de banana

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 3 de janeiro de 2012

 

Ao me chamar de “ideólogo da ditabranda”, o sr. Caio Navarro de Toledo exibiu uma vez mais aquela inépcia presunçosa e aquela mendacidade visceral, compulsiva, irresistível, que se tornaram requisitos essenciais para a admissão no seu clube de vigaristas acadêmicos.

Ele mesmo, ao reproduzir no seu artigo um trecho de discurso meu, no qual eu expressava meu arrependimento de haver apoiado os esquerdistas no tempo da ditadura, fornece a prova documental de que não posso ter sido ideólogo, nem propagandista, nem mesmo admirador passivo de um regime cujos méritos – que seus crimes empanam mas não suprimem — só vim a reconhecer muitos anos depois da sua extinção.

O homenzinho se mela todo e segue em frente com a pose triunfal de quem não houvesse expelido da cachola um cocô e sim um diamante.

Almas caridosas podem alegar que ele talvez tenha querido dizer ideólogo retroativo, ideólogo atrasado de um regime esquecido. Se foi isso, tanto pior, pois é contraditório com a definição mesma de ideologia, a qual supõe a existência de uma possibilidade concreta de ação política, que os mortos não têm. Trazer de volta o governo Costa e Silva, ou Médici, não é ideologia: é espiritismo.

Todo o arremedo simiesco de raciocínio que o sr. Toledo apresenta no seu artigo é baseado na premissa, monstruosamente imbecil, de que comparar crimes menores e maiores é aprovar e aplaudir os menores. Se fosse assim, ó infeliz, o princípio fundamental do Direito Penal moderno, a proporcionalidade dos delitos e das penas, seria pura apologia dos pequenos delitos. Como diria o Reinaldo Azevedo: Dá para entender ou quer que eu desenhe?

Curiosamente, ao impor que o regime de 1964 seja odiado ou adorado no todo, sem as nuances e atenuações que a ciência histórica exige, o homem que me chama de ideólogo estampa na própria testa o traço mais característico e mais repulsivo do propagandista ideológico: a compulsão de aprovar ou condenar em bloco, sem concessões à complexidade do real; a recusa peremptória de enxergar até as qualidades mais óbvias e patentes do inimigo.

Falando da esquerda pós-64, denuncio persistentemente seus crimes, mentiras e desvarios, mas nunca deixei de louvar, por exemplo, sua capacidade de auto-renovação, a rapidez e seriedade com que reagiu intelectualmente ao advento do novo regime – qualidades que faltam por completo à direita brasileira, ainda atônita e desnorteada vinte anos depois de cair do cavalo. Do mesmo modo, eu perderia toda autoridade moral para denunciar as violências do regime militar se o preço disso fosse negar as prodigiosas realizações do governo Médici no campo econômico, ou a paz e segurança em que vivia a maior parte da população brasileira numa época em que os assaltos, seqüestros e homicídios, inibidos em vez de protegidos pela autoridade, não chegavam a cinco por cento do que são hoje.

Para o sr. Toledo, o simples reconhecimento dos aspectos contraditórios da realidade é uma adesão entusiástica, uma tomada de posição ideológica.

É óbvio que um sujeito desses está completamente desqualificado para ser professor universitário, secundário ou primário.

Seria doce ilusão esperar que uma mente tão tosca e esquemática percebesse a inexistência, na minha atitude para com os comunistas, daquele “mimetismo repulsor” que, segundo René Girard, caracteriza os ideólogos de partidos inimigos. Não imito sua retórica, não oponho, como os fascistas, um programa revolucionário a outro programa revolucionário, mas permaneço num plano de análise que as cabeças fumegantes dos cretinos de ambas as facções não podem enxergar, tão intoxicadas se encontram da urgência de destruir politicamente o adversário para tomar o seu lugar na hierarquia do poder.

Ele tem razão em não querer , como ele próprio diz, “jogar o meu jogo”: um confronto intelectual entre a minha pessoa e a dele seria tão inconcebível quanto a luta entre um leão e um pé de banana.

Recusando-se, com razão, a tão inviável disputa, o pé de banana nem por isso deixa de arrotar superioridade, jurando que meus artigos, de tão ruins, “não seriam aceitos por qualquer direção de jornal orientado por um criterioso manual de redação”.

Quanto a isso tenho três observações:

(1) Nunca fui “aceito” em nenhum órgão de mídia, pois, ao contrário do sr. Toledo, nunca pedi para ser ali publicado. Fui, ao contrário, sempre convidado, e justamente por pessoas que julgaram dever fazê-lo porque haviam lido meus escritos.

(2) O sr. Toledo diz que só escrevo em blogs, mas estou aqui lhe oferecendo uma prova fisicamente visível de que escrevo no Diário do Comércio, sob a direção de Moisés Rabinovici, sem favor nenhum um dos mais competentes jornalistas brasileiros de todos os tempos. Caio Navarro de Toledo dando lições de jornalismo a Moisés Rabinovici é o Tiririca ensinando matemática a Kurt Gödel.

(3) Não sou um orgulhoso que despreze a opinião alheia, mas, quando quero um julgamento do que faço, prefiro perguntar a quem sabe. Os maiores escritores brasileiros – Jorge Amado, Carlos Heitor Cony, Herberto Sales, Josué Montello, Antônio Olinto, Bruno Tolentino, Alberto da Cunha Melo, Ângelo Monteiro, Ariano Suassuna e não sei mais quantos – foram sempre unânimes em louvar nos termos mais entusiásticos o meu manejo do idioma, mesmo quando discordavam de alguma das minhas opiniões. Em face disso, pergunto ao sr. Toledo que raio de manual de redação é esse que ele andou consultando. Suspeito que foi o Manual do Seu Creysson (v. “Seu Creysson, Vídia i Óbria”, em http://desciclopedia.ws/wiki/Seu_Creysson).

Girard: A revolução

Olavo de Carvalho


Bravo!, Junho de 1998

O nome de René Girard não é desconhecido nesta parte do mundo. De vez em quando aparece citado, de passagem, em alguma tese universitária. Seu livro mais famoso, La Violence et le Sacré (1972), foi traduzido pela Vozes e a edição está esgotada.

O que espanta não é que após tal sucesso nenhum editor brasileiro se interessasse em publicar Le Bouc Émissaire (1982), La Route Antique des Hommes Pervers (1985) e outras obras memoráveis do mesmo autor. O fenômeno pode refletir apenas a intermitência do stop and go, típica das economias subdesenvolvidas. O que espanta é a capacidade que o nosso meio universitário teve de absorver em discreto silêncio algo de um pensamento tão explosivo, continuando em seguida confortavelmente instalado nas suas convicções dominantes, como se ele não as houvesse abalado em nada.

Entre a insensibilidade pétrea e o fingimento puro e simples, algum fator desconhecido parece ter imunizado essa gente contra qualquer advertência de que o leão escapou da jaula. Mas não custa repetir o aviso: René Girard está à solta. O que ele vem fazendo – preparem-se – pode-se resumir na fórmula única de um plano supremamente maligno: destruir a quaternidade sagrada positivismo-marxismo-estruturalismo-freudismo que domina o horizonte das ciências humanas, e colocar em seu lugar nada menos que o bom e velho cristianismo.

Mesmo no Velho Mundo, onde o sacerdócio do culto estabelecido se sente mais fortinho ao ponto de não querer deixar sem resposta uma provocação desse calibre, as reações tomaram apenas a forma de imprecações e rosnados, seguidos de um silêncio amuado. “Fantasias!”, protestou Claude Lévi-Strauss – e mais não disse nem lhe foi perguntado. Nenhuma objeção detalhada o bastante para passar por séria elevou-se contra o empreendimento girardiano, que vai exercendo uma influência cada vez maior nos terrenos mesmos onde a exclusão do cristianismo desfrutava do prestígio de uma exigência metodológica primeira.

O mais irônico da história é que Girard é homem alheio à agitação intelectual parisiense, vivendo há quase meio século em Stanford, Califórnia, e publicando em inglês boa parte de sua obra.

Mas onde, precisamente, ataca Girard o templo do academicismo? “Não se vence realmente senão aquilo que se substitui”, dizia Nietzsche. Girard não perde tempo criticando teorias e escolas: oferece uma explicação melhor para os fenômenos sobre os quais elas reinavam soberanas, e ei-las desprovidas de razão de ser, pairando no ar como inúteis flocos de espuma.

A substituição é global e repentina. Onde cada uma dessas escolas, além de ter lá suas fragilidades intrínsecas, não conseguia abranger senão um grupo especializado de fenômenos, deixando os outros às vizinhas que não raro a contradiziam na base, o sistema Girard, como veio a ser chamado, reúne tudo num bloco – leis, instituições, costumes, mitologias, valores, obras de arte – e submete o conjunto a um mesmo princípio explicativo, simples e poderosamente convincente. A nova chave das ciências humanas demite, de um só golpe, o complexo de Édipo e a luta de classes, as estruturas do parentesco e todos os demais ícones teóricos, que só conservam seu antigo prestígio em longínquas terras do Terceiro Mundo ainda não abaladas pelos ecos da revolução girardiana.

O princípio encontrado por Girard pode-se resumir em um parágrafo. Todas as instituições humanas têm origem ritual, e o ritual resume-se no sacrifício. O sacrifício consiste em descarregar sobre um bode expiatório, vítima inocente e indefesa, os ódios e tensões acumulados que ameaçavam romper a unidade social. Estes ódios e tensões, por sua vez, surgem da impossibilidade de conciliar os desejos humanos. A razão desta impossibilidade reside no caráter mimético do desejo: cada homem não deseja isto ou aquilo simplesmente porque sim, porque é bonito, porque é gostoso, porque satisfaz alguma necessidade, mas sim porque é desejado também por outro ser humano, cujo prestígio cobre de encantos, aos olhos do primeiro, um objeto que em si pode ser inócuo, ruim, feio ou prejudicial. O mimetismo é o tema dominante da literatura, assim como o sacrifício do bode expiatório é o tema dominante, se não único, da mitologia universal e do complexo sistema de ritos sobre o qual se ergue, aos poucos, o edifício político e judiciário. A vítima é escolhida entre as criaturas isoladas, inermes, cuja morte não ofenderá uma família, grupo ou facção: ela não tem vingadores, sua morte portanto detém o ciclo da retaliação mútua. Mas a paz é provisória. Por um tempo, a recordação do sacrifício basta para restabelecê-la. Nesta fase a vítima sacrificial se torna retroativamente objeto de culto, como divindade ou herói cultural. Ritualizado, o sacrifício tende a despejar-se sobre vítimas simbólicas ou de substituição: um carneiro, um boi. Quando o sistema ritual perde sua força apaziguante, renascem as tensões, espalha-se a violência que, se não encontrar novas vítimas sacrificiais, leverá tudo ao caos e à ruína. A sociedade humana ergue-se assim sobre uma violência originária, que o rito ao mesmo tempo encobre e reproduz.

Mas essa violência funda-se, essencialmente, numa ilusão. O sacrifício não tem, por si, o poder de gerar efeitos benéficos. Se estes acabam por se produzir, é por intermédio da crença generalizada que despeja os ódios sociais no inocente e aplaca uma sede de vingança irracional que a sociedade atribui a um deus, mas que vem dela mesma. Esta crença, por sua vez, vem do desejo mimético, que, se escolhe por objeto uma miragem, pode se satisfazer igualmente com uma miragem de causa quando se trata de explicar a origem dos males humanos.

Assim fecha-se o sistema: o mimetismo causa a insatisfação, a insatisfação causa os ódios, os ódios ameaçam a ordem social, a ordem social se restaura mediante o sacrifício do inocente, que então vira mais um deus no panteão do engano universal.

O ciclo sacrificial só é rompido uma única vez na História, com o advento do cristianismo. Cristo proclama a inocência das vítimas, a inocuidade dos sacrifícios, a falsidade dos deuses vingativos: “Todos os que vieram antes de Mim são ladrões.” Ele substitui a vingança social pelo arrependimento individual, restabelecendo o nexo racional entre os atos e as conseqüências, antes nublado pela mitologia sacrificial. Da desmistificação do sistema antigo nasce não somente a consciência moral autônoma, mas a possibilidade do conhecimento objetivo da natureza: Cristo inaugura a primeira civilização – a nossa – que sabe haver mais justiça no perdão do que na vingança, mais verdade no nexo impessoal de causas e efeitos do que na atribuição de um poder maligno àqueles que desejamos matar.

A massa de documentos que Girard, paleógrafo de formação, submeteu a meticulosas análises de texto para comprovar sua teoria é impressionante: vai das primeiras mitologias indo-arianas às obras de Proust.

Não menos impressionante é a mudança de perspectiva que, sob o impacto da teoria girardiana, sofre a nossa visão das idéias e conflitos contemporâneos. O totalitarismo, por exemplo, aparece como o estado fatal a que caminha um mundo que, tendo rejeitado o antigo sistema mitológico sacrificial, não deseja pôr em seu lugar o cristianismo: não há saída senão voltar à matança de vítimas humanas, sob os nomes de “burguesia”, “judeus”, “reacionários”, “negros impuros”, “políticos corruptos”, etc. O nazismo surge, a essa luz, como uma oposição frontal ao cristianismo, preconizada por Nietzsche em páginas que defendem, abertamente, o retorno aos sacrifícios humanos. O socialismo, em contrapartida, é o simulacro que pretende substituir o cristianismo, sugando as energias cristãs para colocá-las a serviço da caça ao bode expiatório. Nas democracias capitalistas, o mais temível forma de anticristianismo é o “politicamente correto”, onde cada grupo, divinizando a própria autovitimização, se nomeia o sacerdote de novas vinganças sacrificiais.

Girard não diz isto em parte alguma, mas é altamente corroborador de suas interpretações o fato de que, de todos os povos discriminados e perseguidos, o único que não explora seus sofrimentos como meio para a conquista do poder de vingança é justamente aquele que mais vítimas forneceu à violência do século XX: o povo cristão, do qual pereceram pelo menos trinta milhões de membros no altar da perseguição religiosa – o jamais mencionado holocausto cristão.

Girard também não cita, entre seus precursores, certamente porque o desconhece, o nome do psiquiatra húngaro Lipot Szondi. Mas não é possível pensar em fenômenos como o desejo mimético e o bode expiatório sem lembrar a teoria do “complexo de Caim” que esse grande sábio colocou no lugar do artificioso “complexo de Édipo” freudiano, já na década de 20. Mas Szondi foi, ele próprio, um bode expiatório: ao lado dessa teoria, defendia também a raiz genética das doenças mentais, o que na época era considerado puro nazismo pela escola culturalista dominante (que preferia culpar “a educação”, “os pais” etc.). Não ficava bem chamar Szondi de nazista, porque ele era judeu; mas, tão logo saiu do campo de concentração onde o haviam posto os nazistas, foi colocado na geladeira do esquecimento pelos democratas e socialistas.

29/05/98

O imbecil juvenil

Olavo de Carvalho


Jornal da Tarde, 3 de abril de 1998

Já acreditei em muitas mentiras, mas há uma à qual sempre fui imune: aquela que celebra a juventude como uma época de rebeldia, de independência, de amor à liberdade. Não dei crédito a essa patacoada nem mesmo quando, jovem eu próprio, ela me lisonjeava. Bem ao contrário, desde cedo me impressionaram muito fundo, na conduta de meus companheiros de geração, o espírito de rebanho, o temor do isolamento, a subserviência à voz corrente, a ânsia de sentir-se iguais e aceitos pela maioria cínica e autoritária, a disposição de tudo ceder, de tudo prostituir em troca de uma vaguinha de neófito no grupo dos sujeitos bacanas.

O jovem, é verdade, rebela-se muitas vezes contra pais e professores, mas é porque sabe que no fundo estão do seu lado e jamais revidarão suas agressões com força total. A luta contra os pais é um teatrinho, um jogo de cartas marcadas no qual um dos contendores luta para vencer e o outro para ajudá-lo a vencer.

Muito diferente é a situação do jovem ante os da sua geração, que não têm para com ele as complacências do paternalismo. Longe de protegê-lo, essa massa barulhenta e cínica recebe o novato com desprezo e hostilidade que lhe mostram, desde logo, a necessidade de obedecer para não sucumbir. É dos companheiros de geração que ele obtém a primeira experiência de um confronto com o poder , sem a mediação daquela diferença de idade que dá direito a descontos e atenuações. É o reino dos mais fortes, dos mais descarados, que se afirma com toda a sua crueza sobre a fragilidade do recém-chegado, impondo-lhe provações e exigências antes de aceitá-lo como membro da horda. A quantos ritos, a quantos protocolos, a quantas humilhações não se submete o postulante, para escapar à perspectiva aterrorizante da rejeição, do isolamento. Para não ser devolvido, impotente e humilhado, aos braços da mãe, ele tem de ser aprovado num exame que lhe exige menos coragem do que flexibilidade, capacidade de amoldar-se aos caprichos da maioria – a supressão, em suma, da personalidade.

É verdade que ele se submete a isso com prazer, com ânsia de apaixonado que tudo fará em troca de um sorriso condescendente. A massa de companheiros de geração representa, afinal, o mundo, o mundo grande no qual o adolescente, emergindo do pequeno mundo doméstico, pede ingresso. E o ingresso custa caro. O candidato deve, desde logo, aprender todo um vocabulário de palavras, de gestos, de olhares, todo um código de senhas e símbolos: a mínima falha expõe ao ridículo, e a regra do jogo é em geral implícita, devendo ser adivinhada antes de conhecida, macaqueada antes de adivinhada. O modo de aprendizado é sempre a imitação – literal, servil e sem questionamentos. O ingresso no mundo juvenil dispara a toda velocidade o motor de todos os desvarios humanos: o desejo mimético de que fala René Girard, onde o objeto não atrai por suas qualidades intrínsecas, mas por ser simultaneamente desejado por um outro, que Girard denomina o mediador.

Não é de espantar que o rito de ingresso no grupo, custando tão alto investimento psicológico, termine por levar o jovem à completa exasperação impedindo-o, simultaneamente, de despejar seu ressentimento de volta sobre o grupo mesmo, objeto de amor que se sonega e por isto tem o dom de transfigurar cada impulso de rancor em novo investimento amoroso. Para onde, então, se voltará o rancor, senão para a direção menos perigosa? A família surge como o bode expiatório providencial de todos os fracassos do jovem no seu rito de passagem. Se ele não logra ser aceito no grupo, a última coisa que lhe há de ocorrer será atribuir a culpa de sua situação à fatuidade e ao cinismo dos que o rejeitam. Numa cruel inversão, a culpa de suas humilhações não será atribuída àqueles que se recusam a aceitá-lo como homem, mas àqueles que o aceitam como criança. A família, que tudo lhe deu, pagará pelas maldades da horda que tudo lhe exige.

Eis a que se resume a famosa rebeldia do adolescente: amor ao mais forte que o despreza, desprezo pelo mais fraco que o ama.

Todas as mutações se dão na penumbra, na zona indistinta entre o ser e o não-ser: o jovem, em trânsito entre o que já não é e o que não é ainda, é, por fatalidade, inconsciente de si, de sua situação, das autorias e das culpas de quanto se passa dentro e em torno dele. Seus julgamentos são quase sempre a inversão completa da realidade. Eis o motivo pelo qual a juventude, desde que a covardia dos adultos lhe deu autoridade para mandar e desmandar, esteve sempre na vanguarda de todos os erros e perversidade do século: nazismo, fascismo, comunismo, seitas pseudo-religiosas, consumo de drogas. São sempre os jovens que estão um passo à frente na direção do pior.

Um mundo que confia seu futuro ao discernimento dos jovens é um mundo velho e cansado, que já não tem futuro algum.

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