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Acaso extraordinário

Olavo de Carvalho


 O Globo , 15 dez. 2001

Organizações de “extrema direita” são figurinhas raras. Criminalizadas e marginalizadas — ao contrário de suas equivalentes de esquerda —, praticamente desapareceram do cenário público. São poucas, irrisório o número de seus membros, infinitesimal sua atuação na sociedade. Não fazem passeatas, não distribuem panfletos nas ruas, não elegem deputados ou senadores. Seus porta-vozes não escrevem nos jornais nem são entrevistados na TV. Quando aparecem no noticiário, é sempre na seção policial, acusadas de crimes hediondos cuja investigação, invariavelmente, dá em nada.

Tão apagada e tênue é sua existência, que, como mostrei no artigo anterior, foi fácil a seus inimigos transferir o rótulo de extremistas de direita aos mais moderados liberais e conservadores.

Inermes, inativas, não têm hoje outro papel senão o de servir ciclicamente de espantalhos para dar exemplo às crianças do que elas não devem ser quando crescer. Tão isoladas e insignificantes se tornaram, que, quando atacado por alguma delas em fofocas acadêmicas ou na internet, como tem acontecido com certa freqüencia, tenho dó de responder.

Minha mãe me ensinou que não se bate em gente pequena.

Infelizmente, neste mundo nem todos receberam de suas mães uma lição equivalente. Assim, no decorrer da semana passada, altas autoridades deste país lançaram sobre a evanescente extrema direita um bombardeio de acusações que, ao contrário do que era de costume, parece obedecer a um plano geral e estar decidido a passar das palavras aos atos.

No dia 5, o presidente do PT, José Dirceu, encaminhou ao Ministro da Justiça uma denúncia de que uma vaga e misteriosa organização direitista estaria por trás do assassinato do ex-prefeito de Campinas.

A denúncia, em si, não tem a mínima importância. Uma comissão petista auto-encarregada do caso já acusou meio mundo, não sendo levada a sério pelos policiais incumbidos da parte adulta do serviço.

No entanto, dois dias depois o Ministério abriu inquérito contra a TFP, Tradição Família e Propriedade, acusando-a de contrabando, de lavagem de dinheiro, até de preparação de guerrilhas de tudo, menos de assassinar o prefeito de Campinas.

O inquérito também não tem importância. Vai ser difícil para o Ministério provar que as equipes de segurança, contratadas pelos fazendeiros membros da organização para proteger suas terras contra invasões do MST, são tropas de guerrilheiros.

O que importa, mesmo, é a coincidência. Diga-me o leitor: matematicamente, qual a probabilidade de que uma organização de extrema direita seja posta sob suspeita de homicídio e, dois dias depois, uma outra, classificada no mesmo gênero, apareça acusada de delitos totalmente diversos?

Na loteria do acaso, o fato se torna ainda mais inusitado porque a ele se soma uma segunda coincidência: a das raízes ideológicas dos acusadores. O dr. José Dirceu é agente (aposentado ou licenciado, não sei) do serviço secreto de Cuba, onde subiu na hierarquia mediante a proteção pessoal de Raúl Castro. O dr. Nunes Ferreira, ministro da Justiça, recebeu análoga formação, na Alemanha Oriental se bem me lembro, tornando-se notável assaltante de bancos.

A essa dupla coincidência vem juntar-se, num prodígio de harmonia cósmica, a oportunidade do acontecimento. Desde o 11 de setembro, a esquerda anseia por livrar-se da imagem de terrorista, lançando-a sobre as vítimas dos atentados e sobre “a direita” em geral. Luminares da “intelligentzia” esquerdista chegaram a alardear que os aviões tinham sido jogados sobre o WTC e o Pentágono pela direita americana, empenhada em preparar psicologicamente o eleitorado para um plano secreto de domínio mundial. Desmontada a farsa, provada a verdadeira origem dos atentados, que é haviam de fazer? Admitir publicamente: “Mentimos”? “Mentimos de novo”? “Mentimos pela milionésima vez”?

Nada disso. Era preciso neutralizar o impacto das notícias, tirando do nada alguma coisa que associasse indelevelmente “terrorismo” e “direita”.

Não há nesse subterfúgio nenhuma novidade. É procedimento padrão do manual comunista de despistamento, e volta ao uso nos momentos de necessidade. Quando a prisão de Fernandinho Beira-Mar trouxe a prova inequívoca da unidade de guerrilha e narcotráfico, mais que depressa alguém plantou numa importante revista nacional a informação forjada de que a ONU acusava as organizações paramilitares de direita de dominar a produção de drogas na Colômbia. Desmascarei a fraude, mostrando que a pretensa notícia era uma simples montagem de frases antigas, ditas por um funcionário da ONU em contexto completamente alheio ao caso. Fui respondido com um significativo silêncio.

Isso foi meses atrás. Porém, agora, mais urgente ainda se tornava a operação camuflagem porque — quarta coincidência — na mesma ocasião se realizava em Havana mais uma reunião do Fôro de São Paulo — a reencarnação do Comintern, destinada, segundo Fidel Castro, a “reconquistar na América Latina o que perdemos no Leste Europeu”. Nesse encontro, os partidos de esquerda mais empenhados em ostentar uma fachada de entidades legalistas e democráticas reafirmavam seus laços de fidelidade e unidade estratégica com pelo menos quatro organizações terroristas: as FARC e o ELN da Colômbia, o MRTA peruano e o MIR chileno. Para amortecer o dano dessa revelação, não bastava noticiá-la discretamente ou mesmo omiti-la. Era preciso encobri-la sob algum “terrorismo de direita”.

Nesse instante, dois ex-terroristas de esquerda, elevados pela roda da fortuna a posições de mando no Estado burguês, habilitados portanto a destruí-lo desde dentro conforme recomendavam Gramsci, Rudi Dutschke e Herbert Marcuse, começam a usar o aparato repressivo desse Estado em investigações que, além de sua óbvia utilidade de manobra diversionista, têm toda a aparência de uma operação de saneamento ideológico. Por enquanto, a escala do empreendimento parece limitada. Como, porém, o termo “extrema direita” já foi trabalhado para poder estender-se indiscriminadamente a liberais e conservadores, as perspectivas de ampliação da coisa são as mais promissoras: uma imputação criminal lançada hoje sobre a “extrema direita” já abrange no rol de suspeitos, em princípio, todo e qualquer brasileiro que ofereça resistência ostensiva aos planos do Foro de São Paulo. Daí até a total criminalização do anticomunismo, o passo é bem curto.

No entanto, por notável que seja a série de coincidências, ninguém no Brasil está autorizado a conjeturar premeditações sinistras, exceto se forem da tal “direita”. Quando o deputado José Genoíno, tendo lido dois artigos com críticas ao PT, fala de um “cerco” ao partido, ninguém o acusa de ser um maluco a forjar “teorias da conspiração”. Já eu não posso aspirar a privilégio semelhante. Apresso-me portanto em desdizer-me e asseguro aos senhores: ninguém combinou nada, foi tudo uma extraordinária conjunção de acasos.

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