Posts Tagged mídia

A mentira global

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 13 de novembro de 2008

Se há uma coisa óbvia, é que a opinião pública não julga os males os pela sua gravidade objetiva, mas pelo destaque que recebem na mídia. Isso é assim pela simples razão de que a quase totalidade das pessoas não tem como informar-se de fonte direta. Não tem nem mesmo como acompanhar as discussões entre eruditos profissionais, que só chegam ao seu conhecimento, quando chegam, pelo recorte mínimo e enviesado do noticiário. O resultado é que opiniões e preconceitos da classe jornalística – reforçados pelos de seus irmãos siameses, o show business e a rede de educação pública – aparecem aos olhos da multidão não só como a imagem direta e veraz do mundo real, mas como a única imagem concebível. O que quer que esteja fora dos jornais e dos canais de TV está fora do universo. Claro, entre estudiosos você pode falar de coisas que a população ignora, mas qualquer tentativa de fazê-lo ante um público maior atrairá sobre você o diagnóstico de paranóia, assinado pela suprema autoridade científica da mídia popular.

Enquanto existiu concorrência genuína entre os meios de comunicação, a divergência entre os pontos de vista dos vários centros formadores de opinião alertava os observadores para as falhas do conjunto, praticamente obrigando-os a conjeturar outras realidades por trás do que aparecia na mídia. De uns vinte anos para cá, três fatores – (1) a rápida concentração da propriedade dos meios de comunicação, (2) a uniformização ideológica dos estudantes de jornalismo, artes e letras por meio da doutrinação maciça nas universidades e (3) a influência crescente exercida sobre as redações pela rede multibilionária de ONGs militantes espalhadas pelo mundo – produziram um fenômeno que ainda não foi estudado como merece: a padronização mundial da opinião pública por meio da influência convergente da mídia, do show business e do sistema educacional.

A “aldeia global” de Marshall McLuhan, que nos anos 60 era apenas uma interessante figura de linguagem, tornou-se uma profecia auto-realizável e, assumida como projeto por quem tinha os meios de realizá-la, realizou-se: hoje é possível desencadear campanhas de mídia em escala mundial em menos de 24 horas, com absoluta uniformidade de opiniões e versões, de tal modo que a mera tentação de enxergar as coisas de modo diferente se torna torna um risco psicológico a que raríssimas pessoas desejariam se expor. O caráter diabolicamente paródico da situação é patente: em vez de “um só rebanho e um só Pastor”, temos uma só manada de burros e um só condutor.

Nesse panorama, mesmo a mentira mais tola e autocontraditória, se assumida como verdade pela mídia mundial, será muito difícil de contestar, exceto em círculos de estudiosos especializados que, por sua vez, se sentirão em geral inibidos de levar a questão ao público. Entre esses estudiosos há exceções, é claro, mas é fácil sufocar sua voz por meio de uma tempestade de contestações numericamente irrespondíveis. Mais fácil ainda é dissolvê-la num mar de lendas urbanas desencontradas, de modo a impedir que seja objeto de atenção séria.

Se você diz, por exemplo, que a certidão original de nascimento de Barack Obama e todos os seus demais documentos importantes continuam inacessíveis a exame, o que é um fato incontestável, imediatamente multidões de tagarelas, confundindo por estupidez ou astúcia esse fato com as dúvidas quanto à nacionalidade de Obama, respondem que é tudo uma lenda urbana já desmascarada. Espremido entre a exigência artificiosa de provar que Obama nasceu no Quênia ou aceitar sem provas a nacionalidade americana do personagem e todas as suas demais alegações de campanha, o público acaba preferindo esta última alternativa e, por automatismo, acaba engolindo junto com ela a imposição cínica de dispensar o presidente eleito da mais elementar obrigação de transparência, cumprida fielmente por todos os seus antecessores. Fundidos numa névoa pastosa os deveres civis do homem público e as prerrogativas do réu num processo penal, o ônus da prova é magicamente invertido e o direito do eleitor informar-se sobre seus candidatos torna-se virtualmente um crime de calúnia. Essa farsa monstruosa jamais teria sido possível sem a colaboração uniforme de praticamente toda a mídia mundial.

Respondendo a um amigo

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 8 de outubro de 2008

Um amigo, cujo nome tenho boas razões para não declarar aqui, envia-me uma carta interessantíssima da qual desejo destacar e comentar duas observações. A primeira refere-se à farsa montada pela Folha de S. Paulo para amortecer o impacto das confissões do espião Morris Sobell, que desmantelaram uma das mentiras mais queridas da esquerda internacional, a alegada inocência do casal Rosenberg (v. www.olavodecarvalho.org/semana/080919dc.html). A segunda, aos rumos gerais do movimento revolucionário no mundo.

Primeira observação: “Se a intelligentzia da esquerda permitiu a Moris Sobell divulgar sua verdade é porque já sabe o poder que conquistou e está limpando seu passado. Como sempre, culpando os mortos. Do ponto de vista do processo de tomada de poder, tambem é uma mudança de paradigma. Mais um ponto de massa crítica foi ultrapassado e a reação ‘alquimica’ se consolida. Sobell ainda deve ter um bocado de poder. Imagine o mundo, agora majoritariamente de esquerda, saber que ele foi o Gagarin da Bomba. É um reconhecimento em vida.”

Comentário: A técnica é sempre a mesma: primeiro a negação categórica, depois o embelezamento retroativo, por fim a confissão, já com valor invertido. Até o Foro de São Paulo, quando saiu das sombras após dezesseis anos de ocultação, veio todo embonecado, com maquiagem e collant, parecia até o Gilberto Gil no baile do Scala Gay. O que foi ocultado como crime passa por uma transfiguração de modo a poder ser alardeado como mérito.

As gerações mais novas nada souberam, e as velhas já se esqueceram, da pletora de eloqüência mendaz que a mídia chique despejou em todo o globo para dar credibilidade postiça à declaração de Fidel Castro, “Quero deixar bem claro que não somos comunistas” – declaração que, alguns anos depois, passado o temor da rejeição internacional, seria substituída pelo seu oposto simétrico: “Quero deixar bem claro que somos marxistas-leninistas.” Este vídeo do youtube – www.youtube.com/watch?v=VNlKFt11Yxc – pode sanar a ignorância de uns e restaurar a memória de outros. Mas mesmo depois disso ambos os grupos continuarão acreditando na mentira cínica de que os terroristas brasileiros dos anos 70 lutavam para restaurar a democracia no Brasil, mentira que fatalmente, no tempo oportuno, será substituída pela confissão ainda mais cínica de que seu objetivo era instaurar aqui uma ditadura comunista nos moldes da cubana, que os financiava precisamente para isso e para nada mais.

Segunda observação: “Por um outro aspecto, olhando os fatos pelo contexto histórico, esse é o caminho da humanidade, não há outro. Durante muito tempo me revoltava contra o que via, hoje vejo a inevitabilidade deste destino. Não adianta me revoltar, me irritar e irritar os outros. É mais util apenas informar, mostrando o que realmente esta se passando. Sim, esse movimento revolucionario terminará. Terminará quando for a tradição sendo atacada por uma nova traição. Mas o mundo ja estará irreconhecivel.”

Comentário: Você tem razão ao dizer que o movimento revolucionário, quando terminar (o que é historicamente inevitável), terá deixado o mundo irreconhecível. É como o vício da cocaína, que o sujeito pode abandonar, mas sem obter nunca os seus neurônios de volta.

Não devemos, é claro, ter a ilusão de reverter o curso dos acontecimentos, mas também não podemos ceder a um fatalismo que só pode nos acanalhar e destruir o sentido da nossa existência. O que temos é de fazer de nossas vidas um testemunho de que o movimento revolucionário não é onipotente, de que é possível sobreviver mesmo sob o seu jugo sem lhe ceder um milímetro da nossa liberdade de consciência, de que é possível cuspir nos ídolos, desprezá-los e humilhá-los sem que eles tenham sequer a cara de pau de fazer algo de substantivo contra nós. O exemplo que deixarmos será, após o fim do pesadelo, a semente da reconstrução do sentido da vida. Deixar esse exemplo é só o que interessa. No Juízo Final, não seremos cobrados pelo que o mundo escolheu fazer, mas apenas pelo que fizemos de nossas próprias vidas.

Escrúpulos de comunista

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 11 de setembro de 2008

A propósito da notícia publicada no último dia 30 pela Agência Reuters, com o título “Doação da Gerdau ao PSOL abre debate ideológico na esquerda”, devo lembrar aos distintos leitores que todo o dinheiro dos partidos comunistas e pró-comunistas do mundo vem de uma ou várias das seguintes fontes:

1. Roubos, assaltos, seqüestros, narcotráfico e outros crimes.

2. Trabalho escravo em quantidades jamais vistas antes no Oriente ou no Ocidente.

3. Desapropriações sumárias, sem indenização, impostas à força, não raro mediante o assassinato do proprietário, rico ou pobre (pobre, na maioria dos casos).

4. Lavagem de dinheiro da KGB e órgãos similares, obtido pelos meios acima e investido em negócios capitalistas por intermédio de testas-de-ferro (as maiores fortunas do mundo, hoje em dia, têm essa origem).

5. Subsídios estatais e privados extorquidos mediante chantagem psicológica e ameaça de violências ou drenados sutilmente da rede de ONGs esquerdistas que cobre meio planeta.

6. Contribuições de militantes, que podem chegar a 50 por cento dos seus salários (e ai de quem não pague em dia!).

7. Uma imensidão de negócios lícitos e ilícitos, nos ramos de indústria, mídia, edições, publicidade, bancos, educação etc., que colocam comunistas e seus aliados entre os maiores capitalistas do universo.

8. Ajuda vinda de ricos “companheiros de viagem”, seja em troca de favores ou do mero aplauso.

9. Ajuda ocasional recebida de milionários direitistas ou pelo menos não comunistas, empenhados, por algum motivo que não cabe discutir agora, em agradar seus inimigos.

Nenhuma quantia proveniente das oito primeiras fontes jamais causou o menor problema moral a seus recebedores comunistas. Ao contrário, eles estão persuadidos de que é seu direito e dever embolsar todo o dinheiro do mundo, porque eles são bons, mesmo quando matam, escravizam, roubam ou torturam em massa, e os outros seres humanos são maus, mesmo quando se limitam a ganhar honestamente a vida. Só o dinheiro vindo da última origem mencionada suscita alguns escrúpulos de consciência – não por causa da natureza da fonte, já que “pecunia non olet”, mas porque, raios!, às vezes a coisa é divulgada na mídia e pega mal entre os comunistas não beneficiados diretamente pela doação. Aí a consciência moral comunista desperta e seus rugidos de indignação sacodem o ar em torno. Debates “éticos” acalorados eclodem por toda parte, colocando em questão a pureza ideológica dos beneficiados e seu direito de contaminar-se em tão más companhias.

A maneira como a mídia noticia esses episódios dá a entender não só que se trata de escrupulosidade moral nobre e genuína, mas que isso diferencia os partidos de esquerda de seus concorrentes direitistas e que, de modo geral, embolsar dinheiro do adversário é a única mancha possível – mesmo assim incerta – na ilibada moralidade comunista. De um só golpe, a mais patente hipocrisia é transfigurada em prova de virtude suprema, ao passo que a imensidão de crimes cometidos com total frieza pelos maiores ladrões, exploradores e assassinos do mundo desaparece do horizonte do debate, como se não houvesse aí nenhum problema moral a discutir. O único pecado concebível em que um comunista pode sujar-se é receber, em público, dinheiro do inimigo. O resto são só virtudes.

Essa lisonjeira auto-imagem publicitária dos comunistas tornou-se norma de redação obrigatória para toda a mídia. O jornalismo nacional acabou virando um órgão do debate interno da esquerda, encerrando os leitores, para sempre, numa redoma mental onde se torna impossível escapar, mesmo em imaginação, aos valores e critérios do esquerdismo. Hoje em dia, até para criticar a esquerda o cidadão é obrigado a pensar segundo as categorias que ela determina. Isso é precisamente o que Antonio Gramsci chamava de “hegemonia”.

Veja todos os arquivos por ano