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Piu-Piu na cadeia

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 2 de novembro

Em artigo publicado em 30 de outubro, anunciei: “Como Lula promete para o seu segundo mandato a ‘democratização dos meios de comunicação’, os órgãos de mídia que se calaram quanto aos crimes maiores do presidente serão recompensados mediante a oficialização da mordaça” (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/061030dc.html).

Não se passaram 48 horas e, como invariavelmente acontece há quinze anos, os petistas me deram razão. Saíram espancando e intimidando jornalistas, clamando por mais controle estatal da mídia e até caprichando na mesquinharia ao ponto de boicotar o pagamento de aposentadoria a um de seus recentes desafetos.

Dos perseguidos, nenhum era direitista, pró-americano, sionista ou cristão conservador. Eram todos “companheiros de viagem” que passaram a década ajudando a encobrir o eixo Lula-Castro-Chávez-Farc, a idealizar a imagem do “presidente operário” e a realizar o sonho gramsciano de dar ao esquerdismo a autoridade moral onipresente e invisível de um imperativo categórico. Foram punidos apenas porque, depois de ter servido a essa autoridade com o melhor de suas forças, engolindo gentilmente sapo em cima de sapo, chegaram ao limite de elasticidade das suas consciências e recuaram ante o derradeiro upgrade de abominação que o governo lhes exigia: não quiseram compactuar com uma roubalheira que não os beneficiava. Por essa malcriação anêmica e tardia – o máximo de independência mental que se concebe no Brasil de hoje –, foram rotulados de servos do imperialismo, filhotes da ditadura e reacionários fascistas, padecendo o destino que a “democracia ampliada” reserva a esses tipos execráveis. Depois disso, ainda hesitam em admitir o óbvio e, infectados até à medula da “síndrome do Piu-Piu” (para uma descrição desta sintomatologia, v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/041204globo.htm), insistem em perguntar, como Veja: “Fatos isolados ou política de governo?” É claro: tendo dado persistente sumiço a atas e documentos do Foro de São Paulo, sentem repulsa de confessar que os planos ali anunciados estão sendo levados à prática. Imagino-os, em breve, trancafiados numa prisão comunista, interrogados por oficiais cubanos (como já acontece na Venezuela) e perguntando-se uns aos outros: “Será que eu vi um gatinho?”

Parece mesmo impossível explicar a essas pessoas que há alguma diferença entre a modernização capitalista usada para consolidar um regime constitucional e para financiar a construção discreta de uma “democracia popular”. É a diferença entre Margaret Thatcher e Vladimir Iilitch Lênin, mas fica difícil enxergá-la quando se acredita no poder libertário automático da economia de mercado – uma sugestão hipnótica que após a queda da URSS consultores comunistas meteram na cabeça do empresariado para desarmá-lo ideologicamente. Imbuídas dessa fé mágica, publicações como Veja e a Folha acham que é possível livrar-se do comunismo recusando-se a enxergá-lo e reprimindo severamente toda tentação anticomunista. Deu no que deu, mas a existência ou inexistência do gatinho ainda continua uma dúvida metafísica insolúvel.

Sorman está por fora

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 25 de maio de 2006

Roberto Fendt (Samba do crioulo doido, no DC de ontem) está montado na razão quando reclama da palestra de Guy Sorman no seminário Democracia, Liberdade e o Império das Leis . Sorman, que era um sujeito lúcido até umas semanas atrás, de repente apareceu proclamando, com a cara mais bisonha do mundo, que Lula é o remédio anti-Chávez e que só não concordam com isso os “liberais de direita”. Mas os senhores não reparem: o cidadão é sociólogo e é francês. Dificilmente um cérebro humano escapa por muito tempo à debilitação resultante desse destino duplamente cruel, por mais nutrido que esteja de von Mises e Hayek.

Lula, fundador do Foro de São Paulo , só não pode ser dito o pai de Chávez porque essa honra cabe a Fidel Castro. Lula tem sua glória própria: é a mãe. E ele mesmo, no discurso com que celebrou os quinze anos de fundação dessa entidade criminosa, admitiu o desvelo maternal com que ajudou a colocar e manter o filhinho no poder por vias secretas e fraudulentas. Depois de tão longo trabalho de parto, ele não vai querer agora pôr tudo a perder mediante um aborto retroativo.

O erro de Sorman é o mesmo dos iluminados “especialistas” do Departamento de Estado: vêem Lula só pela orientação econômica do seu governo, fazendo abstração dos compromissos que ele tem com a revolução continental e com a subversão local, inclusive armada e sangrenta. Visto só pelo lado econômico, Vladimir I. Lênin pareceria um antepassado ideológico de Margaret Thatcher, porque deu chance à livre iniciativa e abriu o mercado russo aos investidores estrangeiros. Tanto ele quanto Lula, porém, guardadas as devidas diferenças e proporções, encobriram com o manto da economia bem comportada uma política voltada à centralização do poder, à internacionalização do movimento revolucionário, à eliminação das oposições e à subjugação da sociedade por meio do caos e do terror.

Por uma ironia bem significativa, a voz de Sorman ecoou no auditório do Hotel Caesar Business ao mesmo tempo que, nas ruas de São Paulo, se ouviam os tiros do PCC. Nada, absolutamente nada pode camuflar a evidência de que a rebelião dos bandidos, empreendida em associação com o MST e chefiada por um protegido do sr. Márcio Thomas Bastos, foi obra direta ou indireta do governo federal. Milhões de Sormans gritando bobagens pró-Lula não poderiam suprimir essa obviedade.

Quanto à divisão do liberalismo em esquerdista e direitista, nada preciso dizer. Fendt já a depositou na privada e puxou a descarga. Só devo fazer um pequeno reparo às classificações com que ele a substitui. Não é verdade que os conservadores se diferenciem dos liberais por preferirem a ordem à liberdade. Mil páginas da recém publicada American Conservatism: An Enclyclopedia (ISI Books, 2006) provam que não é nada disso, pelo menos no contexto anglo-saxônico. O conservatism é acima de tudo o amor às liberdades individuais, ao ponto de em suas expressões mais extremadas ter gerado a facção dos libertarians , quase anarquistas na sua recusa de toda interferência estatal na economia ou na vida moral. O amor unilateral à “ordem” caracteriza, isto sim, a direita francesa, que por sinal não se autodenominou “conservadora” quase nunca, pelo simples fato de ser tecnocrática e positivista. Tirando esse detalhe, subscrevo cada palavra do artigo de Roberto Fendt.

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