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O estupro das soberanias nacionais

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio, 20 de março de 2006

A ONU está firmemente decidida a tornar o abortismo obrigatório em todas as nações do mundo, sob pena de sanções econômicas. É a mais vasta e brutal interferência uniformizante que um poder transnacional já ousou fazer em países nominalmente soberanos. A intromissão vai furar a casca jurídica e administrativa e ir direto aos fundamentos de cada sociedade. Será a extirpação completa das raízes morais e religiosas milenares de culturas inteiras – e não é preciso dizer que junto com esses fundamentos irão embora as respectivas identidades nacionais.

Nomeada e paga por Estados independentes, a burocracia internacional da ONU e da CE se empenha ativamente em destruí-los e em erguer-se acima deles como governo mundial. A decisão explícita nesse sentido já está tomada desde 1994: “Os problemas da humanidade já não podem ser resolvidos pelos governos nacionais. O que é preciso é um Governo Mundial. A melhor maneira de realizá-lo é fortalecendo as Nações Unidas” ( Relatório sobre o Desenvolvimento Humano ).

Até o momento, a imposição desse novo poder era camuflada e sutil. Decisões da alçada dos governos e parlamentos iam sendo, pouco a pouco, transferidas para comissões técnicas transnacionais, inteiramente protegidas de qualquer fiscalização pelos eleitorados. A soberania política, jurídica, econômica e militar das nações ia sendo cortada fatia por fatia, lentamente, sem que os povos afetados recebessem informação em tempo de organizar-se para reagir. Uma autêntica “operação salame” em escala global. Foi assim que a burocracia internacional conseguiu impor programas uniformes em matéria de educação, saúde, economia, etc., até mesmo às nações mais fortes e orgulhosas (a total devastação do ensino público americano foi obra da ONU, implantada com a cumplicidade de Jimmy Carter e George Bush pai). A obra-prima do maquiavelismo anestésico veio quando a Inglaterra, tradicionalmente refratária à promiscuidade internacional, consentiu em ceder ao escritório da Comunidade Européia, em Bruxelas, os poderes de decisão do governo de Londres quanto a orçamento, comércio, transportes, defesa nacional, relações internacionais, imigração, justiça e direitos humanos, reduzindo o Parlamento à condição de assembléia local subordinada (v. http://www.olavodecarvalho.org /semana/030524globo.htm ). Uma pesquisa do jornal The Sun mostrou que 84 por cento dos ingleses ignoravam tudo a respeito.

A decisão quanto ao aborto assinala o que Mao Tsé-tung chamaria “salto qualitativo”: uma lenta acumulação quantitativa de fatores homogêneos muda, de repente, a natureza do processo. Décadas de manipulação sorrateira tornaram as nações suficientemente passivas para curvar-se, sem o mais mínimo questionamento, à imposição ostensiva de uma nova lei moral, contrária a tudo em que acreditaram durante séculos ou milênios.

Se há uma situação em que faz sentido falar de “genocídio cultural”, é essa. E não é preciso dizer que novas medidas do mesmo teor virão nos próximos anos, varrendo do mapa símbolos, valores, costumes e tradições que desagradem ao autonomeado governo do mundo. A profundidade e abrangência da mutação planejada vai além de tudo o que a imaginação banal dos politólogos acadêmicos e dos analistas econômicos da mídia pode hoje conceber.

De um lado, a substância ideológica dessa revolução é extraída diretamente do materialismo revolucionário do século XVIII: trata-se de criar uma sociedade global totalmente administrada e controlada por uma elite de intelectuais iluminados, porta-vozes da razão científica contra o obscurantismo das religiões e culturas tradicionais.

Mas todo esse racionalismo é somente uma casca brilhante construída para engodo das multidões (nisto incluído o “proletariado intelectual” das universidades). Por dentro, o iluminismo inteiro foi um amálgama tenebroso de ocultismo, magia, gnosticismo, sociedades secretas, rituais entre cômicos e macabros. Não há um só historiador sério que ignore isso.

Do mesmo modo, o laicismo “esclarecido” da nova ordem global é puro teatro. Suas fontes são as mesmas do ocultismo da “Nova Era”. Seus gurus são Helena Petrovna Blavatsky, Alice Bailey, Aleister Crowley e outros saídos do mesmo esgoto espiritual. Se duvidam, informem-se sobre um movimento denominado United Religions Initiative. Já mencionei aqui o livro de Lee Penn, False Dawn: The United Religions Initiative, Globalism and the Quest for a One-World Religion , Hillsdale, NY, Sophia Perennis, 2004. Está tudo lá. Apelo ao leitor para que estude essa obra enquanto é tempo. São centenas de páginas de documentos de fonte primária, que não deixam a menor margem a dúvidas. O governo mundial que se forma diante dos nossos olhos tem um programa “religioso” bem definido: criar uma nova “espiritualidade global” biônica que domestique as religiões tradicionais e as nivele a qualquer seita ocultista, mágica, ufológica ou satanista, e na qual o objetivo essencial da atividade religiosa não seja o culto a Deus, mas a “reforma social” – na linha, é claro, escolhida pela burocracia.

A intelectualidade brasileira está radicalmente desqualificada para discutir essas mutações e suas conseqüências para o país. O destino nacional está sendo decidido por forças que ninguém, no Congresso, na mídia, nas universidades ou nas Forças Armadas, entende nem mesmo por alto. Nunca os cérebros foram tão pequenos para desafios tão grandes. As discussões a respeito são meros concursos de literatice provinciana, enquanto em volta tudo é arrastado na voragem de uma revolução que não é compreendida nem pelos seus próprios agentes locais.

Notícias do mundo real

Quem quiser saber o que se passa no país e no mundo, que pare de ler os jornalões e comece a vasculhar a internet . Três exemplos:

Primeiro . Leio no site www.alertabrasil.blogspot.com que, segundo Leonardo Attuch, autor do livro “A CPI que Abalou o Brasil”, Mino Carta recebeu R$ 2,5 milhões do Mensalão para sua revista Carta Capital , cujo petismo fiel e intransigente fica assim explicado. O dinheiro saiu por ordem direta de Luiz Gushiken. Attuch informa que uma lista extensiva de jornalistas “amiguinhos do governo” está para vazar a qualquer momento. Que acontecerá a esses mensaleiros da mídia? O mesmo que aconteceu a seus oitocentos colegas subsidiados pela CUT em 1993. Nada. Continuarão posando de fiscais impolutos da moralidade alheia.

Segundo . No site www.vcrisis.com , você encontra tudo sobre a Venezuela – desde listas de presos, mortos e desaparecidos até acordos secretos de colaboração atômica entre Hugo Chávez e o governo da Coréia do Norte. Em represália contra essa mania de jornalismo, seu editor, Alexander Boyd, cidadão venezuelano auto-exilado na Inglaterra, é acusado pelos agentes chavistas de representar uma “conexão anglo-venezuelana” subsidiada pelo governo americano. Ameaçam até pedir sua extradição ao governo britânico, sob alegações que até o momento não consigo imaginar. Boyd é meu amigo, passou uns dias aqui em casa e asseguro que ele não tem onde cair morto. Se o governo americano o subsidia, o raio do cheque deve estar atrasado há anos.

Terceiro . Partindo de uma informação divulgada por mim tempos atrás, o blog www.cacom.blogspot.com cobrou da senadora Heloísa Helena uma explicação das relações perigosas entre seu partido e o terrorista italiano Achille Lollo, condenado pela justiça de seu país pelo assassinato dos dois filhos de seu inimigo político Mario Mattei, um deles de oito anos de idade, ambos queimados vivos num incêndio proposital. Com uma sentença de dezoito anos de prisão a cumprir na Itália, o terrorista vive no Brasil, sob proteção do governo ao qual a sra. Heloísa Helena finge fazer oposição ao mesmo tempo que continua a colaborar com ele no Foro de São Paulo. Lollo é co-fundador do PSOL e publica artigos de teoria marxista no jornal do partido da senadora.

Gabriel Castro, editor do blog , achou com razão que uma candidata à Presidência da República não poderia andar de mãos dadas com um parceiro tão sujo sem dar ao menos alguma satisfação à opinião pública. Ante a pergunta, a assessoria da senadora, que antes havia concordado com a entrevista, reagiu com quatro pedras na mão, fazendo pose de dignidade ofendida e espalhando no ar toda sorte de insinuações perversas para fugir de dar uma resposta. O jornal então avisou que iria publicar as perguntas sem as respostas , e a senadora, agora em pessoa, não perdeu a ocasião de se fazer de vítima, uma das técnicas de desconversa mais usuais nos meios esquerdistas: “Ameaça? Acha V.Sa. que eu tenho medo de alguma coisa? Passei a vida como sobrevivente tendo que engolir meus próprios medos, entendeu?” Performance comovente, senadora. Mas, encerrado o espetáculo, cadê a explicação? Nada. Silêncio total. O blog então publicou as provas da participação de Lollo no PSOL, acompanhadas de um documento aterrorizante: a foto de uma das vítimas do incêndio, queimada mas ainda viva, tentando em vão escapar pela janela da casa em chamas.

O que achei mais bonito na reação da assessoria foi a pergunta insolente enviada a Gabriel Castro: “O seu público sabe quem é Olavo de Carvalho? Assim fica difícil agente ( sic ) fazer alguma coisa.” Que é que seus ajudantes querem dizer com isso, senadora? Que a senhora me conhece, que sabe a meu respeito algo de terrivelmente comprometedor que o editor do blog ignora? Pois então diga logo, madame. Na verdade, você não vai dizer é nada, nem contra mim nem a seu favor. Não vai dizer, porque não tem nada a dizer. Já está suja pela parceria com esse assassino monstruoso, sujou-se mais ainda por fugir da pergunta e, ao defender-se por trás de alusões difamatórias a um terceiro, completou a porcaria. O valente Gabriel Castro encerra o relato do episódio com uma conclusão incontornável: “Quando um entrevistado foge e não responde a uma pergunta, sem querer ele diz muito mais do que se houvesse respondido.”

Derrota completa

Os soldados do Exército voltando aos quartéis, sob uma chuva de cusparadas da mídia, após uma frustrada incursão nos morros cariocas, são a imagem da derrocada aparentemente irremediável das nossas Forças Armadas. Desde o tempo em que optaram por responder às sucessivas ondas de calúnias com tímidas notinhas oficiais em vez dos processos judiciais devidos e moralmente obrigatórios, os comandantes das três armas mostraram sua disposição de sacrificar a dignidade das suas corporações no altar de uma simulação gramsciana de democracia e ordem. Depois passaram da omissão ao masoquismo explícito, condecorando os detratores das Forças Armadas, mostrando reverência indevida a um governo cúmplice das Farc e submetendo-se alegremente à ordem de transformar soldados em cavouqueiros a serviço do MST. Negando contra toda evidência o alcance militar e estratégico do narcotráfico no continente, deixaram crescer impunemente o inimigo, enquanto se vangloriavam de não se rebaixar a “funções policiais”. Fugindo à luta maior, à luta para salvar o país da trama continental urdida pela aliança macabra de comunistas e traficantes, agora só lhes resta tentar mostrar serviço saindo à cata de bandidinhos avulsos e provando que já não estão capacitadas nem para isso.

Mas, se nossas tropas têm capacidade para sufocar a bandidagem no Haiti, por que mostram um desempenho tão chinfrim no Rio de Janeiro? É simples: no Haiti não havia mídia hostil, não havia ONGs e políticos maliciando tudo, não havia a pressão de uma elite cheia de ódio e despeito à classe militar. Tiros e bombas não assustam o soldado brasileiro. O que o amedronta é o olhar perverso do beautiful people , a malícia difusa dos falsos moralistas, a língua pérfida dos maiores fofoqueiros do universo. É a esses que as nossas Forças Armadas, tão valorosas sob outros aspectos, foram cedendo tudo. Caluniadas, aviltadas, achincalhadas, sabotadas por todos os meios imagináveis, não souberam reagir com eficácia enquanto era tempo, e agora têm de inventar às pressas algum pretexto edificante para justificar sua transformação em tropa auxiliar do Foro de São Paulo. Quanto falta para isso? Depois que nossos soldados foram submetidos à tarefa humilhante de montar estandes para o Fórum Social Mundial, falta realmente muito pouco.

Nada disso teria acontecido se ao menos uma parte da alta oficialidade não se tivesse deixado induzir por pseudo-intelectuais fardados e civis a acreditar que, com a queda da URSS, a luta ideológica era coisa do passado e daí por diante o conflito Leste-Oeste tinha cedido lugar à concorrência Norte-Sul, ou países ricos contra países pobres. Engolindo essa estupidez infame, não percebiam – ou fingiam não perceber — que se tornavam intrumentos ao menos passivos da estratégia comunista internacional no instante mesmo em que proclamavam a morte do comunismo.

Bem sei que a maioria absoluta dos militares não quer nada disso. Já escrevi, e repito, que só na classe dos homens de armas encontrei no Brasil um genuíno patriotismo, um sentimento profundo da continuidade histórica do país como um legado de heroísmo e de sacrifícios. Sei que eles continuam fiéis ao seu primeiro amor. Mas o que pode haver de mais perturbador que o conflito de lealdades? Ser um militar brasileiro, hoje, é ter o coração dilacerado entre a obediência formal a um regulamento e o apego aos valores que o originaram. Normalmente, as leis são a expressão dos valores. Mas, quando estes são subvertidos por baixo da carapaça legal enquanto esta permanece intacta, aí se instaura a luta entre a forma e o conteúdo. Criar e explorar esse antagonismo, levando o país à confusão, ao cansaço, ao desespero e por fim à rendição, eis a obra da “revolução cultural” gramsciana. Ela não tem preferência pela farda do soldado, pela toga do magistrado, pelo terno do executivo ou pelo macacão do operário: ela divide e enfraquece todas as almas. Por sobre a derrota de todos, só o Partido se forlalece. E quando digo “partido”, não me refiro ao PT, mas ao complexo de partidos de esquerda bem articulados, por trás de suas divergências de superfície, na estratégia continental da subversão e do roubo. Se o sr. Luís Inácio da Silva, para assumir a presidência do país, abandonou a do Foro de São Paulo, isso é apenas uma formalidade administrativa sem alcance político nenhum. Depois que esse indivíduo confessou tomar decisões estratégicas em encontros secretos com ditadores estrangeiros, sem dar ciência delas ao Congresso ou à população, só mentalidades covardes demais para admitir a realidade podem continuar negando que o Brasil é governado desde o Foro de São Paulo, que Hugo Chávez e Fidel Castro mandam aqui dentro mais que qualquer ministro de Estado ou comandante militar. O país sabe que está de quatro, mas continua fazendo de conta que sua humilhação é motivo de orgulho. Decididamente, está havendo alguma confusão entre orgulho nacional e orgulho gay .

Ainda há tempo para salvar a dignidade das Forças Armadas? Há, mas encurta velozmente. Se querem uma fórmula, a lição 1 é simples: que os militares parem de acariciar os inimigos que os bajulam com doces palavras e aprendam a ouvir os amigos que os desagradam com verdades duras. A verdade é boa em si. Não tem por que tentar ser agradável. Quem prefere antes agrado do que sinceridade, é porque já está fraco demais para admitir a gravidade da sua própria situação. Homens de valor não pedem agrado. Pedem o conhecimento necessário para tomar decisões viris. Se é isso o que querem, contem comigo. Se querem agradinho, que vão pedir aos seus falsos amigos interesseiros.

Doença moral hedionda

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 19 de setembro de 2005

Há uma década e meia a Heritage Foundation de Washington e o Wall Street Journal publicam anualmente o Index of Economic Freedom, volumoso estudo comparativo dos controles estatizantes e da liberdade de mercado nas várias nações. Os critérios diferenciais abrangem a propriedade governamental dos meios de produção, a participação acionária do Estado nas empresas de economia mista, a incidência de impostos sobre a iniciativa privada e a dose maior ou menor de legislações restritivas.
É, de longe, a publicação econômica mais importante do mundo, a única que permite, numa visão abrangente, avaliar sem muita dificuldade os méritos respectivos do capitalismo e do socialismo, não segundo os argumentos concebidos para justificá-los, mas segundo o seu desempenho real no esforço para dar uma vida melhor ao conjunto da população dos países ao seu alcance.
Ano após ano, a realidade desse desempenho é ali mostrada com uma profusão de dados e com uma integridade metodológica que nenhum estudioso da área ousou jamais contestar. Essa realidade pode ser formulada em termos simples e inequívocos: quanto maior a dose de controle estatal, mais miséria, mais opressão, mais sofrimento; quanto maior o índice de liberdade econômica, mais prosperidade, mais respeito aos direitos humanos, mais oportunidades para uma vida digna oferecidas a faixas mais extensas da população.
Qualquer esquerdista intelectualmente capacitado a ler uma publicação desse tipo tem, diante dela, no mínimo a obrigação de ficar em dúvida quanto à superioridade moral excelsa que a propaganda política atribui ao socialismo e de moderar um pouco aquele tom de certeza absoluta e inquestionável com que sempre atribui ao adversário, pelo simples fato de ser pró-capitalista, as piores e mais baixas intenções.
Na mais modesta das hipóteses, uma consciência moral tão elevada quanto aquela que se arrogam os esquerdistas deveria ter ao menos um pouquinho de senso da verdade, ao menos um pouquinho da humildade necessária para admitir os fatos e tirar alguma conseqüência deles.
Mas isso está infinitamente acima do que se pode esperar dessas criaturas. Quanto mais deploráveis os resultados econômicos do socialismo, quanto maior a dose de crimes e violências necessários para produzi-los, tanto mais enfática a alegação de superioridade, tanto mais inabalável o sentimento de possuir o monopólio da bondade humana, tanto mais virulento o discurso esquerdista contra o capitalismo e seus defensores. Quanto mais extensas as provas do seu erro, tanto mais arraigada e intolerante a sua certeza, tanto menor a sua disposição de conceder ao adversário o benefício da dúvida ou até mesmo o direito à palavra, que com a maior desenvoltura lhe cassam ao mesmo tempo que, numa apoteose de cinismo, o rotulam de dogmático e intolerante.
Observar esse contraste, repetidamente, ao longo dos anos, é ser arrastado a uma conclusão que a alma rejeita, mas que a consciência impõe inexoravelmente: o socialismo não é uma opinião política como qualquer outra, é uma doença do espírito, uma deformidade moral hedionda, pertinaz e dificilmente curável.
A observação pessoal é confirmada por estudos consistentes como “La Fausse Conscience”, Joseph Gabel, “Intellectuals”, de Paul Johnson, “Modernity Without Restraint”, de Eric Voegelin, “Fire in the Minds of Men”, de James Billington e outros tantos inumeráveis.
Não há nada de estranho em que o mesmo diagnóstico se aplique ipsis litteris ao nazifascismo, já que este não passa de uma variante interna do socialismo — obviedade histórica que na época dos fatos era universalmente conhecida e que só a propaganda maciça pode ter apagado da memória pública ao menos em alguns países.
Nem é de espantar que, observados de perto, na escala de suas atitudes pessoais, os mais destacados expoentes da ideologia socialista se revelem invariavelmente personalidades cruéis, sem moral, sem amor ao próximo, sem o mínimo de sentimentos humanos nem mesmo por seus familiares e amigos. Estudem as biografias de Karl Marx, de Lênin, de Stalin, de Mao-Tsé-Tung, de Pol-Pot, de Fidel Castro – sobretudo os depoimentos do médico pessoal de Mao e os das filhas de Stalin e Castro — e vejam se há algum exagero em chamar esses indivíduos de monstros, ou de perversos os que os admiram.
Quem quer que, conhecendo esses fatos, ainda julgue que o oceano de crueldade e sofrimento produzido por esses personagens e pelos movimentos que lideraram é preferível aos “males do capitalismo”, decididamente não tem senso de proporções, não tem maturidade intelectual ou humana bastante para ser admitido como interlocutor respeitável num debate de idéias.
Desgraçadamente, é justamente esse o tipo de indivíduo que hoje dá o tom das discussões nacionais e se arroga, com sucesso, o papel de medida-padrão das virtudes humanas, à luz da qual devem ser julgados todos os atos, seres e situações. A covardia e o despreparo gerais da classe dominante no Brasil fizeram dela a cúmplice ao menos passiva da ascensão desses celerados ao primeiro escalão da hierarquia social, de onde hoje é quase impossível removê-los.

Desculpas sem culpa

Alguns leitores, levados à perplexidade pelo simples fato de que sua única fonte de informações é a grande mídia brasileira – o que é pior até do que não ter informação nenhuma –, pedem-me que explique por que o presidente Bush, se não teve culpa do atraso no socorro à Louisiana, pediu desculpas como se tivesse. Bem, antes de tudo, é impressionante o número de brasileiros que opinam sobre a política dos EUA sem conhecer nem mesmo os rudimentos da legislação americana, que os meninos da Virginia ou do Texas aprendem na escola. Não vi, por exemplo, um só dos opinadores compulsivos que pululam nos nossos jornais dar o menor sinal de saber que o governo federal americano não pode socorrer um Estado sem pedido do governo local, que para fazer isso o presidente Bush teria de decretar intervenção federal, destituindo na prática a governadora. Se ele fizesse isso, o Partido Democrata pediria imediatamente o seu impeachment, alegando abuso da autoridade presidencial, e os EUA teriam de enfrentar, junto com a inundação da Louisiana, a maior crise política desde Watergate. Seria um segundo e simultâneo desastre nacional. Por isso Bush decidiu deixar o socorro preparado e esperar a solicitação oficial da governadora, limitando-se a pressioná-la psicologicamente por telefone. Os democratas sabiam que, agindo assim, ele se expunha a arcar com todas as culpas sem ter nenhuma. Não tenho dúvidas de que isso entrou nos cálculos da governadora Kathleen Branco quando, contra todas as probabilidades, contra toda a lógica, contra todo o bom-senso, adiou o pedido de socorro até o limite da tragédia e, ainda mais inexplicavelmente, bloqueou a entrada da ajuda proveniente dos Estados vizinhos. Partindo da premissa de que o objetivo prioritário era salvar a população atingida pelas águas, um acúmulo tão persistente de delongas no meio de uma situação tão premente é de uma absurdidade tamanha que só pode ser explicado pela loucura completa. Mas Kathleen Blanco não é louca. Não resta portanto outro motivo plausível exceto a premeditação de um golpe mortal a ser desferido na carreira do presidente – um objetivo que, para o desesperado e fanatizado Partido Democrata, é certamente mais urgente do que salvar umas quantas vidas. Se essa hipótese lhes parece ruim demais, é porque vocês não sabem o que é hoje o Partido Democrata. É o partido de George Soros, o partido do dinheiro chinês, o partido do oil-for-food, o partido empenhado em desarmar os EUA e colocar a nação de joelhos ante os Kofi Annans da vida. É um gigantesco PT, arrotando patriotismo e abrindo as fronteiras aos terroristas e narcotraficantes. George W. Bush não é certamente o político mais hábil de todos os tempos. É apenas um homem honesto que tenta fazer o melhor, mas foge por todos os meios a um choque frontal com a oposição democrata. Não sei por que ele faz isso. Pretendo descobrir um dia. Porém mais de uma vez ele já mostrou que prefere antes sacrificar sua carreira do que admitir um estado de divisão interna num país em guerra. Não sou como os demais colunistas brasileiros, que diariamente dão conselhos e até ordens ao presidente dos EUA, ao general Sharon, ao Papa e, nos momentos de maior modéstia, a Deus Todo-Poderoso. Mas, cá com os meus humildes botões, acho que Bush está errado, que é inútil um presidente simular união nacional quando o país está repleto de traidores organizados para destruí-lo. O melhor talvez fosse partir para a ruptura – e teria sido precisamente esse o resultado de uma intervenção federal forçada. Mas não estou na pele do presidente americano, e não sei se ele, ou qualquer outro governante do planeta, teria cacife para enfrentar ao mesmo tempo uma catástrofe natural e uma crise institucional, além de uma guerra e da mobilização interna contra ela, sem contar a hostilidade da Europa e da ONU. Para evitar essa hipótese, ele se curvou ao jogo de seus adversários. Não teve culpa direta por nada, mas, como cristão, assumiu a responsabilidade da escolha política. Sei que, na mídia brasileira, a simples hipótese de um governante ser cristão sincero parece absurda e é objeto de chacota. Mas isso revela algo sobre a mentalidade da mídia brasileira, não sobre a de George W. Bush.

Grijalbo Júnior

Quando peguei em flagrante delito de patifaria intelectual o dr. Grijalbo Fernandes, então presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), o acusado apelou ao expediente sumamente porcino de alegar que a denúncia feria a honra de toda a classe de juízes do trabalho – como se fosse composta integralmente de patifes iguais a ele – e de brandir contra mim uma ameaça de processo por “dano moral coletivo” (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/050514globo.htm, http://www.olavodecarvalho.org/semana/050521globo.htm e http://www.midiasemmascara.org/artigo.php?sid=3757). Provando que a classe não se sentira nem um pouco ofendida pelo desmascaramento do figurão que a representava tão mal, mas sim pela tentativa manhosa de usá-la como escudo contra a verdade, a juíza Marli Nogueira, de Brasília, passou um didático pito naquele seu colega, ensinando-o a ler nas minhas palavras o que estava lá, não o que ele desejaria fazer crer que estivesse. Para desmoralizar um pouco mais as pretensões grijálbicas, logo em seguida o Tribunal do Trabalho da 3ª. Região, de Belo Horizonte, por indicação do juiz Ricardo Antônio Mohallem, ele próprio integrante da diretoria da Anamatra, me concedeu a medalha da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho “Juiz Ari Rocha”. Inconformado com a homenagem, que por si desmascarava a calúnia levantada contra mim pelo dr. Grijalbo, agora apareceu um Grijalbo II, ou Grijalbo Júnior, mais conhecido como Orlando Tadeu de Alcântara, presidente da Anamatra 3, para escrever ao Tribunal uma carta de protesto na qual repete a calúnia anterior e lhe acrescenta umas novas, entre as quais a de que “o Sr. Olavo de Carvalho, nas suas idéias e manifestações, sempre desprezou a democracia, o direito e a paz social”. Nem Tadeu nem Grijalbo acreditaram jamais numa só palavra que escreveram contra mim, pois se acreditassem não se contentariam com fanfarronadas pueris e passariam das palavras aos atos, movendo logo o alardeado processo, coisa que não fizeram nem farão, a não ser talvez quando tiverem a garantia de que o réu não será condenado por suas ações, mas, como nos regimes de Stalin, Mao e Fidel Castro, por sua “ideologia de classe”. Por enquanto, só o que conseguiram foi uma resposta ríspida e corajosa do juiz Mohallem, que além de desmascarar a discriminação ideológica brutal por trás da afetada preocupação com a “democracia”, ainda aproveitou a ocasião para se desligar da entidade, mostrando que a companhia de Grijalbos e Tadeus não convém realmente a homens honrados. Tenho a certeza absoluta de que o dr. Mohallem, e não eles, é representativo da classe dos juízes do trabalho. Mas, em qualquer classe social, a voz da maioria honesta é hoje sufocada pela algazarra de uma minoria de ativistas histéricos, mentirosos cínicos, que ousam rotular de “ofensa à democracia” o que quer que se diga contra os regimes genocidas de sua devoção.

Quem enganou quem

Na Espanha, a Associação das Vítimas do Terrorismo anunciou que promoverá uma onda de manifestações de protesto contra a acomodação do primeiro-ministro Zapatero com os terroristas do ETA e contra a ocultação, pelo governo espanhol, de informações que poderiam levar à prisão dos criminosos. Francisco José Alcaraz, presidente da entidade, anunciou que as mobilizações “não terão precedentes na História da Espanha”. Logo, portanto, ficará claro ante os olhos de todos quem enganou quem no plebiscito de 2004 (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/040325jt.htm).

Engenharia da delinqüência

Olavo de Carvalho


O Globo, 29 de novembro de 2003

Os movimentos que vivem da incitação à revolta popular sempre usaram das crianças e adolescentes como instrumentos para a dissolução dos costumes, a quebra dos elos de lealdade e confiança, a disseminação do caos e, no fim, a perseguição e assassinato dos indesejáveis.

Desde as “cruzadas das crianças” na Idade Média até a Juventude Hitlerista, a “Revolução Cultural” de Mao Tsé-tung e as rebeliões estudantis dos anos 60, o testemunho da história é constante e uniforme. A diferença principal que, nesse ponto, se observa entre as épocas, é que desde o início do século XX a exploração da rebeldia infanto-juvenil veio deixando de ser um improviso casual para tornar-se uma técnica racional, uma engenharia da “transformação social”, hoje consolidada em atividade profissional subsidiada por grupos políticos e por grandes organismos internacionais.

O empreendimento abrange desde a dissolução dos sentimentos morais e sua substituição pelo Ersatz publicitário mais oportuno até a organização dos grupos juvenis para a ação direta, passando por vários estágios intermediários como a doutrinação nas escolas, a incitação sutil ou ostensiva ao vício e à delinqüência, o cultivo sistemático do ódio a bodes expiatórios, a transfiguração da ignorância juvenil numa fonte mágica de autoridade moral e, last not least, as modificações legais e institucionais necessárias para bloquear qualquer reação possível.

Nas almas dos jovens submetidos a essa coordenação de influências, os efeitos variam: o simples desprezo à família e à moral, a exigência arrogante de espaço irrestrito para o atendimento dos próprios caprichos, a queda na devassidão e no vício, a participação na violência política organizada ou o ingresso na delinqüência explícita são apenas diferentes formas de expressão adotadas por distintas individualidades de acordo com suas inclinações pessoais e as circunstâncias fortuitas. Todas essas modalidades, com seu impacto convergente, são no entanto igualmente necessárias à “transformação social” desejada. Por isso é que os líderes e incitadores políticos da rebelião são também, inseparavelmente, apóstolos do imoralismo, advogados da liberação das drogas e, sobretudo, protetores da delinqüência, empenhados em criar toda sorte de obstáculos legais e culturais à repressão da criminalidade. A pluralidade dos meios reflete a unidade dos fins.

É inevitável que o sistema de educação pública, uma vez sob o domínio dessa gente, se torne instrumento prioritário de destruição da sociedade e passe a atuar em perfeita sintonia com os demais fatores geradores do caos. Quando esses grupos combatem qualquer proposta repressiva e em troca oferecem a “educação” como remédio supremo para a delinqüência, eles omitem o fato amplamente comprovado de que, por toda parte, a ampliação do sistema educacional não diminuiu em nada a criminalidade entre os jovens, mas antes a inflou até os limites do insuportável, fazendo das escolas mesmas os focos preferenciais da violência, do tráfico de drogas, etc. Nos EUA, a culpa das escolas na expansão da criminalidade se tornou tão evidente, que suscitou a eclosão do movimento de homeschooling, por iniciativa de pais que se recusavam a submeter seus filhos ao adestramento estatal para o ódio político, o imoralismo prepotente e a maldade. Ano após ano, testes e pesquisas confirmam que as crianças educadas em casa aprendem mais e têm melhor padrão de conduta do que suas coetâneas entregues aos cuidados dos “agentes de transformação social”. Os apóstolos da “cura pela educação” não querem as crianças mais longe do crime, apenas mais ao alcance de um planejamento estratégico perverso e incalculavelmente malicioso, para o qual tanto faz transformá-las em delinqüentes avulsos ou em disciplinados militantes. Entre a delinqüência e a militância há aliás vários graus de transição e mescla, entre os quais o mais notável é o emprego de meninos de escola como veículos para campanhas de difamação e intimidação nas quais seus guias e mentores não desejem sujar pessoalmente seus veneráveis dedos. Nas tropas de acusadores mirins que se sentem escoradas em pretextos de alta moralidade para o extravasamento vaidoso de ódios postiços realiza-se, então, a síntese perfeita dos dois itens da máxima de Lênin: “Fomentar a corrupção e denunciá-la.”

Quando o efeito conjugado de tantos ataques à sociedade se avoluma até criar um estado de comoção geral consciente, os condutores do processo, prevalecendo-se do fato de que são também os dominadores monopolísticos dos canais de informação e debate, lançam a culpa de tudo na própria “sociedade injusta” e oferecem, para os males que eles mesmos criaram, a panacéia de transformações sociais ainda mais profundas, reivindicando o indispensável acréscimo de poder sem o qual — lamentam informar — não será possível realizá-las. A máquina da destruição alimenta-se de seus próprios dejetos, crescendo até o ponto em que, vitoriosa a nova ordem, a criminalidade avulsa já não seja necessária e a violência infanto-juvenil possa ser absorvida na máquina estatal revolucionária sob a forma de uma “Guarda Vermelha” ou de uma “Organização da Juventude Cubana”.

Por isso, quando parentes de vítimas da criminalidade infanto-juvenil solicitam a atenção de um político, na esperança de que intervenha contra um estado de coisas intolerável, é da maior prudência perguntar antes se o referido não deve sua carreira, precisamente, ao fomento desse estado de coisas. O direito de voto aos 16 anos e a concomitante inimputabilidade penal, por exemplo, não são peças avulsas, que se possam separar à vontade: são engrenagens solidárias de uma complexa e trabalhosa engenharia do caos. Quem se empenhou em construir essa obra magna não há de querer desmontá-la só porque a isso o convocam, entre lágrimas, umas quantas famílias sofredoras politicamente irrelevantes. Quanto às vítimas inocentes, ele pode dizer em favor delas as duas ou três palavrinhas de praxe, diante das câmeras, mas no fundo seu coração repousa tranqüilo, confiante na máxima de Bertolt Brecht, súmula da moral revolucionária: “Quanto mais inocentes eram, tanto mais mereciam morrer.”

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Não deixem de ler “Cadernos da Liberdade” de Sérgio Augusto de Avelar Coutinho. Está fora das livrarias, mas pode ser encomendado pelo e-mail ginconfi@vento.com.br.

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