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Falta de respeito

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 10 de dezembro de 2010

Por que devemos consentir em continuar chamando de “Sua Excelência, o Senhor Ministro da Educação” um semi-analfabeto que não sabe sequer soletrar a palavra “cabeçalho”? Por que devemos continuar adornando com o título de “Sua Excelência, o Senhor Ministro da Defesa” um civil bocó que se fantasia de general sem nem saber que com isso comete ilegalidade? Por que devemos honrar sob a denominação de “Sua Excelência, o Senhor Ministro da Cultura” um pateta sem cultura nenhuma? Por que devemos curvar-nos ante a magnificência presidencial de um pervertido que se gaba de ter tentado estuprar um companheiro de cela e diz sentir nostalgia do tempo em que os meninos do Nordeste tinham – se é que tinham – relações sexuais com cabritas e jumentas?

Essas criaturas, é certo, têm o direito legal a formas de tratamento que as elevam acima do comum dos mortais, mas até quando nossos nervos suportarão o exercício supremamente antinatural e doentio de fingir respeito a pessoas que não merecem respeito nenhum, que só emporcalham com suas presenças grotescas os cargos que ocupam? Respeito, afinal de contas, é noção hierárquica: sem o senso da distinção entre o melhor e o pior, o alto e o baixo, o excelso e o vulgar, não há respeito possível. Nietzsche já observava: Quem não sabe desprezar não sabe respeitar. Se um sujeito que só merece desprezo aparece envergando um uniforme, ostentando um título, exibindo um crachá que o diz merecedor de respeito, estamos obviamente sofrendo uma agressão psicológica, um ataque de estimulação contraditória, ou dissonância cognitiva, que esfrangalha o cérebro mais vigoroso e reduz ao estado de cãezinhos de Pavlov as mentes mais lúcidas e equilibradas. Um povo submetido a esse regime perde todo senso de gradação valorativa, todo discernimento moral. Prolongado o tratamento para além de um certo ponto, a sociedade entra num estado de desmoralização completa, de apatia, de indiferentismo, onde só os mais cínicos e desavergonhados podem sobreviver e prosperar.

Mas não é só nas pessoas que o encarnam que o presente governo é uma usina de estimulações desmoralizantes. Impondo a sodomia como o mais sacrossanto e incriticável dos atos, as invasões de terras como modalidade superior de justiça fundiária, o abortismo como dever de caridade cristã, a distribuição de pornografia às crianças como alta obrigação pedagógica, Suas Excrescências estão fazendo o que podem para sufocar, na alma do povo brasileiro, toda capacidade de distinguir entre o bem e o mal e até a vontade de perceber essa distinção.

Nunca, na história de país nenhum, se viu uma degradação moral tão rápida, tão geral e avassaladora. Os crimes mais hediondos, as traições mais flagrantes, os escândalos mais intoleráveis são aceitos por toda parte não só com indiferença, mas com um risinho de cumplicidade cínica que, nesse ambiente, vale como prova de realismo e maturidade.

Em cima de tudo, posam as personalidades mais feias e disformes, ante as quais mesmo homens sem interesses obscuros em jogo se sentem obrigados a debulhar-se em louvores e rapapés.

Num panorama tão abjeto, destacam-se quase como um ato de heroísmo as manifestações de desrespeito ostensivo com que os estudantes da Universidade de Brasília saudaram, na inauguração do “beijódromo”, o presidente da República, seu ministro da Incultura e o reitor José Geraldo Souza Júnior.

Que é um “beijódromo”, afinal? Idéia suína concebida na década de 60 por Darci Ribeiro, um dos intelectuais mais festeiros e irresponsáveis que já nasceram neste país, então deslumbrado com a doutrina marcusiana da gandaia geral como arma da revolução comunista, o “beijódromo” é um estímulo à transformação da universidade em espaço lúdico-erótico onde um governo de vigaristas possa obter ganhos publicitários explorando calhordamente os instintos lúbricos da população estudantil, assim desviada dos deveres mais óbvios que tem para consigo mesma e para com o país. Meu caro amigo Reinaldo Azevedo assim resumiu o caso: “Um estado totalitário reprime o tesão. Um estado demagogo o estatiza.” Peço vênia para discordar. Excetuados os países islâmicos, só alguns regimes autoritários, de natureza transitória, ousaram impor a repressão sexual. A exploração estatal do erotismo é característica inconfundível dos regimes totalitários e revolucionários. Quem tenha dúvida fará bem em percorrer as 650 páginas do estudo magistral de E. Michael Jones, Libido Dominandi: Sexual Liberation and Political Control (St. Augustine’s Press, 2000). O “beijódromo” é a cristalização mais patente de um totalitarismo em gestação.

Os gritos e insultos com que Lula foi recebido por estudantes que querem algo mais que pão, circo e orgasmo, refletem um fundo de sanidade que ainda resta na alma popular: nem todos os cérebros, neste país, estão perfeitamente adestrados na arte de bajular o que não presta.

Esse protesto impremeditado, espontâneo, sem cor ideológica definida, traz a todos os brasileiros a mais urgente das mensagens: no estado de degradação pomposa a que chegamos, só uma vigorosa falta de respeito pode nos salvar.

Lógica do abortismo

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 14 de outubro de 2010

O aborto só é uma questão moral porque ninguém conseguiu jamais provar, com certeza absoluta, que um feto é mera extensão do corpo da mãe ou um ser humano de pleno direito. A existência mesma da discussão interminável mostra que os argumentos de parte a parte soam inconvincentes a quem os ouve, se não também a quem os emite. Existe aí portanto uma dúvida legítima, que nenhuma resposta tem podido aplacar. Transposta ao plano das decisões práticas, essa dúvida transforma-se na escolha entre proibir ou autorizar um ato que tem cinqüenta por cento de chances de ser uma inocente operação cirúrgica como qualquer outra, ou de ser, em vez disso, um homicídio premeditado. Nessas condições, a única opção moralmente justificada é, com toda a evidência, abster-se de praticá-lo. À luz da razão, nenhum ser humano pode arrogar-se o direito de cometer livremente um ato que ele próprio não sabe dizer, com segurança, se é ou não um homicídio. Mais ainda: entre a prudência que evita correr o risco desse homicídio e a afoiteza que se apressa em cometê-lo em nome de tais ou quais benefícios sociais hipotéticos, o ônus da prova cabe, decerto, aos defensores da segunda alternativa. Jamais tendo havido um abortista capaz de provar com razões cabais a inumanidade dos fetos, seus adversários têm todo o direito, e até o dever indeclinável, de exigir que ele se abstenha de praticar uma ação cuja inocência é matéria de incerteza até para ele próprio.

Se esse argumento é evidente por si mesmo, é também manifesto que a quase totalidade dos abortistas opinantes hoje em dia não logra perceber o seu alcance, pela simples razão de que a opção pelo aborto supõe a incapacidade – ou, em certos casos, a má vontade criminosa – de apreender a noção de “espécie”. Espécie é um conjunto de traços comuns, inatos e inseparáveis, cuja presença enquadra um indivíduo, de uma vez para sempre, numa natureza que ele compartilha com outros tantos indivíduos. Pertencem à mesma espécie, eternamente, até mesmo os seus membros ainda não nascidos, inclusive os não gerados, que quando gerados e nascidos vierem a portar os mesmos traços comuns. Não é difícil compreender que os gatos do século XXIII, quando nascerem, serão gatos e não tomates.

A opção pelo abortismo exige, como condição prévia, a incapacidade ou recusa de apreender essa noção. Para o abortista, a condição de “ser humano” não é uma qualidade inata definidora dos membros da espécie, mas uma convenção que os já nascidos podem, a seu talante, aplicar ou deixar de aplicar aos que ainda não nasceram. Quem decide se o feto em gestação pertence ou não à humanidade é um consenso social, não a natureza das coisas.

O grau de confusão mental necessário para acreditar nessa idéia não é pequeno. Tanto que raramente os abortistas alegam de maneira clara e explícita essa premissa fundante dos seus argumentos. Em geral mantêm-na oculta, entre névoas (até para si próprios), porque pressentem que enunciá-la em voz alta seria desmascará-la, no ato, como presunção antropológica sem qualquer fundamento possível e, aliás, de aplicação catastrófica: se a condição de ser humano é uma convenção social, nada impede que uma convenção posterior a revogue, negando a humanidade de retardados mentais, de aleijados, de homossexuais, de negros, de judeus, de ciganos ou de quem quer que, segundo os caprichos do momento, pareça inconveniente.

Com toda a clareza que se poderia exigir, a opção pelo abortismo repousa no apelo irracional à inexistente autoridade de conferir ou negar, a quem bem se entenda, o estatuto de ser humano, de bicho, de coisa ou de pedaço de coisa.

Não espanta que pessoas capazes de tamanho barbarismo mental sejam também imunes a outras imposições da consciência moral comum, como por exemplo o dever que um político tem de prestar contas dos compromissos assumidos por ele ou por seu partido. É com insensibilidade moral verdadeiramente sociopática que o sr. Lula da Silva e sua querida Dona Dilma, após terem subscrito o programa de um partido que ama e venera o aborto ao ponto de expulsar quem se oponha a essa idéia, saem ostentando inocência de qualquer cumplicidade com a proposta abortista.
Seria tolice esperar coerência moral de indivíduos que não respeitam nem mesmo o compromisso de reconhecer que as demais pessoas humanas pertencem à mesma espécie deles por natureza e não por uma generosa – e altamente revogável – concessão da sua parte.

Também não é de espantar que, na ânsia de impor sua vontade de poder, mintam como demônios. Vejam os números de mulheres supostamente vítimas anuais do aborto ilegal, que eles alegam para enaltecer as virtudes sociais imaginárias do aborto legalizado. Eram milhões, baixaram para milhares, depois viraram algumas centenas. Agora parece que fecharam negócio em 180, quando o próprio SUS já admitiu que não passam de oito ou nove. É claro: se você não apreende ou não respeita nem mesmo a distinção entre espécies, como não seria também indiferente à exatidão das quantidades? Uma deformidade mental traz a outra embutida.

Aristóteles aconselhava evitar o debate com adversários incapazes de reconhecer ou de obedecer as regras elementares da busca da verdade. Se algum abortista desejasse a verdade, teria de reconhecer que é incapaz de provar a inumanidade dos fetos e admitir que, no fundo, eles serem humanos ou não é coisa que não interfere, no mais mínimo que seja, na sua decisão de matá-los. Mas confessar isso seria exibir um crachá de sociopata. E sociopatas, por definição e fatalidade intrínseca, vivem de parecer que não o são.

A voz dos fatos

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 7 de outubro de 2010

Não é necessário analisar os resultados da eleição de domingo. Eles falam por si. O fato mais significativo, acima de qualquer possibilidade de dúvida, foi a votação espetacular do palhaço Tiririca. Ela é a moral da história de oito anos da Era Lula. Ostentando com franqueza sarcástica a sua condição de candidato inculto, burro, desprepreparado e inepto, Tiririca explicitou a regra implícita que elegeu o sr. Luís Inácio Lula da Silva em 2002 e lhe garantiu o aplauso de todo o beautiful people deste país.

Todos conhecem a previsão do general Olimpio Mourão Filho, publicada no seu livro de 1978, A Verdade de um Revolucionário: “Ponha-se na presidência qualquer medíocre, louco ou semi-analfabeto, e vinte e quatro horas depois a horda de aduladores estará à sua volta, brandindo o elogio como arma, convencendo-o de que é um gênio político e um grande homem, e de que tudo o que faz está certo. Em pouco tempo transforma-se um ignorante em um sábio, um louco em um gênio equilibrado, um primário em um estadista. E um homem nessa posição, empunhando as rédeas de um poder praticamente sem limites, embriagado pela bajulação, transforma-se num monstro perigoso.”

A Era Lula foi muito além da profecia. A adulação transpôs os limites do círculo palaciano, espalhou-se por todas as camadas sociais, implantando em milhões de almas uma nova escala de julgamento que invertia, num só lance, todos os valores. Pois não chegaram a enxergar uma virtude mística no fato de que o homem, subindo na escala social como nenhum outro brasileiro, aprendesse a vestir ternos Armani, a aparar a barba e a polir as unhas, mas continuasse tão iletrado – e orgulhoso de sê-lo – quanto no começo da carreira? Ao longo do governo Lula, o império do mau exemplo se impôs mediante atos, sem que ninguém ousasse verbalizar o seu significado, no entanto evidente aos olhos de todos. Tiririca simplesmente traduziu em palavras a máxima que meio Brasil já vinha seguindo sem declará-la: o maior dos méritos é subir na vida sem mérito.

Os 1.350.000 eleitores que transformaram a abestada criatura no deputado mais votado do Brasil fizeram muito mais do que enviar um eloqüente recibo a Lula e seus cultores: “Captamos a mensagem, sr. Presidente”. Mostraram, da maneira mais clara, que uma expressiva parcela do eleitorado já desistiu de levar a sério uma palhaçada eleitoral onde a maioria conservadora – algo entre 70 e 80 por cento – não tem canais partidários por onde se fazer ouvir. Essa situação grotesca e degradante é precisamente aquilo que o sr. Presidente da República chama de “novo paradigma” e, inflado de triunfo, qualifica de irreversível, provavelmente com razão. Rateado o espaço eleitoral entre a esquerda da esquerda e a direita da esquerda, os remanescentes da antiga direita encaixam-se aí como podem: os sicofantas explícitos, na primeira, os camuflados na segunda. Não resta ninguém para pregar o desmantelamento da máquina de corrupção e subversão petista, nem para prometer um castigo exemplar aos protetores das Farc e do PCC nas altas esferas, nem para dar voz à repulsa do povo pelas políticas abortistas, nem mesmo para explicar, com a simplicidade da lógica elementar, que uma inclinação sexual mutável não pode ser fonte de direitos permanentes.

Já na Era FHC não havia direita. Havia esquerda e “centro”. Associada a palavra “direita” a toda sorte de crimes e abusos – objetivamente, no entanto, muito menores que os da esquerda –, todo direitista buscou prudente abrigo num inócuo meio-termo, sem saber que com isso se condenava à “espiral do silêncio” e à derrota inevitável. O passo seguinte foi rotular ao menos parte do “centro” como “extrema direita”, de modo que os centristas trocassem novamente de crachá. Quando o sr. Luís Inácio festejou como apoteose da democracia a ausência de candidatos presidenciais de direita nas presentes eleições, a obra da “espiral do silêncio” estava completa. Era a vitória final do “novo paradigma”: vote em quem quiser, contanto que seja de esquerda. É uma daquelas situações que o velho Karl Kraus diria impossíveis de satirizar, por já serem satíricas em si mesmas. Quem pode encarná-la melhor do que um palhaço profissional que alardeia como suprema razão para votarem nele a sua completa falta de qualificações para o cargo?

Outros dois fatos devem ser interpretados na mesma direção.

A vitória do sr. Tarso Genro no Rio Grande do Sul mostra que os liberais gaúchos nunca entenderam o óbvio: que sua vitória de 2006 não se deveu às suas lindas doutrinas e doces propostas, mas à hostilidade do povo gaúcho ao partido que durante doze anos transformara o Estado na sede nacional da subversão comunista. Uma vez no poder, tinham a obrigação precípua de destruir o esquema comunopetista, com o qual, em vez disso, preferiram cultivar uma política servil de boa vizinhança. Perderam para o velho inimigo porque não ousaram ser direitistas. Num campeonato de esquerdismo, vence, por definição, o mais esquerdista.

Quanto à votação modesta do sr. José Serra, ela já era esperada. Ele só poderia ampliá-la se, em vez das meras e evanescentes alusões que fez à aliança PT-Farc, apresentasse um programa de ação claro, definido, para o desmantelamento do Foro de São Paulo e de todas as articulações criminosas que o compõem. Parece até abusivo ter de lembrar isto a um político profissional, mas falemos o português claro: Candidatos presidenciais não fazem “críticas”, candidatos presidenciais não “denunciam”. Criticar e denunciar, no fim das contas, é somente falar. Isso é para os habitantes do Parlamento, que é um foro de debates, ou para os articulistas de mídia, que não têm poder de mando. Candidatos presidenciais, em vez disso, apresentam propostas de ação. Uma proposta de ação que quebre a espinha da narco-subversão e devolva a paz a um povo atemorizado pela violência – eis o que o eleitorado brasileiro espera. O sr. Serra, em vez de atender ao grito sufocado de uma nação prisioneira, limitou-se à função de crítico, e de crítico inibido pela timidez de ferir seus antigos companheiros de militância, dos quais, por alguma razão, se sente devedor e refém. A crítica, em si, tem seus méritos, e creio tê-los reconhecido sem meias palavras. Mas de um candidato presidencial espera-se muito mais. O sr. Serra que mostre a disposição de fazê-lo, e atrairá para si muito mais votos do que poderá obter mediante arranjos e alianças, nos quais o eleitorado só verá uma confirmação a mais de que votar em Tiririca foi a decisão mais razoável, dadas as circunstâncias.

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