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Nossos governantes

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 28 de agosto de 2008

Desafio o governo Lula e seus sessenta intelectuaizinhos de estimação, os partidos de esquerda, o dr. Baltasar Garzón e todos os camelôs de direitos humanos a provar que qualquer das afirmações seguintes não corresponde aos fatos:

1. Todos os militantes de esquerda mortos pela repressão à guerrilha eram pessoas envolvidas de algum modo na luta armada. Entre as vítimas do terrorismo, ao contrário, houve civis inocentes, que nada tinham a ver com a encrenca.

2. Mesmo depois de subir na vida e tomar o governo, tornando-se poderosos e não raro milionários, os terroristas jamais esboçaram um pedido de perdão aos familiares dessas vítimas, muito menos tentaram lhes dar alguma compensação moral ou material. Nada, absolutamente nada, sugere que algum dia tenham sequer pensado nessas pessoas como seres humanos; no máximo, como detalhes irrisórios da grande epopéia revolucionária. Em contrapartida, querem que a opinião pública se comova até às lágrimas com o mal sobrevindo a eles próprios em retaliação pelos seus crimes, como se a violência sofrida em resposta à violência fosse coisa mais absurda e chocante do que a morte vinda do nada, sem motivo nem razão.

3. Bradam diariamente contra o crime de tortura, como se não soubessem que aprisionar à força um não-combatente e mantê-lo em cárcere privado sob constante ameaça de morte é um ato de tortura, ainda mais grave, pelo terror inesperado com que surpreende a vítima, do que cobrir de pancadas um combatente preso que ao menos sabe por que está apanhando. Contrariando a lógica, o senso comum, os Dez Mandamentos e toda a jurisprudência universal, acham que explodir pessoas a esmo é menos criminoso do que maltratar quem as explodiu.

4. Mesmo sabendo que mataram dezenas de inocentes, jamais se arrependeram de seus crimes. O máximo de nobreza que alcançam é admitir que a época não está propícia para cometê-los de novo – e esperam que esta confissão de oportunismo tático seja aceita como prova de seus sentimentos pacíficos e humanitários.

5. Consideram-se heróis, mas nunca explicaram o que pode haver de especialmente heróico em ocultar uma bomba-relógio sob um banco de aeroporto, em aterrorizar funcionárias de banco esfregando-lhes uma metralhadora na cara, em armar tocaia para matar um homem desarmado diante da mulher e do filho ou em esmigalhar a coronhadas a cabeça de um prisioneiro amarrado – sendo estes somente alguns dos seus feitos presumidamente gloriosos.

6. Dizem que lutavam pela democracia, mas nunca explicaram como poderiam criá-la com a ajuda da ditadura mais sangrenta do continente, nem por que essa ditadura estaria tão ansiosa em dar aos habitantes de uma terra estrangeira a liberdade que ela negava tão completamente aos cidadãos do seu próprio país.

7. Sabem perfeitamente que, para cada um dos seus que morria nas mãos da polícia brasileira, pelo menos trezentos eram mortos no mesmo instante pela ditadura que armava e financiava a sua maldita guerrilha. Mas nunca mostraram uma só gota de sentimento de culpa ante o preço que sua pretensa luta pela liberdade custou aos prisioneiros políticos cubanos.

Desses sete fatos decorrem algumas conclusões incontornáveis. Esses homens têm uma idéia errada, tanto dos seus próprios méritos quanto da insignificância alheia. Acham que surrar assassinos é crime hediondo, mas matar transeuntes é inócuo acidente de percurso (e recusam-se, é claro, a aplicar o mesmo atenuante às mortes de civis em tempo de guerra, se as bombas são americanas). São hipersensíveis às suas próprias dores, mesmo quando desejaram o risco de sofrê-las, e indiferentes à dor de quem jamais a procurou nem mereceu. Procedem, em suma, como se tivessem o monopólio não só da dignidade humana, mas do direito à compaixão. Qualquer tratado de psiquiatria forense lhes mostrará que esse modo de sentir é característico de criminosos sociopatas, ególatras e sem consciência moral. Não tenham ilusões. É esse tipo de gente que governa o Brasil de hoje.

Revanchismo coisa nenhuma

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 21 de agosto de 2008

Na mesma semana em que pela primeira vez a classe militar esboça uma reação coletiva à perseguição de seus membros acusados de tortura, o juiz Baltasar Garzón desembarca no Brasil anunciando que vai puni-los se o governo local não o fizer, e dois porta-vozes da ONU aparecem nos jornais pontificando que “está mais do que na hora de o Brasil enfrentar esse assunto da anistia”. Está mais do que na hora, digo eu, é de os nossos militares entenderem que as tentativas de rever a Lei de Anistia não são mero “revanchismo” e sim uma vasta operação internacional, montada com todos os requintes do planejamento racional, da execução cuidadosa e do timing preciso, para quebrar a espinha das Forças Armadas latino-americanas e obrigá-las a escolher entre colocar-se a serviço da estratégia esquerdista continental ou perecer de morte desonrosa. A astúcia com que o governo brasileiro pulou fora de um confronto direto com os oficiais reunidos no Clube Militar, deixando a parte suja do serviço para seus aliados estrangeiros que com sincronismo admirável se ofereciam para a tarefa, é mais do que suficiente para ilustrar o que digo.

O tratamento dado a essas notícias pela mídia nacional também não é mera coincidência e sim um componente vital da trama. Um despacho da Agência Estado, reproduzido por toda parte, apresenta os dois homens da ONU como “peritos”. O termo visa a dar ares de isenção científica ao que dizem contra a Lei de Anistia, mas para que esse engodo funcione é preciso sonegar ao leitor, como de fato os jornais sonegaram, qualquer informação substantiva sobre o curriculum vitae dos entrevistados. O primeiro, Miguel Alfonso Martinez, foi nomeado para a Comissão de Direitos Humanos da ONU por Fidel Castro em pessoa, o que significa que está lá para encobrir os crimes da ditadura cubana sob uma cortina de acusações a governos bem mais inofensivos. O segundo, Jean Ziegler, suíço, entrou na mesma comissão em abril deste ano, sob os protestos de mais de vinte países, que não gostaram de ver nesse cargo um notório amigo e protetor de ditadores truculentos como Robert Mugabe, do Zimbábue, Muamar Khadafi, da Líbia, Mengistu Haile Mariam, da Etiópia, e o próprio Fidel Castro. Ziegler criou mesmo o “Prêmio Muamar Khadafi de Direitos Humanos”, que soa mais ou menos como “Prêmio Mensalão de Ética e Transparência”. Se o leitor soubesse dessas coisas, entenderia que os dois patetas falam apenas na condição de paus-mandados do comunismo internacional, e que ao apresentá-los como “peritos”, sem mais, a mídia nacional desempenha papel exatamente igual ao deles.

Mesmo o sr. Baltasar Garzón, por trás de sua fachada de campeão dos direitos humanos, permanece um desconhecido para a multidão dos brasileiros. Em 2001 ele recebeu um vasto dossiê contra Fidel Castro, mas respondeu que nada faria a respeito porque seu tribunal não tem jurisdição sobre governantes em exercício. O critério jurídico aí subentendido já é por si uma monstruosidade abjeta, pois significa que, para escapar ao senso justiceiro do sr. Garzón, tudo o que um ditador tem de fazer é permanecer no governo até à morte, em vez de devolver o poder ao povo como o fez o general Pinochet. O caso torna-se ainda mais escandaloso porque Fidel Castro agradeceu publicamente ao juiz a gentileza da sua reação e porque anos depois, quando Castro apeou do poder, Garzón não deu o menor sinal de perceber que ele tinha ipso facto caído sob a sua jurisdição.

Da minha parte, não tenho a menor dúvida de que essas pomposas iniciativas contra violadores de direitos humanos, sempre unilaterais e escancaradamente alheias ao senso das proporções, que é a essência mesma da justiça, têm no fundo um único objetivo: acostumar a população mundial à idéia de que assassinatos em massa são um direito inalienável e até um dever moral dos ditadores de esquerda, ao passo que qualquer violência incomparavelmente menor praticada contra comunistas é um crime hediondo cujo autor deve ser exposto à execração universal.

O mercado e um lembrete

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 14 de agosto de 2008

Os comunistas acreditavam que a propriedade privada era a realidade fundamental por trás da religião, e que abolindo esse fundamento poderiam suprimir do horizonte humano a perspectiva da transcendência, impondo à sociedade, segundo a expressão de Antonio Gramsci, uma cosmovisão “radicalmente terrestrializada”. Em vários países o capitalismo alcançou praticamente o mesmo resultado sem destruir a propriedade privada nem fazer dano algum aos muito ricos, na verdade tornando-os prodigiosamente mais ricos.

Se algo esse duplo e concorrente fenômeno demonstra, é que a expectativa comunista se baseava num non sequitur: definitivamente, a cultura espiritual não é um revestimento ideológico da propriedade privada – ela é uma estrutura independente, que pode sobreviver muito bem à estatização da economia ou definhar em pleno regime de livre empresa.

Mas também é evidente que, entre os adeptos da economia de mercado, só os fanáticos anti-religiosos e cultores devotos do dinheiro, tão incapazes quanto os comunistas de admitir quaisquer valores acima dos econômicos, festejariam como uma grande vitória das democracias ocidentais o fato de elas terem conseguido realizar os ideais do inimigo em vez dos seus próprios. Se essa realização desmascara de vez a falaciosa hierarquia marxista da “infra-estrutura” e “superestrutura”, ela derruba também a ilusão de que a liberdade de mercado tem o poder mágico de gerar as demais liberdades. O mercado não é uma alternativa entre outras: é um elemento constitutivo do processo econômico em geral. Em dose maior ou menor, ele está presente onde quer que haja produção e consumo acima da mera subsistência imediata. Nem mesmo o comunismo pode suprimi-lo por completo. Ora, um fator que está presente numa diversidade de situações não pode, por si, ser a causa geradora de nenhuma delas em particular. O mercado não produz nem a liberdade nem a tirania, ele simplesmente se adapta a uma e à outra com a resiliência de um instinto natural que jamais pode ser eliminado nem totalmente satisfeito.

De quebra, o sucesso de uma cultura anti-espiritual e até marxista nas sociedades capitalistas avançadas põe à mostra a fraqueza congênita da democracia capitalista, que é a a compulsão de gerar tanto mais ódio a si própria quanto mais generosamente cumpre sua promessa de dar a todos uma vida melhor.

Deixo o resto dessa explicação para mais tarde. No momento prefiro colocar aqui um lembrete sobre assunto um tanto diverso.

***

Se o Foro de São Paulo se autodefine como coordenação estratégica da revolução continental, e se entidades como as Farc e o Mir estão submetidas a essa coordenação, nada no mundo, exceto a mendacidade cínica ou a rejeição psicótica da realidade, pode abolir o fato de que o criador e presidente do Foro é, por definição, o chefe da subversão, do narcotráfico e da indústria dos seqüestros na América Latina. Nenhuma prova de colaboração direta e material com essas atividades criminosas é necessária para demonstrar a responsabilidade penal daquele sob cuja liderança moral e política elas foram praticadas, assim como nenhuma prova de envolvimento material do ex-presidente Collor de Melo nas ações ilícitas do sr. P. C. Farias foi jamais exibida – ou mesmo cobrada – para que ele fosse considerado responsável por elas. Quanto ao proveito obtido nos dois casos, a Justiça admitiu não haver nenhum indício válido de que Collor tivesse embolsado pessoalmente um só centavo de fonte ilícita ou mesmo tirado algum lucro político da corrupção, ao passo que o próprio sr. Lula já confessou dever o sucesso da sua carreira à colaboração organizada das entidades congregadas no Foro, sem excluir dessa lista de credores as Farc e o Mir, cujos agentes no território nacional mais de uma vez foram alvos de eloqüentes gestos de gratidão petista. Nada poderia ser mais claro, mas, se a nossa mídia levou dezoito anos para admitir os fatos, talvez precise de outros dezoito para entender que eles significam alguma coisa.

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