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Benefícios da surdez

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 03 de abril de 2008

Se há um brasileiro insuspeito de simpatias para com qualquer político, sou eu. Já escrevi o diabo contra todos eles, sempre da maneira mais descortês que me ocorresse no momento. Se falhei e dei a impressão de crítica construtiva – de reprimenda fraterna, como diz a Igreja – juro que não foi essa a minha intenção. Jamais quis corrigir nenhum deles: o que eu queria mesmo era mandá-los todos de volta para suas atividades particulares, se alguma tivessem.

Mas uma coisa tenho de reconhecer: o senador Gerson Camata (PMDB-ES), que pediu uma CPI sobre a ligação entre o Foro de São Paulo, as Farc e aquelas entidades comedoras de dinheiro conhecidas pelo nome pomposo de “movimentos sociais”, é digno do meu maior respeito e consideração. Foi o primeiro político brasileiro a cumprir um dever que era de todos, e do qual todos fugiram ao longo de duas décadas e meia, uns por preguiça e covardia, outros porque lucravam com a omissão.

Não creio, porém, que a iniciativa do senador prospere – principalmente agora, quando a volta da guerrilha, subitamente revelada por uma reportagem da IstoÉ, arrisca tornar patente a imensidão de um concurso de crimes que a todo o establishment esquerdista interessa ocultar.

Nunca ouvi uma mentira mais sonsa, mais ridícula, mais desprezível, do que aquela história de o dossiê anti-tucano ter sido obra de um tucano infiltrado no PT. Mas não vou me meter nesse assunto, pois já não posso, sem ser acusado de “compadrio”, defender nenhum jornalista acossado pela máquina petista de cortar cabeças. Eles, os mocinhos da fita, os bondosos, os humanitários, os gostosões, podem repartir entre seus amigos os cargos mais altos na profissão, as verbas mais polpudas nas universidades e instituições oficiais de cultura, os postos mais saborosos do alto funcionalismo público, como se a mídia, o Estado e o país inteiro fossem seu feudo comunitário.

Mas eu, se insinuo mesmo levemente que o outro lado tem seus direitos, que não há mal nenhum em que a minoria das minorias dê sua opinião com alguma liberdade, torno-me instantaneamente um corporativista maquiavélico.

Por isso, mesmo sabendo que tudo o que Reinaldo Azevedo tem escrito na Veja é verdade e que o ódio que tantos despejam sobre ele é prova de que têm muito a esconder, nada direi em favor dele. Nem direi que sua última crônica naquela revista, malgrado uma referência simpática a Voltaire que eu jamais subscreveria, é leitura indispensável a todos os brasileiros pensantes, membros de uma raça em extinção. Não direi, pensando bem, coisa nenhuma.

Se dezoito brutamontes cercarem o Reinaldo na rua para esmigalhar sua ossatura a pauladas, ficarei bem quietinho, para que ninguém saia espalhando que sou um mafioso empenhado em defender interesses sórdidos da camarilha direitista que, segundo o senhor presidente da República, governa este país há quinhentos anos.

***

Por idênticas razões, não anunciarei nesta coluna o livro do coronel Lício Maciel, Guerrilha do Araguaia. Fingirei ignorar que o lançamento será dia 8 de abril, às 17 horas, no Clube Militar do Rio de Janeiro, Avenida Rio Branco, 251, sobreloja. Muito menos hei de sugerir que alguém seja malvado o bastante para chegar a ler esse depoimento, perfeitamente desnecessário uma vez que o autor já foi julgado e condenado pela mídia esquerdista, mais infalível do que a Santa Inquisição.

Pouco a pouco, sutilmente, imperceptivelmente, nossos compatriotas vão se acostumando à idéia de que “ouvir o outro lado” é extremismo de direita. Eu mesmo já começo a meditar os benefícios da surdez, só comparáveis aos de um subserviente mutismo.

Direto da sarjeta

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 27 de março de 2008

Ao longo de mais de 20 anos a esquerda monopolizou tão eficazmente o espaço político brasileiro que, para não dar na vista, teve de nomear para o papel de direita ad hoc uma de suas próprias subdivisões internas, o PSDB, no instante mesmo em que Fernando Henrique Cardoso e Cristovam Buarque, então os mais destacados mentores intelectuais desse partido e do PT respectivamente, reconheciam não haver entre as duas agremiações nenhuma diferença ideológica ou estratégica substantiva, apenas disputa de cargos.

Se na eleição de 2006 o sr. Geraldo Alkmin colaborou com a farsa, prestando-se ao papel de concorrente inofensivo e recusando-se a incomodar o adversário com perguntas sobre suas ligações com gangues de narcotraficantes e seqüestradores, na de 2002 não houve nem isso, apenas um torneio de saudosismo esquerdista, em família, entre quatro patetas que não podiam falar nas guerrilhas dos anos 60 sem lágrimas nos olhos.

No domínio da cultura, então, a hegemonia esquerdista chegou a excluir totalmente, dos currículos universitários, das estantes de livrarias e dos suplementos culturais, qualquer menção a autores que não portassem o nihil obstat dos comitês centrais. Duas gerações de estudantes brasileiros foram submetidos a um regime de privação intelectual quase carcerária, baixando o padrão geral de exigência até àquele nível de miséria extrema em que tipos como Emir Sader e Quartim de Moraes podiam ser impostos como modelos supremos de intelectuais sérios sem que ninguém enxergasse nisso nada de doente.

Essa situação, que se prolongou por tempo suficiente para que o público se tornasse insensível à sua anormalidade, não teria como deixar de refletir-se no jornalismo. Por volta de 1995 já não havia nas redações um só direitista assumido, conservador. No máximo um ou dois “liberais” que recusavam com horror a classificação de “direitistas”.

Nesse ambiente, minha presença era tão singular e extravagante, que alguns leitores chegavam a negar minha existência, tomando-me pelo banqueiro Olavo Monteiro de Carvalho ou por pseudônimo de um milionário carioca, de vez que, na fantasia reinante, ninguém desprovido de um banco próprio ou de uma conta na Suíça poderia ser tão hostil aos belos ideais do socialismo.

Nos últimos anos, a situação mudou um pouquinho. Um pouquinho, quase um nada. Umas quantas opiniões que antes eram só minhas passaram a ser defendidas também por Diogo Mainardi, Reinaldo Azevedo e aproximadamente uma dúzia de blogs e jornais eletrônicos.

O aparecimento dessa leve irregularidade numa superfície que se desejaria uniformemente lisa e sem mácula foi o bastante para que um estado de alarma e de indignação heróica se espraiasse entre os defensores do pluralismo e da tolerância democrática.

Um desses baluartes da liberdade de opinião, o sr. Fernando Barros e Silva, escrevendo na Folha de S. Paulo, assegura que nós, os intrusos, somos despudoradamente interbajuladores, defensores de nossos privilégios, praticantes do compadrio, boçais, cínicos, exibidores de falsa cultura, desprezadores do Brasil, preconceituosos, racistas, antinordestinos e misóginos. Tudo isso num artigo que não chega a vinte linhas, no remate das quais ele ainda encontra espaço para acrescentar que o nosso método – sim, o nosso, não o dele – consiste na truculência verbal, no lixo retórico e, last not least, na “cultura da sarjeta” (sic).

Lendo isso, sinto-me tão culpado, tão envergonhado da minha baixeza inominável, que nem encontro palavras para responder ao sr. Barros. Recorro, pois, às de um meu companheiro de “cultura da sarjeta”: Fernando Pessoa. Num poemeto delicadamente intitulado “Ora, porra!”, ele assim se referiu aos Barros e Silva da sua época e nação:

"Então a imprensa portuguesa é 
que é a imprensa portuguesa? 
Então é esta merda que temos
que beber com os olhos?
Filhos da puta! Não, que nem
há puta que os parisse".

No velho Oeste

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 20 de março de 2008

Vocês certamente já viram um desses filmes de faroeste em que o velho pistoleiro, tendo acertado uns quantos oponentes, já não pode ir a parte alguma sem que lhe apareçam dúzias de moleques querendo se exibir num duelo. Pois é: no domínio dos tiroteios jornalísticos, esse sujeito sou eu – com a diferença de que, graças à internet, os moleques se multiplicaram por milhares, cada um achando que aquilo que mais quero na vida é discutir com ele num blog que ninguém lê.

Decerto, não são todos esquerdistas. Há liberais ateus, darwinistas enragés, católicos pré-conciliares e pós-conciliares, evangélicos indignados, muçulmanos, tradicionalistas guenonianos, positivistas, ocultistas, etc. etc., cada um, naturalmente, classificando-me no grupo adversário que lhe pareça o mais repulsivo.

O que há de comum em todos esses desafiantes é que sempre falam em nome de um partido, de uma igreja, de uma opinião pronta, jamais de alguma idéia própria que tenha custado qualquer trabalho a seus cérebros individuais. Como, no entanto, não são capazes de rastrear as fontes de suas próprias opiniões – e nem têm a menor suspeita de que fazer isso é necessário –, acreditam piamente que são inteligências independentes discutindo com o porta-voz de uma crença ou ideologia pronta – aquela que mais detestam. Por outro lado, também não se lêem uns aos outros e por isto não percebem o quanto é cômico, desde o meu posto de observação, ver-me classificado ora como católico devoto, ora como protestante, como herético gnóstico, como nazifascista, como esotérico sufi, como neoliberal, como sionista, como esquerdista enrustido, como neoconservative etc. etc. Para cúmulo de asneira, uma vez escolhida a chave classificatória na qual julgam poder me enquadrar, passam a deduzir dela a explicação integral das minhas idéias expressas e inexpressas, incluindo, naturalmente, algumas secretas, outras que jamais tive nem poderia ter e umas quantas cujo sentido me escapa por completo. Feito isso, pavoneiam-se de haver – cada um deles pioneirissimamente, é claro – decifrado o enigma Olavo de Carvalho.

Há também entre eles uma pronunciada unidade de estilo, onde o que mais se nota é a indignação afetada e – por isso mesmo – a total incapacidade de manejar as palavras com alguma destreza. De senso estético, é claro, nem se fala. Para expor suas idéias com alguma elegância, o sujeito precisa guardar uma certa distância delas, ter um senso agudo da relatividade e da incerteza por trás até mesmo das verdades mais óbvias. No mínimo, tem de saber que nenhuma expressão verbal, por mais caprichada que seja, é boa o bastante para se impor como certeza absoluta: o melhor que ela pode fazer é aludir a essa certeza, mas quase sempre de maneira incompleta e aproximativa. O problema com esses meninos não é a crença cega que têm nas verdades que eventualmente apreendem: é a confiança cega no poder que suas palavras têm de transmiti-las sem erro. O efeito é invariavelmente ridículo, mas só para quem o percebe. Para mostrá-lo caso a caso, eu teria de escrever uma enciclopédia de retificações. A falta de consciência da própria nebulosidade interior acaba se traduzindo em frases de uma imprecisão vocabular grotesca, que se tornam ainda mais grotescas quando imaginam transmitir evidências claríssimas.

Outra constante é que, não encontrando no meu artigo que acabam de ler todas as respostas às primeiras objeções que lhes brotam na cabeça, passam a acreditar imediatamente que elas não existem nas outras partes de uma obra que já vai para mais de vinte mil páginas (sem contar arquivos de voz e imagem), de onde concluem que aquelas objeções, por demasiado inteligentes, jamais poderiam ter ocorrido a um cretino como eu.

Mas o que mais me dói é o sadismo dos meus amigos gozadores que, lendo essas coisas no universo bloguístico, as enviam para mim sem a mínima complacência.

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