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O maior dos perigos

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 24 de outubro de 2012

          

Tudo na vida de uma democracia depende do seguinte: os cidadãos deixam-se mais facilmente persuadir por provas e documentos ou por um sorriso sarcástico de superioridade vagamente atemorizante?

            O sucesso de Barack Hussein Obama nos EUA, bem como o do Foro de São Paulo na América Latina, deveu-se inteiramente ao predomínio da segunda hipótese. Lá como cá, a grande mídia, em massa, esquivou-se à obrigação elementar de investigar e informar, preferindo um jogo-de-cena destinado a inibir, mediante a ameaça velada da humilhação e do ridículo, todas as perguntas politicamente indesejadas.

            A bem disciplinada uniformidade desse comportamento não pode ser explicada por nenhuma convergência acidental de preconceitos. Sem nenhuma exceção visível, tanto as empresas quanto os repórteres, redatores e editores, definitivamente, tomaram posição, e mostraram colocar os interesses de suas facções políticas prediletas acima do dever jornalístico de investigar, de informar e, sobretudo, de ouvir os dois lados. Vozes divergentes, pouquíssimas e débeis, não puderam ser caladas de todo, mas, manifestando-se exclusivamente nas seções de opinião ou em blogs, acabaram por tornar-se inaudíveis sob a monstruosa orquestração de desconversas, piadinhas cínicas e rotulações pejorativas nas páginas noticiosas.

            Poucos fatos na História foram jamais tão bem averiguados, testados e provados quanto a falsidade documental do presidente americano e o esquema de dominação continental do Foro de São Paulo, no qual se irmanam, como sempre na estratégia comunista, organizações criminosas e partidos nominalmente legais, tornados assim eles próprios criminosos. Por isso mesmo, ambos esses fatos foram sistematicamente suprimidos do noticiário por tempo suficiente para que os beneficiários da cortina de silêncio alcançassem, sob a proteção dela, seus objetivos mais ambiciosos. E justamente por serem certos e irrefutáveis é que não foram impugnados mediante uma discussão franca e aberta, mas sonegados ou minimizados sumariamente por meio de caretas de desprezo, afetações de certeza olímpica e zombarias subginasianas – a mais vasta,  organizada e abjeta pantomima que já se viu no mundo.

            A mídia, como o próprio nome diz, é o que está no meio, no centro, interconectando classes, grupos, regiões e famílias na visão simultânea de um conjunto de informações disponíveis uniformemente a todos. Ela é por excelência o “lugar comum” (locus communistópos koinós), a fonte das premissas geralmente aceitas numa comunidade humana como garantias de verossimilhança e razoabilidade, bases de toda argumentação e crença. Ela desfruta, assim, de uma autoridade mais ampla e avassaladora do que qualquer casta sacerdotal jamais dispôs no passado, em qualquer lugar do planeta.

            Até aproximadamente os anos 70, alguma idoneidade no exercício dessa função suprema ainda era garantida, nas democracias, pela variedade ideológica das publicações que livremente concorriam no mercado, como por exemplo, no Brasil da segunda gestão Vargas, a Última Hora de Samuel Wainer na esquerda e o Estadão na direita. Desde então, não só neste país ou nos EUA, mas em todo o hemisfério ocidental, a concentração das empresas em poucas mãos, aliada à progressiva padronização das mentes dos jornalistas por intermédio do ensino universitário que as forma, reduziu a mídia a instrumento de governo e força uniformizadora da alma popular, sem que ela nada perdesse do prestígio residual de locus communis adquirido em épocas de maior diversidade e franqueza.

            Qualquer observador atento pode notar que, quando mais um slogan ou chavão da nova moralidade que se pretende impor à humanidade aparece no programa do globalismo fabiano, ele é imediatamente adotado por toda a mídia mundial, e as opiniões diferentes, que até a véspera circulavam normalmente como expressões respeitáveis, são repentinamente marginalizadas e expostas à execração pública como sintomas de radicalismo ou doença mental. Hoje basta você ser contra o aborto para tornar-se imediatamente suspeito de nazismo ou de intenções terroristas. A velocidade crescente com que as idéias mais extravagantes e incongruentes se impõem do dia para a noite como padrões obrigatórios de normalidade anuncia para breve a extinção de toda possibilidade de debate franco sobre o que quer que seja. Não é preciso dizer que essas idéias são criações de mentes psicopáticas e, como contrariam a experiência real mais direta e óbvia, resultam, quando se arraigam na linguagem corrente e exorcizam toda veleidade de pensamento alternativo, em espalhar por toda a sociedade o fingimento histérico como norma de comportamento e padrão formativo das personalidades, trazendo como conseqüência inevitável o embrutecimento da consciência moral e a disseminação das condutas criminosas. Também não é preciso dizer que o caos decorrente é em seguida reaproveitado como pretexto para a imposição de normas ainda mais psicopáticas e destrutivas.

            Por isso, Daniel Greenfield foi até eufemístico quando, escrevendo no Front Page Magazine de David Horowitz, afirmou que a grande mídia é hoje “a maior ameaça à integridade do processo político”Ela tornou-se, isto sim, uma ameaça à inteligência, à civilização, a toda a espécie humana.

Grande descoberta

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 1 de novembro de 2010

De repente, parece que todas as mentes iluminadas do país descobriram aquilo que os documentos internos do PT, as atas do Foro de São Paulo e centenas de artigos que escrevi a respeito lhes teriam revelado dez ou vinte anos atrás, se consentissem em lê-los e se, malgrado suas profissões nominalmente letradas, não padecessem da obstinada insensibilidade brasileira à palavra escrita.

Brasileiro só acredita no que vê. Não no que vê com os seus próprios olhos (a capacidade de inteligir diretamente da experiência é desconhecida na nossa cultura), mas naquilo que vê na televisão; ou naquilo que ouve da boca das “pessoas maravilhosas”, cujas palavras dão visibilidade até ao inefável. Enquanto uma coisa não aparece no “Jornal Nacional” ou não é confirmada pelo testemunho de meia dúzia de pop stars, ela não existe, ainda que pose ante os olhares do mundo desde o alto do Corcovado ou no meio da Praça da Sé. Nélson Rodrigues falava do “obvio ululante”, mas em vão ululam os fatos mais espalhafatosos na Terra do “Eu não sabia”. Sem o nihil obstat apropriado, até um King Kong político como o Foro de São Paulo permanece abstrato e inacessível como uma hipótese metafísica escrita num papiro desaparecido.

Mas recentemente até Caetano Veloso, Arnaldo Jabor, Hélio Bicudo, Carlos Vereza e Fernando Gabeira saíram gritando, e então as mentes iluminadas se abriram à revelação: descobriram que o PT não é um partido normal, feito para alternar-se no poder com os demais partidos, e sim uma organização revolucionária criada para absorver em si o Estado e remoldá-lo à sua imagem e semelhança. Grande descoberta. Teria sido ótimo fazê-la quando o PT ainda tinha quinze por cento do eleitorado. Hoje ela soa como o verso de Manoel Bandeira, o mais triste do idioma pátrio: “A vida inteira que poderia ter sido e que não foi.”

Almas desencantadas com o esquerdismo revolucionário nunca faltaram no mundo, pelo menos desde a década de 30 do século passado. Uma delas, Ignazio Silone, chegou até a dizer que a batalha política final não seria entre comunistas e anticomunistas, mas entre comunistas e ex-comunistas.

A diferença é que no Brasil de hoje essas almas, ao mudar de partido, não percebem que o fizeram: falam de seus desafetos de agora como se estes não fossem seus ídolos de ontem. Acusam com a inocência de quem não se lembra de ter sido cúmplice nem mesmo por um minuto.

É fenômeno inédito no universo. Por toda parte são célebres os depoimentos de comunistas e “companheiros de viagem” arrependidos: Arthur Koestler, André Gide, David Horowitz, Guillermo Cabrera Infante, Victor Kravchenco, Louis Budenz, Emma Goldmann, Victor Serge, a lista não acaba mais. Em cada um desses casos a decepção política trouxe consigo o impulso de uma revisão do passado, de uma aferição de responsabilidades. Na mais lacônica das hipóteses, vinha a confissão de Humphrey Bogart, que se tornou clássica ao resumir tão bem a vida de milhões de ex-militantes e simpatizantes:

– Eu não era comunista. Era apenas idiota.

No Brasil também se fazia assim. Da legião dos desiludidos com o PCB nos anos 50 – Oswaldo Peralva, Paulo Mercadante, Antonio Paim e tantos outros – nenhum se esquivou, que eu saiba, de pesar sua parcela de colaboracionismo na construção da engenhoca stalinista.

É que naquela época havia intelectuais, pessoas que a aquisição de uma cultura internacional havia libertado dos vícios do meio imediato. Hoje, esses requintes de consciência são coisas do passado. Só o que interessa agora é ficar bem na fita. Os fulanos dão tudo de si para consagrar o mito da santidade da esquerda, acendem mil velas a São Lulinha, aplaudem, lisonjeiam, babam de devoção, e depois, quando o ídolo falha às suas expectativas, saem esbravejando como se fossem vítimas e não co-autores do embuste. Nunca foi tão barato virar herói da noite para o dia.

Não condeno essa gente do ponto de vista moral. Digo apenas que não há política séria onde as opiniões sobre o curso geral das coisas vêm amputadas de toda consciência autobiográfica. Só entendemos a História desde a nossa própria história. Quando o desejo de parecer bonito sobrepuja a necessidade de compreender a vida pessoal no contexto da História e vice-versa, é que, definitivamente, o apego às falsas aparências do momento se tornou uma obsessão psicótica, extirpando das almas o último resíduo de senso da realidade.

Mas, para piorar, não foi esse mesmo culto que consagrou o mito “Lulinha Paz e Amor”? Não foi a ânsia de enxergar virtudes imaginárias numa personalidade mesquinha, oca e vaidosa que levou tantos brasileiros a tapar os olhos ante um passado político no qual o futuro se anunciava da maneira mais clara e evidente? Não foi esse apetite de automistificação que induziu a classe letrada praticamente inteira a crer mais em alegações publicitárias e desconversas interesseiras do que em milhares de páginas de documentos e provas?

De que adianta, agora, repetir o mesmo erro com signo partidário invertido? Ninguém pode tomar uma posição madura ante os fatos da História quando rejeita e encobre os da sua própria vida. Não há futuro para quem foge do passado.

No entanto, ainda que do modo errado, essas pessoas estão do lado certo. Espero que esse lado vença, mas é claro que ele teria mais força se trocasse o bom-mocismo por um pouco de virilidade intelectual.

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