Posts Tagged genocídio

Contando cadáveres

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 29 de fevereiro de 2008

Publicado na Veja desta semana, um artigo de Reinaldo Azevedo sobre os bajuladores nacionais de Fidel Castro provocou entre os referidos a clássica reação desproporcional de ódio insano, camuflado em indignação moral e vertido abundantemente em cartas à redação e e-mails ao blog do colunista. O que mais irritou os remetentes foi a comparação entre o número de vítimas da ditadura brasileira e as da cubana – quatro centenas aqui, cem mil lá, num país de população quinze vezes menor –, mostrando, pela enésima vez, que os protestos humanitários tão típicos da tagarelice esquerdista se baseiam na total inversão das proporções e numa reivindicação psicótica do direito ao genocídio abençoado.

Contra esses números que falam por si, o beautiful people fidelista reagiu em massa mediante argumentos que, somados, se resumem a dois, o primeiro enunciado pelo diretor teatral Gerald Thomas, o segundo pelo tom geral das mensagens. Esses argumentos são: (1) O colunista escreve essas coisas porque está insatisfeito sexualmente; (2) Contar cadáveres não vale. Dessas duas premissas, o cérebro coletivo daquela entidade ruminante tirava a seguinte conclusão: Demitam esse desgraçado.

Como essa investida grotesca imita outras tantas das quais eu mesmo já fui alvo e aliás pelas mesmíssimas razões, permito-me aqui acrescentar ao artigo de Reinaldo Azevedo três observações que, numa discussão séria do assunto – coisa que não se pode esperar de um Gerald Thomas e similares –, jamais deveriam ser esquecidas:

1. Quando os comunistas e seus amantes protestam contra a contagem de cadáveres, alegando que a quantidade não vem ao caso, eles o fazem porque sabem que seu partido é o recordista mundial de homicídios em massa. Abstraída a quantidade, os crimes do comunismo ficam parecidos com os de qualquer outra ditadura ou mesmo com os efeitos de erros acidentais ou de catástrofes naturais, camuflando sua fisionomia hedionda no confortável anonimato das generalidades. Reinserido no panorama o fator quantidade, o comunismo, como já afirmei, matou mais gente do que duas guerras mundiais, somadas a todas as ditaduras de direita, epidemias e desastres aéreos do século XX. É natural que os advogados de cliente tão ruim tenham de apagar da sua folha corrida o traço distintivo que faz dele aquilo que é: o mais temível flagelo que já se abateu sobre a espécie humana.

2. No exame da violência estatal, as comparações quantitativas são não apenas legítimas, mas indispensáveis e obrigatórias. Sem a quantidade, fica impossível distinguir entre homicídio e genocídio, entre crimes contra a pessoa e crimes contra a humanidade. Fazer abstração do fator quantitativo, como os esquerdistas invariavelmente fazem nessas discussões, é abolir toda a legislação internacional de direitos humanos, à qual no entanto eles mesmos apelam quando lhes convém, reduzindo-a a mero instrumento de propaganda.

3. No caso específico do Brasil e de Cuba, não se trata de uma comparação entre governos quaisquer, nem mesmo entre violência estatal “de direita” e “de esquerda”, mas da comparação entre dois exércitos em combate: de um lado, o Estado brasileiro; de outro, a guerrilha internacional planejada, comandada e subsidiada pelo governo cubano. Em todas as discussões do tema na mídia nacional, os guerrilheiros do MR-8, da ALN ou da VAR-Palmares são sempre apresentados como puros dissidentes internos, quando na verdade faziam parte de um organismo político-militar supranacional, a OLAS, Organização Latino-Americana de Solidariedade – antecessora do Foro de São Paulo –, que obedecia estritamente ao comando estratégico de um governante estrangeiro, o ditador Fidel Castro. Ora, num confronto entre um Estado e uma força militar fundada no exterior, a única possibilidade de uma tomada de posição moral responsável é examinar quem começou as hostilidades e qual dos lados representava a alternativa mais razoável e humana. Que a iniciativa agressora partiu de Fidel Castro, é coisa que ninguém tem o direito de ignorar desde que a historiadora Denise Rollemberg – insuspeita de direitismo – demonstrou que a guerrilha nordestina de 1963 já era subsidiada pelo governo cubano, sendo portanto uma fraude completa explicar a eclosão do terrorismo no Brasil como reação ao golpe militar que sobreveio meses depois. Quanto ao segundo fator, a contagem das vítimas de um regime e do outro – quatro centenas de guerrilheiros em comparação com cem mil civis desarmados – fornece o dado essencial para o julgamento justo da situação. O Brasil foi agredido por uma força comandada do exterior, orientada pelo regime mais brutal e homicida do continente. Que na resposta nacional houve excessos e que eles devem ser investigados e punidos, ninguém jamais duvidou. Mas a reação em si, tanto quanto o uso da violência militar para implementá-la, foi inteiramente justa, necessária e moralmente obrigatória. Só mentalidades deformadas pelo culto autolátrico da santidade esquerdista podem negar uma verdade tão patente.

Remodelagem

Olavo de Carvalho


Zero Hora, 16 de outubro de 2005

Quando a mídia brasileira assume o lado do bem e da decência, vocês podem ter certeza: ela o faz com atraso, faz pela metade e faz misturando à causa nobre tardiamente subscrita algum novo elemento de calhordice.

A Folha de S. Paulo do dia 13 tornou-se o primeiro jornal nacional a noticiar com algum destaque o genocídio sistemático da população do Sudão pela Frente Islâmica Nacional que domina o país.

A matéria, traduzida do jornal inglês Independent , diz: “O governo da Frente Islâmica já exterminou mais de 400 mil [negros] e expulsou outros 2 milhões de suas casas.”

Para o padrão jornalístico vigente, já é demais. Romper uma década de silêncio, admitir de repente que um governo islâmico, em tempo de paz, matou dez vezes mais gente do que a guerra do Iraque, é mais que coragem: é uma gafe, uma inconfidência, um ato falho freudiano, uma traição imperdoável aos altos princípios da vigarice obrigatória.

Se todos os morticínios praticados nos últimos anos pelos governos do Sudão, da Coréia do Norte, do Vietnã, da China e de Cuba fossem noticiados, as comparações se tornariam inevitáveis, e George W. Bush, se não assumisse as feições de Madre Teresa de Calcutá, passaria ao menos a ser visto como aquilo que é: um político como os outros, nem muito bom nem muito mau. Mas com isso a demonização prioritária da política exterior americana se tornaria impossível, frustrando a missão número um da classe jornalística brasileira.

Para evitar esse risco temível, os fatos mais importantes e brutais da década tiveram de ser suprimidos. Nenhum leitor ou telespectador brasileiro ficou sabendo da liquidação da tribo montagnard no Vietnã, dos “Aquários de Pionguiangue” (o Gulag norte-coreano), do extermínio de um milhão de tibetanos pelas tropas chinesas de ocupação, do “Livro Negro da Revolução Cubana” que calcula em cem mil o número de vítimas do regime de Fidel Castro.

Anos atrás, em sucessivos e-mails que enviei ao diretor da Folha , Otávio Frias Filho, cobrei dele o oceano de notícias faltantes. Ele disse que ia pensar no caso. Vejo que pensou. O resultado está no jornal do dia 13. Mas a verdade veio profundamente alterada.

Desde logo, o genocídio aparece transfigurado em efeito de perseguição racista, e não religiosa, quando ninguém no mundo civilizado ignora que não é uma guerra de brancos contra negros e sim de muçulmanos – eles próprios negros na maioria – contra as duas comunidades religiosas minoritárias: animistas e cristãos. Principalmente contra estes últimos.

Para encobrir a motivação religiosa da violência, o repórter distorce até a palavra “arabização”, que no contexto sudanês designa a imposição da língua litúrgica do Islam como idioma nacional, e lhe dá sentido genético, incompatível com a composição étnica do Islam em geral, onde os árabes são minoria.

Mas o detalhe mais maravilhoso é a questão das culpas internacionais.

Numa visão objetiva, o país mais culpado é a China, por ser, fora do círculo islâmico, o principal fornecedor de armas para os genocidas. Em contrapartida, o mundo inteiro sabe que as maiores pressões contra a violência sudanesa partiram dos EUA, a primeira nação, aliás, a usar o termo “genocídio” para descrever o caso. Quando a ONU tirou os EUA da Comissão de Direitos Humanos, colocando em seu lugar precisamente o Sudão, o sentido cínico da mensagem foi bastante claro.

O repórter do Independent consegue inverter a realidade, fazendo dos EUA o cúmplice essencial do genocídio – sem alegar para isso outra razão exceto a de que Bush aceitou do governo sudanês informações sobre o paradeiro de bin Laden (como se ele tivesse a obrigação de recusá-las de Satanás em pessoa) –, e mencionando a China apenas de passagem, entre outros países, como se fosse um personagem menor na história.

Por fim, ele acusa pesadamente as empresas capitalistas ocidentais presentes no Sudão do crime hediondo de pagar impostos… como se imposto fosse adesão voluntária.

Agora entendo por que a Folha esperou dez anos e de repente deu a notícia atrasada. A verdade longamente suprimida foi liberada para publicação tão logo remodelada para adequar-se à mentira usual.

Gore, Clinton e as notícias

Olavo de Carvalho


Zero Hora, 30 de maio de 2004

Deixemos John Kerry em paz. Depois que um médico militar informou ter conseguido curar com um simples band-aid os épicos ferimentos de combate que ele alardeia nos palanques, esse vigarista de subúrbio só engana a quem quer ser enganado. Há tipos mais interessantes no palco político americano.

Albert Gore Jr., que acaba de acusar o presidente Bush de “genocídio” por conta de 37 prisioneiros de guerra no Iraque cuja morte não foi constatada por ninguém, é acionista majoritário da Occidental Petroleum, fundada por Armand Hammer, o qual subsidiou toda a carreira política de Gore pai e dizia tê-lo, por isso, “no bolso do colete”. Hammer granjeou fama como capitalista apolítico que, por mera coincidência, teve negócios na Rússia no tempo de Lênin e enriqueceu com eles. Documentos encontrados nos Arquivos de Moscou mostraram, porém, que ele foi membro ativo do serviço de finanças do Comintern e que suas empresas eram uma rede de lavagem de dinheiro para o financiamento de movimentos revolucionários no Ocidente. Dos mesmos arquivos já tinha vindo, através do escritor Vladimir Bukovski (v. Jugement à Moscou , Paris, Laffont, 1995), a prova de que a KGB financiava maciçamente a mídia esquerdista soi disant “moderada” da Europa ocidental. A raiva que essa mídia vem fazendo desabar em cima de Bush desde que este derrotou Gore nas eleições é portanto bastante explicável: sabem lá o que é perder, por uns poucos votos, a oportunidade de colocar na presidência dos EUA um fantoche controlado pela espionagem comunista? Oh, dor atroz!

Essa história, documentada para além do que poderiam exigir os mais céticos, está em Dossier: The Secret History of Armand Hammer , de Edward Jay Epstein, publicado em New York pela Random House. O livro é de oito anos atrás, mas os fatos que relata permanecem fora do alcance do público brasileiro, ao qual a mídia continua vendendo uma imagem de Gore perfeitamente asséptica e lisonjeira.

Mais patife que Gore, só Bill Clinton. O fracasso dos serviços de inteligência norte-americanos em prever o 11 de setembro teve uma só causa: Clinton havia centralizado na Casa Branca o controle direto de todos os órgãos de segurança e bloqueado propositadamente as comunicações entre eles. A CIA, o FBI e outras agências estavam então conduzindo investigações paralelas sobre as verbas ilegais de campanha dadas ao candidato Clinton pelo exército da China e os subseqüentes favores que, uma vez eleito, o gratíssimo presidente prestou aos serviços de espionagem chineses. Sem intercâmbio de informações, os investigadores não puderam, na época, juntar os fios da trama. Pior: a assessora encarregada da operação-bloqueio, Jamie Gorelick, agora faz parte da comissão parlamentar encarregada de “investigar” as falhas de segurança que possibilitaram o atentado. Pior ainda: entre os favores prestados pelo governo Clinton à China, estava a permissão dada a uma subsidiária da General Electric (da qual Gorelick tinha sido advogada) para vender ao exército chinês equipamentos que, segundo se revelou depois, serviam para a fabricação de mísseis intercontinentais direcionados ao território norte-americano.

Essa história não saiu nem jamais sairá na mídia nacional fora desta coluna. Leia a coisa inteira aqui. Mas vá depressa, antes que o governo brasileiro imite o exemplo da sua adorada China e comece a controlar o acesso do público aos sites estrangeiros.

Aproveite para tomar conhecimento de duas outras notícias que, a bem da campanha anti-Bush, seu compromisso profissional máximo, os jornalistas brasileiros teimam em ocultar: já foi encontrada a prova cabal da ligação entre Saddam Hussein e Al-Qaida (confira aqui) e comprovada para além de qualquer dúvida razoável a presença de armas químicas no arsenal iraquiano (veja aqui).

Veja todos os arquivos por ano