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Chávez, Lula e Gurdjieff

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 20 de julho de 2010

Na opinião do sr. Hugo Chávez, que com leves diferenças de nuance é a mesma do nosso governo e da nossa mídia, as Farc, que assaltam, seqüestram e matam a granel, não são uma organização terrorista de maneira alguma; terrorista é a TFP, que nunca matou um mosquito nem sugeriu o roubo de uma azeitona.

Quando lhes digo que o traço essencial e permanente da mentalidade revolucionária é a inversão psicótica, não estou brincando, nem exagerando, nem fazendo figura de retórica: estou apontando um dos fatos mais bem documentados da história cultural dos últimos séculos – um fato que pode ser verificado tanto nas estruturas gerais do pensamento revolucionário quanto nas atitudes práticas e até nos detalhes de linguagem de seus representantes mais notórios.

Quando o sr. Luís Inácio Lula da Silva se recusa a dizer uma palavrinha em favor de um preso político cubano em greve de fome, alegando escrúpulos de interferir nos assuntos internos de uma nação estrangeira, ao mesmo tempo que ajuda a reintroduzir no território hondurenho um presidente banido e se gaba de ter metido gostosamente o bedelho do Foro de São Paulo nos plebiscitos venezuelanos, ele ultrapassa os limites da mentira política normal, que no mínimo respeita um pouco o senso do verossímil: ele entra com as quatro patas no campo da inversão psicótica, chocando a platéia ao ponto de idiotizá-la, dessensibilizando-a para o absurdo do que está ouvindo.

Embora esse modo de falar possa se consolidar como vício ao ponto de seu próprio usuário se tornar insensível à maldade que pratica quando o emprega, na verdade ele se originou como uma técnica psicológica muito bem elaborada. Denomino-a “impressão paradoxal”, embora na bibliografia seja citada também com outros nomes, como “dissonância cognitiva” ou “psicose informática”. Georges Ivanovitch Gurdjieff, o maior gênio do charlatanismo esotérico, usava esse tipo de discurso para estontear seus discípulos e reduzi-los a uma obediência canina. Por exemplo, ele mobilizava todo o arsenal lógico do materialismo científico para persuadi-los de que eram apenas máquinas, de que não tinham alma nenhuma, e em seguida afirmava, com a maior seriedade, que poderiam adquirir uma alma… mediante uma certa quantia em dinheiro.

O sujeito que ouvia uma coisa dessas caía imediatamente numa zona nebulosa entre a piada e a realidade, sem saber como reagir ante a impressão paradoxal. Reaplicada a técnica um certo número de vezes, o infeliz perdia todo interesse em compreender racionalmente a situação e daí por diante se deixava conduzir pelo mestre como uma vaca puxada pela argola do nariz.

Quando Gurdjieff introduziu essa técnica no Ocidente, talvez nem ele próprio imaginasse a velocidade com que ela se disseminaria entre os políticos e os intelectuais ativistas, como um instrumento perfeito para tornar as massas incapazes de diferenciar entre a percepção humana normal e a inversão psicótica.

Adolf Hitler, que consta ter recebido a influência de um discípulo de Gurdjieff (Klaus Haushoffer), criou uma técnica oratória inteiramente baseada na impressão páradoxal, articulando o grotesco e o temível de modo que a platéia sentisse ao mesmo tempo o desejo de rir dele e o medo de ser punida por isso. Que fazer então, senão jogar fora o próprio cérebro e trocá-lo por uma recompensadora aceitação passiva do que desse e viesse? (Mutatis mutandis, foi por esse mesmo artifício que o sr. Lula transmutou, no coração do seu público, a piedade em admiração fingida, e a admiração fingida em bajulação compulsiva.)

Os comunistas deram um uso muito mais amplo a essa técnica, extorquindo do seu público a aprovação a crimes hediondos em nome dos sentimentos mais altos e sublimes, forçando a elasticidade moral até o último limite do humanamente suportável. A contradição internalizada acumulava-se no inconsciente até o ponto em que as vítimas estourariam se não descarregassem seus sentimentos de culpa sobre algum bode expiatório, acusando-o de toda sorte de delitos imaginários. Daí a facilidade com que o público – não só o exército dos militantes, mas a vasta massa dos intoxicados pela “onipresença invisível” da cultura revolucionária – perde todo senso de verossimilhança e acaba aceitando como razoável a conversa idiota de que a TFP é uma organização de alta periculosidade ou de que o sr. Alejandro Peña Esclusa, malgrado seu diploma de engenheiro, guardava em casa, ao lado do quarto onde dormiam suas três filhas pequenas, explosivos suficientes para fazer seu prédio voar em cacos.

Equivalência forçada

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 15 de julho de 2010

Quem quer que ouse mencionar em público o poder crescente e avassalador do Foro de São Paulo, fato comprovado por mil documentos e visível com os olhos da cara, é imediatamente acusado de “teórico da conspiração” e “paranóico”. Mas, evidentemente, não há paranóia nenhuma, nem mania de conspiração, quando ao mais leve sinal de que alguém não gosta do comunismo ou do PT a mídia em peso se levanta para denunciar, em tons apocalípticos, o “rearmamento da direita” e o retorno iminente da ditadura militar.

Exemplos, como esse, de percepção invertida – a patologia mental característica das ideologias revolucionárias – reaparecem praticamente todos os dias nos jornais e revistas deste país, e se tornaram tão costumeiros que já ninguém repara no que têm de perverso, de monstruoso, de estupidificante.

Os jornalistas da minha geração, imperando nas redações desde há vinte anos, apegaram-se de tal modo à sua mitologia de juventude, que, para poder continuar acreditando nela e vendendo-a ao público depois de tantas vezes desmoralizada, não hesitam em demolir a própria inteligência e proceder como se tivessem QI de galinhas.

O mais impressionante é o ar de seriedade – forçada até ao desespero – com que se entregam a esse exercício.

Ao noticiar a prisão de Alejandro Peña Esclusa, a TV Globo praticamente endossou a versão oficial chavista de que o fundador da Unoamerica tinha explosivos em casa e planejava um atentado em parceria com um alegado terrorista (na verdade um pífio ladrão de carros), o salvadorenho Francisco Chávez Abarca. Para fingir que salvava um pouco da sua defunta credibilidade, o canal consentiu apenas em “ouvir o outro lado” um pouquinho e declarar que, segundo a família de Peña, a denúncia era falsa.

Ora, “ouvir o outro lado” é apenas um preceito formal. Justo e necessário em princípio, não pode no entanto ser usado como pretexto para neutralizar ou substituir a obrigação substantiva e primeira do jornalismo, que é a investigação e avaliação racional da credibilidade das notícias. “Ouvir o outro lado” não desobriga de praticar o senso de verossimilhança. Se alguém anuncia aos berros que o sr. Luís Inácio da Silva botou um ovo e o sr. Luís Inácio alega timidamente que não fez nada disso, será bom jornalismo noticiar as duas coisas em pé de igualdade, com o ar mais neutro do mundo?

Deve-se ouvir o outro lado quando dois lados. Não há dois lados no confronto entre um estuprador e sua vítima de três anos. Não há dois lados entre uma conta de 2 + 2 = 4 e uma de 2 + 2 = 5. Não há dois lados entre a afirmação de que os hipopótamos são quadrúpedes e a de que são bípedes voadores. Não há dois lados quando um governo associado a organizações terroristas como as Farc e o MIR chileno acusa de terrorismo um político desarmado que, ao mesmo tempo, o está processando por atos terroristas no Tribunal Penal Internacional. Não há dois lados quando a afetação de neutralidade jornalística tem como única fundamentação lógica a hipótese de que o acusado, sem o menor treinamento ou experiência de ações truculentas, mandou chamar um ajudante alegadamente profissional (que na verdade não o é de maneira alguma) e, quando o ajudante foi preso, permaneceu placidamente em casa com um estoque de bombas, esperando por dias e dias a chegada da polícia em vez de dar no pé como qualquer terrorista que se preze o faria.

Essa história é tão louca, tão farsesca, tão obviamente forjada, que a simples idéia de noticiá-la em pé de igualdade com o desmentido já mostra a diferença entre a neutralidade genuína e o equivalentismo histriônico da Globo.

Num continente abalado pela onipresença do terrorismo de esquerda associado ao narcotráfico, a prisão de Peña Esclusa só serviu como artifício teatral para aliviar a angustiante escassez de terroristas de direita, que arriscava empanar o brilho da rentrée de Fidel Castro no palco internacional, ocorrida quase simultaneamente. Não pode ser coincidência que a polícia política da Venezuela tenha tentado apresentar o ladrão de carros como colaborador de Luís Posada Carriles, acusado de ter explodido um avião cubano em 1976. Tentando abafar a má impressão do festival contínuo de atentados, assassinatos e seqüestros praticados pelas Farc, pelo MIR, pelo ELN e outros membros do Foro de São Paulo, há trinta e quatro anos a ditadura cubana explora essa preciosidade única, o caso Posadas, para fazer a esquerda continental aparecer como vítima inerme da violência direitista. A prisão de Peña Esclusa espreme uma vez mais esse limão que continua rendendo limonadas muito tempo depois de seu sumo ter descido abaixo do número de Avogadro.

Precauções saudáveis

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 24 de novembro de 2009

Se o prezado leitor deseja entender algo do mundo atual, o mínimo indispensável de prudência recomenda que se atenha às seguintes regras no julgamento das informações que lhe chegam:

Regra 1: O que quer que venha rotulado como consenso da opinião mundial, aprovado unanimemente por vários governos, pelos organismos internacionais, pela grande mídia, pela indústria do show business e pelos intelectuais públicos mais em moda, ou seja, pela quase totalidade dos “formadores de opinião”, é suspeito até prova em contrário.

Sei que ao dizer isso pareço contrariar um dos preceitos tradicionais do pensamento aristotélico-escolástico, segundo o qual, embora a opinião humana seja falível e o argumento de autoridade seja o mais fraco dos argumentos, a espécie humana tomada na sua totalidade dificilmente se equivocará em questões essenciais, sendo portanto arriscado contestar aquilo em que “todos, em toda parte, sempre acreditaram” (quod ubique, quod semper, quod ab omnibus creditum est).

Mas é só aparência. Na perspectiva escolástica, o valor da opinião unânime depende inteiramente da sua permanência temporal imutável nas mais diversas circunstâncias culturais, religiosas e sociopolíticas. Em vez de identidade, há uma diferença radical — para não dizer uma oposição insanável — entre a universalidade da opinião humana ao longo dos tempos e um consenso repentino, surgido como que do nada e imposto urbi et orbi como se fosse a coisa mais óbvia e inegável do mundo; consenso que, ademais, não é consenso nenhum, visto que há tanta resistência a ele por toda parte fora dos círculos interessados.

Por “círculos interessados” entendo, de um lado, a elite — financeira, política e burocrática — empenhada na instauração de um governo mundial estatista, invasivo e controlador de tudo (vale a pena consultar a respeito o site de Daniel Estulin, www.danielestulin.com/?idioma=en); de outro, a militância inumerável espalhada em ONGs e universidades por toda parte, pronta a ecoar as palavras-de-ordem ditadas pela elite. Entre as duas, a classe jornalística, os intelectuais ativistas e o beautiful people das artes e espetáculos formam uma espécie de camada intermediária incumbida de formatar como modas elegantes as propostas mais revolucionárias de mutação sociocultural, tornando-as palatáveis à população maior, gerando, pela variedade das formas e canais, a impressão enganosa de unanimidade espontânea, e encobrindo assim a unidade estratégica que a circulação de dinheiro entre os três níveis comprova da maneira mais contundente (v. a documentação exaustiva em www.discoverthenetwork.org e www.activistcash.com).

O que quer que venha por esses três canais ao mesmo tempo — não necessariamente o que venha só de um deles em particular — não é quase nunca informação confiável. (O termo “quase” não é usado aqui para atenuar a regra, mas apenas para assinalar aquela dose mínima de veracidade modesta sem a qual nenhuma mentira ambiciosa teria jamais credibilidade alguma e para dar o devido relevo a eventuais falhas e até rombos do sistema, sempre inevitáveis). A rigor, não é informação de maneira alguma: é estímulo pré-calculado para produzir no público, aos poucos, as desejadas mudanças de atitude, segundo pautas de engenharia social elaboradas com uma antecedência, em geral, de décadas. A continuidade da ação histórica de longo curso, aí, garante parcialmente a sua própria invisibilidade, transcendendo o horizonte de visão tanto da população imediatista, que nada enxerga, quanto dos “teóricos da conspiração” que crêem enxergar para além do que enxergam realmente e acabam inflando a imagem de poder dos “controladores” até dimensões quase míticas. Este último fenômeno é aliás um caso característico de “paralaxe cognitiva”, já que o próprio número de denúncias, proliferantes na internet e nas livrarias, evidencia os erros, debilidades e fracassos de um controle universal “secreto” que aí se descreve, no entanto, como quase onipotente.

Regra 2: Quando a unanimidade é negativa, isto é, quando não consiste em alardear alguma história inventada (como o aquecimento global, a epidemia de gripe suína ou os riscos mortíferos do fumo passivo), mas em suprimir fatos e em achincalhar ostensivamente quem deseje ao menos investigá-los, então já não se trata de mera suspeita, mas da probabilidade altíssima de estarmos em presença de uma tentativa global de controle da opinião pública por meio do recorte premeditado do noticiário. Essas tentativas jamais alcançam sucesso absoluto, mas também nunca são desmascaradas no todo e de uma vez para sempre: no mínimo, resta a possibilidade de um eficiente gerenciamento de danos, transmutando-se a negação peremptória em aceitação atenuada, anestesiante, como ocorreu — para dar um exemplo brasileiro — no caso do Foro de São Paulo, que passou da categoria de inexistente à de irrelevante tão logo desmoralizado o dogma da sua inexistência.

Embora não tendo a menor idéia de onde nasceu Barack Obama, não hesito em incluir nesse gênero de tentativas a ocultação geral, sistemática, histérica e obstinada de praticamente todos os documentos essenciais para o estudo da biografia do presidente americano, a começar pela sua certidão original de nascimento. Quando a grande mídia dos EUA em peso chama de desequilibrados e loucos aos que cobram de Obama a exibição desses documentos, o que ela está proclamando é que o normal, o saudável, o obrigatório para a razão humana, consiste em acreditar, sem perguntas, que um cidadão gastou quase dois milhões de dólares com um escritório de advocacia para ocultar seus papéis sem que houvesse neles nada digno de ser ocultado. A inversão da lógica e da distinção entre o normal e o patológico é aí tão flagrante, que vale como uma prova: uma prova do contrário daquilo que se desejaria impingir à opinião pública.

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