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Brasil macunaímico

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 12 de março de 2007

Inspirado em Antonio Gramsci e na Escola de Frankfurt, bem como nos ideais da nova civilização apregoada pela ONU, nosso governo tem feito o que pode para libertar dos grilhões do moralismo fundamentalista os pobres e oprimidos que há séculos padecem os horrores da repressão sexual.

Já assinalei esse fenômeno, em artigo aqui publicado em 17 de julho de 2006 (http://www.olavodecarvalho.org/semana/060717dc.html):

“Na página do Ministério do Trabalho, www.mtecbo.gov.br/busca/competencias.asp?codigo=5198, encontra-se um manual de ensino distribuído pelo governo brasileiro a interessadas e interessados em seguir carreira no ofício de prostituta ou prostituto. Muitos visitantes do site se escandalizam com o conteúdo das instruções. Eu não. Vejo nelas um auspicioso sinal de restauração da moralidade. Num país onde todos pontificam sobre o que ignoram, nossos governantes dão um exemplo de probidade intelectual lecionando matéria na qual têm a autoridade da longa prática.”

Mas agora, graças aos bons préstimos de um leitor, descubro que a coerência petista na busca da democracia sexual é ainda mais profunda do que eu poderia ter imaginado.

Se você duvida, faça o seguinte experimento. Dá um pouco de trabalho mas é tremendamente elucidativo. Primeiro, vá ao seu computador e abra a página oficial da Presidência da República, http://www.brasil.gov.br/governo_federal/estrutura/presidencia/. Chegando la, clique no link “Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres”. Vai dar na página http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sepm/. Agora clique em “Links”, depois em “Governo Federal e Mulheres”, aí em “Mulheres” e por fim em “Grupo Transas do Corpo”. Pronto: você chegou ao site da loja de produtos eróticos Erosmania (http://www.erosmania.com.br/). Não tema: o estabelecimento deve ser confiável, já que o link vale como recomendação oficial. O produto em destaque na página chama-se “Anal Slim Jim”. É – quem diria? — um pênis de borracha cor-de-rosa, com vibrador, de uns quinze centímetros de comprimento por dois e meio de largura. Não sei se a esta altura o emprego de instrumento tão útil já se disseminou entre os altos escalões da República, mas imagino que o sr. Presidente da República e seus ministros não seriam levianos ao ponto de pregar uma coisa e fazer outra. Não digo que o empreguem necessariamente em si próprios – isso é uma questão de preferência pessoal na qual não desejo interferir –, mas sempre haverá em torno pessoas amigas interessadas em beneficiar-se da oportunidade democraticamente oferecida a todos, ou todas, pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Em caso de dificuldade no manejo do equipamento, a loja sugere o apelo ao lubrificante “Lubrigel Intimus”. Para maior esclarecimento, os visitantes da página poderão também adquirir ali filmes educativos como “O Estuprador de Coroas” e alguns de interesse médico, como “A Síndrome do Furor Uterino”.

Um indício ainda mais eloqüente da fidelidade do PT à sua ideologia erótica foi dado aos eleitores, aliás em dose dupla, pelo governador da Bahia, Jacques Wagner. Depois de aparecer completamente bêbado num vídeo do youtube (http://video.google.com/videoplay?docid=-6212632340540114758&hl=en), o ativíssimo ex-ministro do Trabalho revela-se agora um pioneiro na aplicação prática dos princípios que orientam a reforma petista dos costumes. Nas fotos que acompanham esta matéria, ele é visto no “Expresso 2222”, o trio elétrico de Gilberto Gil, empurrando sua esposa Fátima para um ardente beijo lésbico na boca da esposa do ministro da Cultura, Flora Gil, diante de incontáveis e estupefatos eleitores. Vejam vocês. Em países atrasados, como os EUA, o pessoal reclama até quando estrelas do show business fazem essas coisas na TV. No Brasil, são as altas esferas da República que dão o exemplo, mandando às urtigas o moralismo vitoriano (eu ia quase esquecendo: moralismo vitoriano da Idade Média, não é mesmo?) e levando às últimas conseqüências o exercício público da democracia sexual.

Para que ninguém suponha que a lição petista não frutificou em escala internacional, a coluna do Cláudio Humberto do último dia 8, sob o título “Deputados do Peru perdem a cabeça no Brasil”, publica as fotos da revista Caretas, aqui reproduzidas, que mostram dois deputados peruanos, Javier Velásquez e José Veja. Eles vieram em visita oficial à XXII Assembléia do Parlatino, dia 8 de dezembro, mas rapidamente assimilaram a filosofia política local e caíram na maior gandaia numa boate paulista. De volta ao seu país, onde ainda vigoram as leis bárbaras da Inquisição, os dois estão ameaçados de ter de responder à Comissão de Ética do parlamento peruano. Aqui, não. O máximo que vai acontecer ao governador Jacques Wagner é uma ressaca.

Significativamente, o jornalista Merval Pereira, na sua última coluna em O Globo, comentando a morte de Jean Baudrillard, lembra que o sociólogo francês, em conversa que tiveram um ano atrás na conferência da Academia da Latinidade em Baku, capital do Azerbaijão, lhe falou do Brasil como “uma espécie de variação, de desvio em relação ao modelo internacional”.

“Ele imaginava que o Brasil poderia constituir ‘uma espécie de santuário, uma bolsa de resistência contra estes modelos de civilização, por tudo aquilo que devia ser jogo, teatro, carnaval’.”

Baudrillard “via a magia brasileira como uma espécie de utopia realizada sobre a Terra”, mas acrescentava, cético, que ‘a utopia, quando já realizada, é um pouco perigosa’.”

Um pouco perigosa? Que exagero! Que são cinqüenta mil homicídios anuais, em comparação com os prazeres que o sex lib petista promete aos sobreviventes? Logo após o assassinato do menino João Hélio, o colunista Diogo Mainardi propôs uma semana de luto nacional, ameaçando reacionariamente estragar os festejos carnavalescos. Graças à coragem cívica do governador Jacques Wagner, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, do ministro da Cultura e sua digníssima, esses arreganhos golpistas (é assim que se escreve?) não prevalecerão em terras brasileiras. Como dizia Dolores Ibarruri, No pasarán. Ou, parafraseando a campanha épica da Petrobrás, a gandaia é nossa.

Chuteiras imortais

Olavo de Carvalho


Jornal do Brasil, 20 de abril de 2006

Acusado pelo sr. Diogo Mainardi de dar uma força aos parentes para a conquista de altos cargos na burocracia federal, o jornalista Franklin Martins, seqüestrador aposentado, protegido de Fidel Castro e queridinho do establishment petista, saiu-se com uma aposta: “Se qualquer um dos 81 senadores ou senadoras vier a público afirmar que o procurei pedindo apoio para o meu irmão, pendurarei as chuteiras e irei fazer outra coisa na vida.” Caso contrário, exige o indignado desafiante, o perdedor Mainardi é que deverá abdicar de sua coluna em “Veja” e reduzir-se a um silêncio contrito.

É uma maravilha, não é mesmo? Senadores inocentes não hão de confessar o que não fizeram; e os culpados, se existem, não vão querer jogar fora a própria reputação só pelo prazer de arruinar junto a de um jornalista e exaltar a de outro. Pior: quem ama o sr. Martins ao ponto de arriscar-se a lhe prestar um favor ilícito não pode estar também apaixonado pelo seu inimigo Mainardi ao ponto de cometer suicídio político por ele. A probabilidade de que alguma confissão apareça, quer venha de culpados ou inocentes, é portanto de exatamente zero por cento. O sr. Martins não é bobo o suficiente para não perceber isso. Não sei se ele assediou senadores com pedidos de empregos para o irmão, a esposa, a sogra ou o tetravô. Mas sei que, no esforço de fugir a essa acusação, ele se revelou é uma boa bisca. Apostando as chuteiras num teste premeditadamente inócuo, ele está seguro de poder calçá-las no dia seguinte e ainda gabar-se de ter feito o adversário de trouxa. O desafio que ele lançou ao sr. Marnardi não é um desafio, não é sequer um blefe: é uma simulação de blefe, concebida para enganar pessoas afetadas de déficit crônico de atenção. O cálculo psicológico por trás desse golpe de teatro é tão malicioso, tão perverso, que ele depõe contra a idoneidade do sr. Martins mais do que poderiam fazê-lo mil colunas de mil Diogos Mainardis.

No entanto, não é impossível que ele tenha concebido o engodo sem intuito conscientemente maligno. Talvez ache até que foi honesto. Cabeça de esquerdista é assim: uma vez que você aboliu todos os princípios morais consagrados pela civilização, substituindo a clareza implacável das suas deduções por uma maçaroca obscura de slogans politicamente corretos, todos os arranjos casuísticos são possíveis: você está pronto para se tornar um príncipe da embromação e ainda acreditar que desonestos são os outros. Quando um sujeito está intelectualmente persuadido de que o bem e o mal são apenas construções ideológicas mas ao mesmo tempo insiste em cultivar o sentimento reconfortante de que está do lado do bem absoluto, não há mais limites para o exercício do auto-engano, que culmina quando o mentiroso passa a acreditar nas próprias mentiras ao ponto de emocionar-se com elas. A essência da moral esquerdista é a auto-persuasão histérica.

O caso do sr. Martins, em si mesmo, não significa nada, e sua desavença com o sr. Mainardi é tão decisiva para o futuro da humanidade quanto uma trombada de velocípedes num playground. O que torna o sr. Martins interessante é a tipicidade da sua forma mentis, cujos similares, hoje, superlotam as universidades, as redações, a burocracia filantrópica e a rede internacional de ONGs ativistas. Por enquanto, a lógica moral antiga, negada em palavras, permanece vigente no fundo, como um referencial semiconsciente a que até seus detratores mais ferozes voltam a apelar quando precisam. Em uma ou duas gerações, ela terá desaparecido por completo da memória geral: o casuísmo politicamente correto usurpará o prestígio do Decálogo, da ética aristotélica, do Direito Romano e do Código de Hamurabi. A mentira indignada, apoiada na vociferação da militância organizada, será a única autoridade moral restante. Então será preciso escolher entre ela e o caos integral. Nesse dia, as chuteiras de Franklin Martins se tornarão monumentos à honestidade.

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