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Psicólogos e psicopatas

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 2 de julho de 2012

Não creio que a atração erótica entre pessoas do mesmo sexo seja antinatural e não vejo mesmo nenhum motivo, em princípio, para classificá-la como doença. Também é fato que o termo “homossexualismo” não corresponde a um fenômeno homogêneo e sim a uma variedade de impulsos, desejos e comportamentos, numa gama que vai desde a repulsa ao outro sexo até a completa identificação com ele. Se na linguagem da propaganda condutas tão díspares são reduzidas artificialmente à unidade de símbolos ideológicos, com valores opostos conforme as preferências de quem os use, isso não é motivo para que os profissionais da saúde mental se deixem levar por idêntica histeria semântica e, violando a regra mais básica da técnica lógica, tirem conclusões unívocas de termos equívocos.

Resta, ademais, um fato incontornável: como toda e qualquer outra conduta sexual humana, o homossexualismo, em toda a diversidade das condutas que o termo encobre, nem sempre emana de um desejo sexual genuíno. Pode, em muitos casos, ser uma camuflagem, uma válvula de escape para conflitos emocionais de outra ordem, até mesmo alheios à vida sexual. É possível e obrigatório, nesse caso, falar de falso homossexualismo, de homossexualismo neurótico ou mesmo psicótico, para distingui-lo do homossexualismo normal, nascido de um autêntico e direto impulso erótico.

A proibição de dar tratamento psicológico a pacientes que sintam desconforto com a sua vida homossexual resulta num impedimento legal de distinguir entre esses dois tipos de conduta especificamente diferentes, entre o mero impulso sexual e a sintomatologia neurótica, equalizando, portanto, homossexualismo e doença.

Por outro lado, essa diferença, em cada caso concreto, não pode ser estabelecida a priori, mas só se revela no curso da psicoterapia mesma. É previsível que, uma vez removido o conflito profundo, o interesse pela prática homossexual diminuirá ou desaparecerá nos portadores de homossexualismo neurótico, ao passo que os homossexuais normais continuarão a sê-lo como antes.

A proibição de distingui-los resulta, portanto, em encobrir a neurose sob uma carapaça de proteção legal, fazendo do Estado o guardião da doença em vez de guardião da saúde.

A proposta de consagrar aquela proibição em lei revela, nos seus autores, a incapacidade de fazer distinções clínicas elementares, e esta incapacidade, por sua vez, nos dá a prova incontestável de uma incultura científica e de uma inépcia profissional suficientes para justificar que essas pessoas sejam excluídas da corporação dos psicólogos. A autoridade desses indivíduos para opinar em questões de psicologia é, rigorosamente, nenhuma.

Porém há ainda algo de mais grave. A proposta da proibição acima mencionada vem no contexto de um movimento criado para proibir e punir como “crime de homofobia” toda opinião adversa à conduta homosexual, independentemente da linguagem serena ou inflamada, polida ou impolida, racional ou irracional com que essa opinião se expresse. Pareceres científicos, juízos filosóficos e ensinamentos doutrinais das religiões são assim nivelados, como delitos, aos insultos mais grosseiros e às manifestações mais ostensivas de preconceito e discriminação.

Com toda a evidência, nenhuma palavra contra a conduta homosexual neurótica ou sã será permitida.

Ao longo de toda a História, nenhuma outra conduta humana gozou jamais de tão vasto privilégio, de tão abrangente proteção. Nenhuma esteve jamais imunizada por lei contra a possibilidade de críticas. Não o é, por exemplo, nenhuma conduta política. Não o é nenhuma qualidade humana, por mais excelsa e respeitável. Não o é a genialidade artística ou científica, a honestidade impoluta ou mesmo a santidade. Não o é a vida pública ou privada de quem quer que seja. Não o é nem mesmo a conduta usual de um casal heterossexual, freqüentemente criticada como sintoma de trivialidade e falta de imaginação. Não o é, por fim, o próprio Deus, contra o qual se dizem e se escrevem, livremente e sem medo de punição, toda sorte de barbaridades.

A proteção legal que se reivindica para o homossexualismo é tão claramente megalômana, tão desproporcional com os direitos de todas as demais pessoas e grupos, que resultará em fazer dessa conduta um domínio – o único domínio – separado da vida e superior a ela, intocável, inacessível às opiniões humanas.

A proposta é tão inequivocamente demencial que o simples fato de que a mídia e o Parlamento cheguem a discuti-la a sério já é prova de que boa parte da sociedade – justamente a parte mais falante e ativa – perdeu o senso inato da distinção não só entre o normal e o patológico, mas entre realidade e fantasia. Segundo o grande psiquiatra polonês Andrzei Lobaczewski (v. Political Ponerology, 2007), isso acontece justamente quando os postos de liderança estão repletos de personalidades psicopáticas, as quais, com suas ações temerárias e sua fria insensibilidade às emoções normais humanas, acabam, quando triunfantes, por espalhar na população em geral um estado de confusão atônita, de falta de discernimento e, no fim das contas, de estupidez moral.

Homossexuais podem ser pessoas normais e saudáveis? É claro que podem. Mas o que leva alguém a defender mutações jurídico-políticas tão monstruosas quanto aquelas aqui mencionadas não é nenhum impulso sexual, seja homo, seja hetero. É a psicopatia pura e simples. Mais que incompetentes e indignos de exercer a profissão de psicólogos, os apóstolos de tais medidas são mentes deformadas, perigosas, destrutivas, cuja presença nos altos postos é promessa segura de danos e sofrimentos para toda a população.

Para cima e para baixo

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 10 de fevereiro de 2011

Conforme se sinta feliz ou infeliz, ajustado ou deslocado na sua época, você tenderá a enxergar a passagem do tempo histórico como evolução ou decadência. Os filósofos pré-socráticos, por exemplo, lhe parecerão precursores da ciência atual ou portadores de uma sabedoria perdida. A Idade Média, um período de trevas ou a apoteose da inteligência humana. A II Guerra Mundial, uma regressão à barbárie antiga ou o cúmulo da barbárie moderna.

A nenhuma época da História faltam qualidades que justifiquem uma opinião e a outra. Se há neste mundo algum julgamento que seja desesperadoramente subjetivo, é aquele que vê a caminhada da espécie humana sobre a Terra como uma gloriosa escalada em direção aos céus ou uma inexorável descida aos infernos.

“Todas as épocas são iguais perante Deus”, ensinava o grande historiador Leopold von Ranke. Quanto mais você estuda a História, mais se persuade de que não existe nela uma linha identificável – muito menos uma que leve claramente para baixo ou para cima.

Julgamentos de evolução ou decadência só fazem sentido quando há um objetivo e um prazo, claros e determinados, que possam servir de medida do avanço ou retrocesso. Como ninguém sabe para onde a História deve ir nem quanto ela vai durar, cada um é livre para medi-la segundo a régua que bem entenda e chegar a conclusões opostas às do seu vizinho.

No entanto, há na História entidades e instituições que têm uma finalidade clara e pretendem atingi-la num prazo concebível. Essas podem ser julgadas, pois têm em si seu próprio padrão de medida. A Igreja Católica, por exemplo, prometeu fazer santos, e os fez em profusão desde o primeiro dia, mas não pôde continuar a produzi-los na mesma quantidade e nem mesmo na proporção do crescimento do número de almas humanas na Terra. Dizer que algo ai não está muito bem não é nada de subjetivo.

O movimento sionista prometeu dar aos judeus um país no prazo de duas ou três gerações. Deu-lhes o país, mas cercado de inimigos. Foi um progresso caro e perigoso, mas quem não concordará que é melhor estar espremido na sua própria terra do que num país estrangeiro onde cada um está louco para jogar você num gueto ou num campo de concentração?

Já o socialismo não prescreveu a si mesmo nenhum prazo, mas o morticínio, a miséria e a opressão que produziu ao longo de um século já superaram tão amplamente a dose de sofrimentos humanos ele que prometia curar, que não é nem um pouco insensato prever que ele não poderá se sair melhor se lhe dermos outra chance (a última coisa que devemos fazer, na minha modesta opinião). De outro lado, seu fracasso em atingir os fins declarados não implica que ele tenha perdido também o prestígio mágico adquirido pelas suas promessas iniciais. Ao contrário: o número de fiéis do socialismo parece aumentar na mesma proporção do número de cadáveres que ele vai deixando pelo caminho. O socialismo decai como ideal legítimo no mesmo passo em que progride como máquina de conquista do poder. Como diria Nelson Rodrigues, o fracasso subiu-lhe à cabeça.

A cultura superior no Brasil também não nasceu com prazo, mas é razoável e aliás habitual medi-la pela evolução de um país vizinho nascido na mesma época e em condições não muito diversas. O transcurso de dois séculos fez aí toda a diferença: a elite pensante do nosso Império nada perdia na comparação com os Founding Fathers, mas enquanto os Estados Unidos são hoje o centro da alta cultura universal, reunindo os maiores filósofos, os maiores cientistas, os maiores artistas e as melhores universidades, o Brasil simplesmente saiu da história intelectual do mundo. Saiu pelo ralo. Pode-se perguntar o que deu errado e responder com máxima objetividade: Tudo.

A pergunta sobre evolução e decadência não é sempre descabida. Basta que seja limitada a entes e processos historicamente mensuráveis e que você esteja preparado para agüentar o tranco da resposta.

Natal 2009/Christmas 2009

Olavo de Carvalho

23 de dezembro de 2009

Musicalmente, alguns preferem Tristão e Isolda, mas, em matéria de força dramática e riqueza de significado, a ária final de Wotan em As Valquírias, “Leb Wohl” (“Adeus”), é sem dúvida o cume da obra de Richard Wagner. Que é que isso tem a ver com o Natal? Espere um pouco e deixe-me relembrar a cena.

Pressionado por sua esposa Fricka, que lhe cobra seus deveres de mantenedor da ordem cósmica, Wotan, o equivalente germânico de Zeus, promete, a contragosto, punir com a morte seu neto Siegmund, culpado de adultério e incesto com sua irmã Sieglinda. Para isso, ele envia sua filha mais querida, Brunilda, ao local onde o marido de Sieglinda vai duelar com Siegmund, para assegurar que Siegmund, privado de todo auxílio divino, seja morto no duelo. No momento decisivo, Brunilda deixa-se tomar de compaixão por Siegmund e, descumprindo a ordem recebida, tenta protegê-lo. Wotan tem de intervir pessoalmente, fazendo em pedaços a espada mágica de Siegmund e deixando que ele seja morto pelo marido de Sieglinda, Hunding. Tão logo termina o duelo, Wotan, desgostoso consigo próprio e cheio de desprezo pelo vencedor, mata Hunding com um simples sopro. Agora o rei dos deuses tem de punir a filha, para não permitir que um ato de traição perturbe a ordem do Valhalla, o céu dos deuses germânicos. Atormentado pelo conflito insolúvel entre o dever de governante e o amor paterno, Wotan queixa-se de que, entre todos os seres, o mais miserável e sofredor é ele próprio. No instante em que ele se prepara para matar Brunilda, ela apela à compaixão do pai, pedindo que a sentença de morte seja substituída pela de expulsão. Wotan abraça ternamente a filha e a faz adormecer numa montanha protegida por um círculo de fogo, prometendo que nenhum homem indigno tocará nela e que, ao despertar como criatura humana, desprovida de poderes divinos, ela terá por marido um nobre guerreiro que a protegerá de todos os males. Wotan despede-se da filha e, enquanto ela adormece, sai cabisbaixo, derrotado pelo seu próprio poder.

Esse episódio marca o instante em que a ordem do mundo mitológico entra em contradição consigo própria e descobre o seu limite. No mundo dos deuses não há lugar para a compaixão. Só no mundo humano Brunilda poderá desfrutar os benefícios do perdão que o pai tão ardentemente lhe deseja conceder. Nesse momento, a lei dos deuses admite que há uma justiça superior à do próprio Wotan-Zeus. A ordem cósmica só pode ser restaurada mediante o sacrifício de Wotan, mas ele próprio entende isso como um sofrimento absurdo, uma incongruência, uma irregularidade. Quando Brunilda despertar, ela estará num novo mundo, onde o auto-sacrifício do deus não será mais uma irregularidade, e sim o princípio mesmo da lei que rege o universo. O Deus invisível e sem nome que impera muito acima de Wotan oferece o seu próprio Filho em sacrifício, porque sabe que nenhum sacrifício humano pode restaurar a ordem: só o sangue do próprio Deus tem esse poder. O adeus de Wotan é o mundo antigo que se despede, baixando a cabeça ante uma ordem superior a que o próprio Wotan obedece, mas que ele não pode compreender.

É o advento desse mundo novo, a tomada de consciência universal dessa nova ordem, onde o perdão não é a exceção mas a regra, que se celebra no Natal. O gesto incomum de Wotan será aí a lei geral e eterna, que restaura a ordem do mundo não uma vez, mas a cada instante, de novo e de novo, injetando no mundo finito novas e novas possibilidades que vêm do amor infinito. Ao adeus de Wotan, baixado o pano sobre a cena mitológica, segue-se o nascimento de Cristo, o advento da Nova Aliança onde Brunilda será perdoada não uma vez, mas vezes infinitas. O perdão não é um ato raro e excepcional, que quase às escondidas ludibria a ordem cósmica em nome do amor paterno. Ele é a lei fundamental do universo, a base mesma de toda existência.

ftp://camerata.mine.nu/hines/Jerome%20Hines-Leb%20Wohl%201961%20Bayreuth.mp3

Musically, some prefer Tristan and Isolde, but in the matter of dramatic power and richness of meaning, Wotan’s final aria in The Valkyrie, “Leb Wohl” (Farewell), is doubtless the pinnacle of Richard Wagner’s work. What does that have to do with Christmas? Hold on a while, and let me recall the scene.

Pressured by his wife Fricka, who urges him to fulfill his duties as maintainer of the cosmic order, Wotan, the Germanic counterpart of Zeus, unwillingly promises to punish by death his grandson Siegmund—guilty of adultery and incest with his sister Sieglinde. To achieve this goal, Wotan sends his dearest daughter, Brünnhilde, to the place where Sieglinde’s husband will fight a duel with Siegmund, to ensure that Siegmund, deprived of all divine assistance, is killed in the duel. At the decisive moment, Brünnhilde allows herself to be overcome with compassion for Siegmund, and disobeying the order she received, attempts to protect him. Wotan has to intervene personally, breaking Siegmund’s magic sword into pieces and letting him be killed by Sieglinde’s husband, Hunding. As soon as the duel comes to an end, Wotan, displeased with himself and full of contempt for the winner, kills Hunding with a simple puff of breath. Now the king of the gods has to punish his daughter, in order not to permit that an act of treason disturbs the order of Valhalla, the heaven of the Germanic gods. Tormented by the insoluble conflict between the duties of rulership and paternal love, Wotan complains that he himself among all beings is the most suffering and miserable one. At the moment that he prepares to kill Brünnhilde, she appeals to her father’s compassion, requesting that her death sentence may be substituted for banishment. Wotan tenderly embraces his daughter and soothes her into sleep on a mountain peak protected by a ring of fire, promising that no unworthy man will ever touch her and that, when she awakes as a human creature, deprived of divine powers, she will have for a husband a noble warrior, who will protect her from all evil. Wotan bids his daughter farewell and, while she is falling asleep, departs downcast, defeated by his own power.

This episode marks the instant at which the order of the mythological world falls into contradiction with itself and discovers its limit. Compassion has no place in the world of gods. Only in the human world will Brünnhilde be allowed to enjoy the benefits of the forgiveness that her father so ardently wishes to grant her. At this moment, the law of the gods admits that there is a higher justice than that of Wotan-Zeus himself. The cosmic order can only be restored through Wotan’s sacrifice, but he himself understands this as absurd suffering, incongruity, irregularity. When Brünnhilde awakes, she will be in a new world, where the god’s self-sacrifice will no longer be an irregularity, but rather the very principle of the law governing the universe. The nameless and invisible God who reigns far above Wotan offers his own Son in sacrifice, because He knows that no human sacrifice can restore order: only the blood of God Himself has such power. Wotan’s farewell is the ancient world taking its leave, lowering his head before a higher order which Wotan himself obeys, but cannot comprehend.

It is the advent of this new world, the coming to the universal awareness of this new order, where forgiveness is not an exception but the rule, which is celebrated at Christmas. There, Wotan’s uncommon gesture will be the general and eternal law, which restores the order of the world not just once, but at every moment, over and over again, injecting ever new possibilities coming from the infinite love into the finite world. What follows Wotan’s farewell, after the curtain is drawn down upon the mythological scene, is the birth of Christ, the advent of the New Alliance where Brünnhilde will be forgiven not only once, but infinite times. Forgiveness is not a rare and exceptional act, which, in the name of paternal love, deceives the cosmic order almost in an underhanded way. Forgiveness is the fundamental law of the universe, the very basis of all existence.

(Translated by Alessandro Cota)

ftp://camerata.mine.nu/hines/Jerome%20Hines-Leb%20Wohl%201961%20Bayreuth.mp3

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