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Diálogo no elevador

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 10 de maio de 2012

Seria ótimo se o sr. Rodrigo Constantino, antes de dar lições ao mundo, aprendesse a gramática do idioma em que escreve.

“O ‘filósofo’ Olavo de Carvalho – diz ele – dedicou seu espaço inteiro no Diário do Comércio à minha pessoa. Como não o dou a mesma importância, não pretendo respondê-lo em meu precioso espaço de O Globo” etc. etc.

“Olavo de Carvalho”, na frase, é objeto indireto, requerendo, portanto, o pronome indireto: “não lhe dou a mesma importância”. Provando que não cometeu a mancada por distração, mas por genuíno desconhecimento da concordância pronominal, o autor do trecho reincide no erro já na oração seguinte: “Não pretendo respondê-lo”, em vez de “responder-lhe”.

Se a coisa fosse no Globo, uma providencial editoria de texto salvaria em tempo a reputação do articulista, que, no seu blog pessoal, sofre as conseqüências fatais de ser deixada aos cuidados dele próprio.

Após esse começo triunfal, o sr. Constantino volta à ostentação de importância, jurando que mal tem tempo de prestar atenção à minha insignificante pessoa. No instante em que escrevia isso, ele não sabia que essa afetação de superior indiferença já estava desmascarada, no meu programa de rádio, pela sua confissão de estar escrevendo não um pobre artigo, mas um romance inteiro no qual consto como personagem, sob o nome de “Otávio de Ramalho”. Sabendo-se que a criação romanesca exige muito mais profundo envolvimento emocional do autor do que a redação veloz de um artigo de jornal, não é curioso que o sujeitinho indigno de um fugaz olhar jornalístico seja alvo de tão lisonjeira atenção literária?

Tudo no mundo tem um preço: quem vive de poses e fingimentos sempre acaba, mais dia, menos dia, dando com a língua nos dentes, exibindo aquilo que mais desejaria ocultar.

Em seguida, o sr. Constantino revela uma vez mais sua completa ignorância das regras elementares da argumentação e da prova, ao alegar que a dedução que tirei de uma afirmação sua (no Youtube) é “um reductio ad absurdum”. Em primeiro lugar, ele não deveria usar expressões latinas se não sabe latim. Ostentação sempre termina em vexame. Reductio é feminino, portanto deve-se escrever “uma reductio” e não “um reductio”. Em segundo lugar, a reductio ad absurdum consiste em ir tirando, de uma afirmação, conseqüências cada vez mais amplas e mais remotas, até chegar a alguma que seja ou pareça absurda. Foi isso precisamente o que não fiz com a sentença do sr. Constantino. Não o fiz e até adverti explicitamente que não se deve fazer. O que fiz foi extrair dela a conseqüência mais imediata, exigida incontornavelmente pelo próprio enunciado da sentença. O sr. Constantino, com toda a evidência, não sabe o que é reductio ad absurdum, termo que ele mal lambeu numa leitura apressada dos meus comentários a Schopenhauer e saiu usando para parecer bonito.

Vejamos. O sr. Constantino defende a legalização do aborto com base no argumento de que o feto não é humano desde a concepção. O que extraí daí foi a conseqüência óbvia de que, se o feto não é reconhecido como humano por natureza, portanto desde a concepção, alguém terá de decidir qual o instante em que ele se torna humano, e essa decisão, para ter valor legal obrigante, só poderá ser tomada pelo Estado. Logo, de maneira imediata e incontornável, o argumento do sr. Constantino dava ao Estado a prerrogativa de conceder ou negar aos nascituros o estatuto de seres humanos.

Não há aí nenhuma reductio ad absurdum, pelo fato mesmo de que essa conseqüência, em si, não é absurda, nem eu jamais disse que fosse. Ela é apenas difícil de justificar desde o ponto de vista liberal que é o do sr. Constantino, pois como lutar pela redução do poder do Estado quando se concede a ele uma prerrogativa tão alta, e de tão vastas conseqüências, como a de separar, entre os filhos de seres humanos, os que merecem e os que não merecem ser tratados como seres humanos?

Ao revoltar-se contra essa conclusão, bradando que a “coloquei na sua boca”, o sr. Constantino revelou não compreender as implicações mais óbvias e patentes do que diz. Pego de calças na mão, ele se mela num ridículo maior ainda com uma deplorável exibição de inépcia gramatical e falsa cultura.

Por fim, provando novamente que não sabe mesmo o que é reductio ad absurdum, ele próprio, após tê-la condenado como desonesto recurso de erística, lança mão dela por sua vez, sem nem em sonhos perceber que o faz, ao proclamar que minha oposição ao poder estatal de decretar o começo da vida humana, se levada às suas últimas conseqüências, terminará por negar ao Estado todo direito de cobrar impostos.

Compreende-se que a um debatedor tão pobre de instrumentos intelectuais não reste muita saída senão apelar, em desespero, à afetação de desprezo superior e, é claro, às infalíveis aspas pejorativas.

Da minha parte, não me considero suficientemente importante para negar atenção ao sr. Constantino ou a quem quer que seja. Meu compromisso jornalístico, de analisar o estado mental das classes influentes com base nas palavras de seus representantes, exige que eu fale de pessoas que, justamente por sua inépcia presunçosa, se tornam representativas do estado de debacle cultural que desejo expor.

Quando me criticam por dar atenção a quem não merece, respondo com o episódio em que se encontraram no elevador do Estadão dois articulistas célebres, um comunista, o outro conservador, respectivamente Miguel Urbano Rodrigues e Lenildo Tabosa Pessoa. Lenildo entrou e saudou o colega:

– Bom dia!

Miguel Urbano, azedo, retrucou:

– Não cumprimento f. da p.

Lenildo não pestanejou:

– Pois é. Mas eu cumprimento.

Geração sanguessuga

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 13 de fevereiro de 2009

Quando François-Noël Babeuf (1760-1797) fundou a primeira organização comunista de massas, ele fixou algumas regras para identificar os militantes capacitados e distingui-los dos oportunistas e aproveitadores. Essas regras foram absorvidas depois pela Primeira Internacional de Karl Marx e se tornaram parte integrante da tradição comunista. São até hoje um dos fatores essenciais que dão força e consistência ao movimento revolucionário. Filippo Buonarrotti, no livro que consagrou à epopéia babeufista, resume algumas delas:

* Devoção aos princípios da organização e disposição de sacrificar a eles o interesse pessoal e os prazeres.
* Coragem, desprezo pelo perigo e pelas dificuldades.
* Paciência e perseverança.
* Respeito pela hierarquia.
* Inviolável respeito à palavra dada, à promessa e aos votos.
* Nenhum desejo de brilhar, de dar impressão ou de se impor.

São normas de senso comum, sem as quais nenhuma organização pode prosperar, nenhum movimento político pode crescer, nenhum grupo humano pode avançar um passo sem tropeçar em dificuldades invencíveis e assistir, impotente, à vitória do inimigo perseverante, devotado, disciplinado e organizado.

Se o PT chegou aonde chegou, não foi pelos ardis maquiavélicos dos ladrões que o lideram. Foi graças ao esforço devotado de milhares de militantes anônimos que durante décadas ofereceram generosamente ao partido seu dinheiro e suas horas de trabalho, enfrentando toda sorte de riscos e dificuldades sem outra esperança senão a de que o socialismo petista pudesse dar a todos os brasileiros uma vida melhor.

Se querem saber por que a direita no Brasil é tão fraca, tão vacilante, tão incapaz de erguer a cabeça e enfrentar o adversário com algum sucesso, perguntem a si próprios quantos liberais e conservadores, no seu círculo de conhecidos, têm alguma daquelas virtudes mínimas requeridas de um militante comunista. Quantos aceitam sacrificar mesmo um pouco de suas ambições capitalistas do presente para assegurar que a democracia capitalista continue existindo no futuro? Quantos não tremem de pavor ante a mera possibilidade de ser, não digo assassinados, não digo surrados, não digo perseguidos, mas simplesmente xingados ou desprezados pelos esquerdistas? Quantos não evitam a companhia de seus correligionários mais corajosos, só para não ser rotulados de extremistas junto com eles, mesmo sabendo que o rótulo é injusto? Quantos entendem a diferença entre defender a liberdade de mercado e beneficiar-se dela deixando a outros menos beneficiados, ou não beneficiados de maneira alguma, o encargo de defendê-la?

Minha experiência, nesse sentido, foi bem decepcionante. Durante muitos anos fui praticamente o único, na grande mídia, a defender os valores que a esquerda odeia – pelo menos o único a defendê-los com alguma eficiência, erguendo a discussão para um plano de exigência intelectual e de franqueza verbal em que meus adversários sentiam falta de ar e preferiam abandonar a luta. Rompi a marteladas o manto de chumbo com que a ideologia dominante esmagava, ora sob insultos atemorizantes, ora sob afetações de desprezo olímpico, toda veleidade de oposição. Contra tudo e contra todos, abri um espaço. Quem veio ocupá-lo? Um exército de militantes, de combatentes, de homens valentes dispostos a honrar o exemplo do antecessor? Sim, vieram alguns com esse espírito, e muito me orgulho deles. Mas em geral o que vi foi uma horda de oportunistas esfomeados, que na atmosfera mais respirável que se abria não viam um horizonte de luta, mas um mercado, uma promessa de lucros fáceis, uma oportunidade de subir na vida sem fazer força. As palavras conservadorismo, liberalismo, democracia, não atingiam os seus corações como um chamamento ao dever: afagavam seus ouvidos como um sussurro sedutor, rebrilhavam em seus olhos como cifrões esculpidos em ouro. Eles entravam, pois, em campo, decididos não a continuar o que eu havia começado, mas a explorá-lo em proveito próprio, vendendo logo a primeira colheita em vez de replantar as sementes. Para isso, evidentemente, tinham de transmutar o fruto do meu trabalho em um produto menos ácido, mais palatável, próprio a ser consumido como divertimento intelectual em vez servir de combustível e munição. Não vinham lutar ao meu lado, mas tentar ocupar o meu lugar o mais rápido possível, chutando para um canto o pioneiro incômodo e substituindo ao seu discurso exigente e implacável o estilo castrado e acomodatício dos oportunistas e dos sedutores.

Orgulho nacional

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 07 de junho de 2007

Enquanto o público não tira os olhos da Venezuela, o totalitarismo esquerdista avança em outros pontos da América Latina sem ser notado, usando meios menos espalhafatosos mas nem por isto menos cínicos e brutais que os de Hugo Chávez.

No Equador, o deputado Luís Fernando Torres divulgou um vídeo que mostrava o ministro da Economia, Eduardo Patiño, tramando com investidores uma negociata para lucrar com os juros da dívida externa. Que aconteceu ao ministro? Nada. Mas Torres teve seu mandato cassado por “crime de sedição” junto com outros 56 deputados que o apoiavam. Se isso não é um golpe de Estado, não sei o que é. O próprio Chávez não teve peito para destruir a oposição com um ataque tão direto e mortífero. No dia seguinte, o presidente Correa, para impedir que o deputado recorresse a tribunais internacionais, solicitou que a Justiça o proibisse de sair do país. Enquanto os juízes, envergonhados, protelavam a decisão, Torres veio a Washington, sem dinheiro nem para o hotel, pedir socorro à Comissão de Direitos Humanos da OEA. Vã esperança. A OEA é uma sólida fortaleza do comuno-chavismo. O Equador foi jogado aos cães, e ninguém está nem ligando.

Porém o único esquema esquerdista que tem métodos infalíveis para se assegurar do poder total é o brasileiro. Ele não precisa temer protestos populares, porque tem o monopólio absoluto das agitações de rua. Nem os políticos de oposição, porque antes mesmo de chegar ao governo já havia destruído a maioria deles pela técnica do denuncismo e emasculado ideologicamente os restantes. Não precisa temer a Igreja, porque, seguindo a receita de Antonio Gramsci, já se apossou dela como um íncubo, sugando-lhe a alma e transformando-a num megafone da propaganda comunista. Não precisa temer o empresariado, cuja única expectativa de sobreviver ao assédio do fisco é beijar as mãos do Partido-Estado. Não precisa temer a mídia, já que ela se sujou tanto para ajudá-lo a ocultar a trama do Foro de São Paulo por 16 anos, que perdeu todo vestígio de autoridade moral e hoje o máximo que se permite é a obediência incompleta, a subserviência camuflada sob surtos esporádicos de ranhetice pro forma. Não precisa temer as pressões de fora, porque a fidelidade canina ao esquema globalista da ONU lhe garante as afeições do establishment europeu e americano. Não precisa temer as Forças Armadas, porque já dissolveu numa bem dosada poção de calúnias e seduções a antiga fibra anticomunista dos militares e porque tem o domínio estratégico do território através das organizações de massa, articuladas com as gangues de criminosos locais e com as Farc.

Nem as denúncias de corrupção, mil vezes mais volumosas e graves do que aquelas que atingiram os governos passados, o abalam no mais mínimo que seja. Só servem para demonstrar a impotência das leis, de novo e de novo, até desmoralizá-las por completo. Mesmo na hipótese remota de o atual presidente ser um dia submetido a impeachment, a esquerda continuará no comando, pela simples razão de que não tem nenhum concorrente, exceto – cum grano salis – os tucanos, os quais já facilitaram ao máximo a esquerdização do país quando estavam no governo e o farão novamente se para lá voltarem. A social-democracia, afinal, nunca teve outra razão de existir senão usurpar o lugar da direita e legitimar a ascensão da esquerda revolucionária mediante um arremedo de resistência, esvaziado, profilaticamente, de todo sentido ideológico.

Os poucos hiatos restantes no sistema de controle totalitário vão sendo preenchidos por meios indiretos, suaves, insensíveis, sob pretextos os mais variados e insuspeitos em aparência, ludibriando magistralmente a opinião pública que a tudo se submete por incapacidade de perceber o esquema como um todo.

Comparados à esquerda brasileira, astuta, racional, paciente, fria, segura de si, Chávez, Correa ou Morales são apenas amadores. De uma coisa o nosso país pode se orgulhar: de ser governado pelos mais hábeis vigaristas políticos do continente.

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