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Falsificação integral

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 25 de maio de 2014

          

Já nos primeiros dez minutos do seu debate com Flávio Morgenstern no Grêmio Politécnico, sobre a ditadura militar (ver aqui), o prof. Igor Fuser exemplificou com rara concisão a regra de que ninguém pode mentir com eficiência se não falsifica primeiro a própria Ele começou se queixando de que não há espaço para debates sobre o tema na grande mídia, onde reina a versão oficial única e indiscutível. Quem o ouvisse acreditaria, portanto, estar diante de um porta-voz da minoria amordaçada. Uma vez transmitida essa impressão, o prof. Fuser estava livre para impingir à platéia, sem temor de represálias, a mesma versão oficial à qual ele parecia se opor. E assim ele fez.
Essa versão é a seguinte: Em 1964 um governo democrático estava empreendendo, por vias legais democráticas, algumas reformas patrióticas que alarmaram o capital estrangeiro, o qual então se mobilizou para derrubar o presidente e instaurar uma ditadura.
É o que toda a mídia alardeia há mais de vinte anos, o que se repassa às crianças em todas as escolas do país, o que se imprime e reimprime em livros e mais livros de História. E foi o que o prof. Fuser repetiu com a cara mais bisonha do mundo, bem protegido sob a sua aparência enganosa de contestador da uniformidade.
É versão cem por cento falsa.
Em primeiro lugar, João Goulart não promoveu reforma nenhuma. Falou muito em reformas, mas até o último dia o Parlamento lhe implorou que enviasse ao menos um projeto delas, coisa que ele adiou, adiou e acabou não fazendo nunca. A lei mesma da remessa de lucros, que segundo o prof. Fuser teria sido a “causa imediata” do golpe, só o que Goulart fez com ela foi sentar-se em cima do projeto, que acabou sendo aprovado por iniciativa do Congresso, sem nenhuma participação do presidente. Se a fúria do capital estrangeiro contra essa lei fosse a causa do golpe, este teria se voltado não contra Goulart e sim contra o Congresso – Congresso que, vejam só, aprovou o golpe e tomou, sem pressão militar alguma, a iniciativa de substituir Goulart por um presidente interino.
Em segundo lugar, é falso que Goulart governasse por meios democráticos. Num governo democrático, o executivo não reina como um monarca absoluto, mas obedece as leis e cede às decisões do Congresso democraticamente eleito. Goulart fez tudo o que podia para fechar o Congresso, mandou invadir com tropas militares o Estado da Guanabara, fortaleza da oposição, e prender o governador Carlos Lacerda, matando-o se resistisse (a operação falhou por um triz). Não hesitou mesmo em usar contra esse Estado o recurso stalinista da “arma da fome”, vetando, através do seu cunhado Leonel Brizola, o fornecimento do arroz gaúcho que era uma das bases da alimentação do povo carioca. Como se isso não bastasse, protegeu a intervenção armada de Cuba no território brasileiro, ocultando as provas e enviando-as, por baixo do pano, a Fidel Castro. É eufemismo dizer que Goulart tramava um golpe de Estado: seu mandato foi uma sucessão de golpes de Estado abortados.
Terceiro: não houve nenhuma, literalmente nenhuma participação americana na preparação do golpe. A famosa “Operação Brother Sam”, tão demonizada pela esquerda, nunca foi nem poderia ter sido nada disso, e só adquiriu essa aparência graças a uma vasta campanha de desinformação lançada pela KGB logo após o golpe, conforme confessou o próprio chefe da agência soviética então lotado no Brasil, Ladislav Bittman. Nesse ponto a mendacidade esquerdista chega a ser deslumbrante. Todos os jornais do país – a maldita grande mídia a que o prof. Fuser finge se opor – até hoje usam como prova da cumplicidade americana a gravação de uma conversa telefônica na qual o embaixador Lincoln Gordon pedia ao presidente Lyndon Johnson que tomasse alguma providência ante o risco iminente de uma guerra civil no Brasil. Johnson, em resposta, determinou que uma frota americana se deslocasse para o litoral brasileiro. Fica aí provado, na cabeça ou pelo menos na boca dos fúseres, que os americanos foram, se não os autores, ao menos cúmplices do golpe. Mas, para que essa prova funcione, é necessário escamotear quatro detalhes: (1) A conversa aconteceu no próprio dia 31 de março, quando os tanques do general Mourão Filho já estavam na rua e João Goulart já ia fazendo as malas. Não foi nenhuma participação em planos conspiratórios, mas a reação de emergência ante um fato consumado. (2) A frota americana estava destinada a chegar aos portos brasileiros só em 11 de abril. Ante a notícia de que não haveria guerra civil nenhuma, retornou aos EUA sem nunca ter chegado perto das nossas costas. (3) É obrigação constitucional do presidente dos EUA enviar tropas imediatamente para qualquer lugar do mundo onde uma ameaça de conflito armado ponha em risco os americanos ali residentes. Se Johnson não cumprisse essa obrigação, estaria sujeito a um impeachment. (4) As tropas enviadas não bastavam nem para ocupar a cidade do Rio de Janeiro, quanto mais para espalhar-se pelos quatro cantos do país onde houvesse resistência pró-Jango e dar a vitória aos golpistas.
Para completar: se não houve intervenção americana, houve sim  intervenção soviética, e profunda. Se até hoje a esquerda vociferante não conseguiu dar o nome de nenhum agente da CIA então lotado no Brasil – e, sem eles, como participar de uma conspiração? –, documentos recém-revelados provam – com  Em dez minutos, o prof. Fuser conseguiu falsificar nada menos que tudo.

A KGB no Brasil

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 23 de março de 2014

          

Quem leu o meu artigo “A história proibida”, publicado no último número do Digesto Econômico (http://goo.gl/QKdEya), não deve perder o vídeo “O Brasil nos arquivos de espionagem do bloco soviético” (http://www. youtube.com/watch?v= Dbt1rIg8FbI), que o confirma integralmente com documentos de fonte primária revelados pela primeira vez no mundo.

Os papéis, obtidos diretamente dos arquivos da polícia secreta da antiga Checoslováquia, estavam, desde o fim do regime comunista, guardados no acervo do Instituto para o Estudo dos Regimes Totalitários, na República Checa, onde, com a ajuda de pesquisadores locais, foram encontrados por Mauro Abranches, um tradutor brasileiro que mora na Polônia.

Sem qualquer intenção política, o autor do vídeo se abstém de opinar sobre o conteúdo dos documentos. Apenas os exibe e traduz. Mas eles falam por si, e o que dizem compõe um requisitório devastador contra a pseudo-historiografia, sectária e mendaz, que há décadas intoxica a mentalidade dos brasileiros com uma versão unilateral e deformada de sessenta anos da vida política nacional.

O que caracteriza essa bibliografia, consagrada no mercado editorial, na grande mídia e nos currículos universitários como verdade de evangelho, é a balela pueril de que tudo o que aconteceu na política brasileira, nos anos 60-70 do século 20, foi o conflito entre agentes de uma superpotência imperialista, armados até os dentes, e, do outro lado, um punhado de bravos patriotas minoritários, isolados e entregues praticamente inermes à mercê de um poder tirânico e repressivo.

Quando reconhecem que a luta foi um episódio da Guerra Fria, buscam dar a impressão de que esta se travou entre os americanos e um grupo de brasileirinhos desamparados.O antagonista maior dos EUA, a URSS, desaparece por completo, dando a entender que a ameaça comunista, na época, era um delírio de direitistas paranóicos ou a desculpa esfarrapada dos golpistas para derrubar um governo democraticamente eleito.

Milhares de livros, reportagens, teses universitárias e especiais de TV construíram e defenderam laboriosamente essa versão, que se baseava e se baseia até hoje, essencialmente, em dois pilares: (a) a repetição servil e obstinada do que os serviços secretos soviéticos mandaram dizer; (b) a ocultação sistemática da atuação da KGB e de seus parceiros tchecos no Brasil.

Complementarmente, o papel dos EUA na produção dos acontecimentos aparece monstruosamente ampliado, a despeito do fato de que na época nem mesmo o chefe da KGB no Brasil, Ladislav Bittman, sabia de qualquer agente da CIA lotado no país e até hoje nenhum nome de espião americano comprovadamente associado ao planejamento do golpe de 1964 jamais apareceu. Nem um único sequer.

Em 1985 Bittman publicou o livro de memórias The KGB and Soviet Disinformation ,no qual confessava que a história da participação americana na derrubada de João Goulart fôra inteiramente inventada pelos seus subordinados, na base de documentos forjados.

A “Operação Thomas Mann” ou “Operação Toro”, como a chamaram seus criadores, ditou os termos em que a história do golpe deveria ser escrita. Até jornalistas do calibre de um Otto Maria Carpeaux ajudaram a impingi-la ao público. E ainda hoje a vontade de Moscou é obedecida sem discussões por milhares de jornalistas, historiadores e professores neste país.

Não há talvez, na história do mundo, exemplo similar de tão duradoura fidelidade residual às ordens de um regime extinto. Desde 2001 insisto que entrevistar Bittman seria o dever estrito de qualquer historiador ou jornalista que desejasse contar com honestidade a história de 1964, mas, é claro, fui sempre recebido com um silêncio desdenhoso. A hipótese, então, de investigar mais amplamente nos arquivos soviéticos a penetração da KGB no Brasil, essa era repelida como um verdadeiro crime de lesa-pátria.

Mas agora não se trata só da palavra de um agente secreto aposentado ou do clamor de um articulista maluco. São centenas de páginas de um acordo oficial assinado no início dos anos 60 entre a KGB e o serviço secreto checo (STB) para operações no Terceiro Mundo, incluindo o Brasil.

A conclusão é incontornável: enquanto a ação dos serviços secretos americanos nas altas esferas da vida nacional primava pela rarefação ou pela completa ausência, a KGB-STB estava infiltrada e atuante em todos os escalões do poder, incluindo-se aí ministérios, empresas estatais e Forças Armadas, instituições científicas e educacionais e, é claro, grande mídia. A “ameaça comunista” nunca foi um pesadelo de malucos ou uma “teoria da conspiração”, mas sim uma presença intrusiva e avassaladora, o mais profundo golpe já desferido na soberania nacional.

Os documentos trazem, junto com o plano, um extenso relato das operações já em curso de realização, com os nomes das entidades infiltradas, das ações aí empreendidas e, melhor que tudo, dos agentes encarregados.O prof. Abranches, com muita razão, pede que esses nomes não sejam ainda denunciados, por ser impossível distinguir, num primeiro momento, quais deles são de agentes profissionais e quais os de pessoas que foram forçadas a colaborar com a polícia secreta mediante chantagem ou ameaça.

Não comentarei, portanto, aqueles que pude ler na tela e reconheci de imediato.

Só digo uma coisa: muitos desses velhos servidores de uma potência genocida ainda estão por aí, brilhando nos jornais e nas cátedras, com as caras mais respeitáveis do mundo, ludibriando diariamente o público brasileiro. “Não existe ex-KGB”, ensina Vladimir Putin.

Mais duguinismo

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 16 de março de 2014

          

Num post publicado na semana passada em sua página do Facebook, o professor Alexandre Duguin afirma: “Os americanos estão nas mãos de um grupo de terroristas extremistas. Estes não são verdadeiros americanos. Eles não compartilham dos reais e profundos valores americanos. Eles sacrificam a América aos interesses de uma oligarquia financeira internacional e global.”

É no mínimo estranho que ele agora diga isso, pois essa foi precisamente a tese que defendi no debate que tive com ele, e contra a qual ele esperneou o quanto pôde, insistindo na balela de que o globalismo é a expressão do interesse nacional americano.

O livro que transcreve o debate na íntegra levou o título de Os EUA e a Nova Ordem Mundial (Vide Editorial, 2012), precisamente porque esse era o ponto crucial da nossa divergência: a Nova Ordem Mundial é o poderio americano expandindo-se para dominar o mundo ou é, ao contrário, uma estratégia para demolir a nação americana e subjugá-la aos seus principais inimigos?

Ao ver finalmente a luz, o prof. Duguin poderia pelo menos ter tido a gentileza de reconhecer que não a enxergou por iniciativa própria, mas que foi levado a isso a contragosto, pelas razões mais fortes dadas pelo seu adversário.

Mas ele teve motivos muito sérios para infringir tão patentemente as regras da concorrência intelectual. Ao contrário deste articulista, o prof. Duguin não é um escritor independente, empenhado tão somente em tentar orientar-se na confusão do mundo. É um ideólogo e um líder, o condutor de um movimento político mundial apoiado e subsidiado pelo governo russo.

O objetivo desse movimento é declaradamente destruir a aliança Estados Unidos -Inglaterra-Israel e impor o domínio russo a todo o planeta, tudo sob as vestes de um hipotético e simbólico “Império Eurasiano”.

É por isso mesmo que o prof. Duguin, ao endossar finalmente as palavras de que discordava, não pode confessar de quem as ouviu. Se o fizesse, teria de lhes dar o sentido que tinham na emissão originária. Mas, em vez disso, ele quer usá-las para os seus próprios fins, que continuam incompatíveis com as convicções do seu adversário.

Noutros termos: se ele não conseguiu derrotar o oponente, vai tentar tirar proveito da vitória deste, fingindo que foi sua própria.

Para isso o prof. tira, das palavras que repete, uma conclusão que, parecendo imitar, na verdade, inverte a que elas impunham originalmente. As forças anti-americanas que dominam a América, prossegue ele, “subsidiam o wahabbismo, o terrorismo, Israel, os neonazistas ucranianos e os trotsquistas”.

Vamos por partes.

1 Wahabbis são a classe dominante da Arábia Saudita. Ninguém os subsidia. Eles é que subsidiaram a carreira de Barack Hussein Obama, compraram boa parte da grande mídia norte-americana e atualmente são praticamente os donos de metade da cidade de Nova York. É o presidente americano que se prosterna ante o rei saudita, e não ao inverso. Os Wahabbis são parte integrante da elite anti-americana que hoje persegue e marginaliza os cristãos e que favorece a ascensão islâmica por todos os meios possíveis e imagináveis.

2 É verdade que essa elite financia os trotsquistas, mas não só eles: financia toda sorte de movimentos esquerdistas e anti-americanos, inclusive aqueles que o “eurasianismo” procura agora seduzir para disputar com os globalistas quem destrói mais depressa os EUA.

3 Também é verdade que a elite globalista financia movimentos terroristas; porém entre estes se incluem aqueles que têm excelentes relações com a Rússia, como por exemplo o Hamas. Onde quer que se prenda um terrorista islâmico, ele tem invariavelmente na mão uma arma russa, ou às vezes chinesa.

4 Os americanos obviamente apoiam a rebelião ucraniana, mas até agora não surgiu nenhuma prova razoável de que os tais “grupos neonazistas” tenham sido criados ou subsidiados pela CIA. Ao contrário, criar esses grupos, infiltrá-los em nações adversárias e em seguida choramingar que apenas está se defendendo contra uma agressão nazista é uma velha e clássica especialidade da KGB e dos serviços secretos dos antigos “países satélites”. O tempo vai dizer de onde surgiram os neonazistas ucranianos. Por enquanto, o que não faz sentido é acreditar, a priori, na propaganda russa.

5 E Israel? Nos EUA até as crianças sabem que a política globalista da dupla Obama-Kerry é isolar Israel e dar mão forte aos palestinos. Quem luta para restaurar a aliança EUA-Israel são justamente os cristãos conservadores apegados aos “reais e profundos valores americanos”, hoje tão achincalhados pelo establishment.

Em suma: na sua luta pelo domínio do mundo, os globalistas ocidentais e o “Império Eurasiano” estão de pleno acordo em um ponto: eles querem tirar do caminho a América e Israel.

De acordo com o apóstolo do eurasianismo, dá na mesma fazer isso culpando a nação americana pelos desvarios dos globalistas que a exploram, ou, pelo contrário, fingir protegê-la deles para com isso jogá-la contra Israel.

***

Talvez não seja uma coincidência: ao mesmo tempo que o prof. Duguin usurpa minhas palavras para lhes dar um uso que não aprovo, devotos duguinistas se empenham numa campanha insana de “character assassination”, contra mim, alardeando, no site de um certo Institute for Eurasian Studies, que eu sou um perigosíssimo “agente islamo-sionista-maçom” (alguém pode me dizer o que é isso?), empenhado em destruir a Igreja Católica e “fomentar uma guerra civil no Brasil”.

A melhor coisa a fazer comigo, como concluem singelamente, seria condenar-me à morte por “crime de sedição e lesa-pátria”…

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