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O óbvio invisível

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 17 de dezembro 2007

A característica mais óbvia e permanente da estratégia gramsciana para a instauração do comunismo, característica que a distingue radicalmente do método leninista, é que ela evita na máxima medida possível a intervenção revolucionária direta do Estado sobre a sociedade, preferindo operar transformações profundas por meio de agentes auxiliares informais, isto é, entidades e movimentos não estatais espalhados pelo Partido no seio da própria sociedade civil. A revolução transcorre então de maneira difusa, camuflada e anestésica, desnorteando seus adversários – ou mais propriamente vítimas – ao ponto de tornar inviável qualquer reação organizada.

No Brasil de hoje, os partidos e demais entidades “de oposição” não conseguem sequer ter uma visão de conjunto do processo revolucionário que os engolfa. Na desorientação geral em que se encontram, apegam-se a pontos de detalhe, soltos e inconexos, sem perceber que qualquer vitória parcial aí obtida pode ser sempre reciclada em favor da estratégia revolucionária graças ao domínio superior que esta tem do processo como um todo.

O desnível entre a abrangência da ação revolucionária e o esfarelamento pontilhista das reações é tamanho, que as facções respectivas não parecem viver no mesmo país, nem no mesmo planeta, mas em galáxias distantes e mutuamente incomensuráveis. De um lado, a engenharia de longo prazo, calculada para mudar as estruturas profundas e dominar o todo. Do outro, o empenho míope de preservar interesses grupais imediatos, sem a menor estratégia de conjunto e até sem o menor interesse de conhecer a do adversário.

Um exemplo desse desnível é o empresário que espera aplacar a fúria revolucionária mediante contribuições lícitas ou ilícitas ao partido ascendente, sem pensar que com isso ajuda esse partido a dominar o Estado, portanto a prescindir das suas contribuições e a atirar o contribuinte às chamas na primeira queima de arquivo.

Outro, o do militante cristão que ataca o movimento gay mediante um discurso de pura moralidade tradicional, sem notar que esse movimento é apenas a ponta de lança de uma estratégia muito maior, calculada até mesmo para fazer concessões à moralidade tradicional e trocar, se preciso e no momento devido, o apoio da militância gay pelo das igrejas tradicionais. Ninguém entenderá nada, absolutamente nada do que se passa nesse domínio se não levar em consideração que as forças que instigam os gays contra a moral cristã no Brasil, nos EUA ou na Europa Ocidental são as mesmas, as mesmíssimas que punem o homossexualismo com pena de prisão ou morte nos países comunistas e islâmicos. Essas forças estão tão interessadas em liberdade sexual quanto eu estou interessado em Pokemons . E não conheço, ao menos no Brasil, um só militante cristão que, na sua defesa entusiástica da moral religiosa, tenha parado para pensar que seu discurso – e a progressiva radicalização desse discurso, em reação à escalada gay – pode ter entrado de antemão nos cálculos da estratégia revolucionária. No entanto, pelos frutos os conhecereis: quantas igrejas, fugindo do avanço gayzista, não têm aderido aos partidos de esquerda em troca de duas ou três palavrinhas, de pura esmola e da boca para fora, em favor da moralidade cristã?

Mas o exemplo mais especialmente patético é o fazendeiro que acredita poder defender sua propriedade contratando jagunços, enquanto em torno, sem que ele veja, todas as estruturas jurídicas, sociais e culturais já foram modificadas para colocar contra o seu direito de propriedade os tribunais, a polícia, o exército e até a opinião pública.

Não estou dizendo que os fazendeiros sejam incultos e tolos. Mesmo gente de profissão letrada — jornalistas, empresários, oficiais militares – parece não perceber a obviedade escandalosa de que o que está acontecendo no Brasil não são meras invasões de fazendas: é uma das mais vastas, sistemáticas e irreversíveis operações de transferência de propriedade que já se viram no mundo.

Planejada desde há muitas décadas, no seio de think tanks de esquerda e organismos internacionais, essa operação se desenrola, até agora, em seis fronts simultâneos, articulados para muito além do que as vítimas de seus ataques podem enxergar no momento:

1) A ocupação de fazendas pelos “sem terra”.

2) A ocupação de propriedades urbanas pelos “sem teto”.

3) A transferência de vastas porções de território para as “nações indígenas”, imunes à ação do Estado brasileiro e prontas a declarar sua independência.

4) A desapropriação de casas e terrenos pelos autodeclarados “quilombolas”.

5) A abertura de territórios livres entregues ao domínio de narcotraficantes associados às Farc, vacinados contra toda ação policial.

6) A compra de imensas faixas de terra por estatais chinesas, por agentes da máfia russa (que é o próprio establishment russo) e por milionários árabes com possíveis vínculos com o terrorismo internacional.

Façam as contas da extensão já transferida, avaliem os planos de expansão traçados para os próximos anos, e entenderão que o Brasil tem uma nova classe dominante, ainda espalhada e amorfa em aparência, mas muito bem articulada, como força histórica, no plano estratégico mais vasto. Para qualquer estrategista revolucionário, mesmo chinfrim, a conexão ao menos teórica desses seis pontos é um requisito primário, óbvio e indispensável. E, hoje em dia, a correspondente articulação prática já em ação pode ser facilmente reconstituída, com um pouco de paciência, juntando os pontos entre as entidades envolvidas e desenhando a trama de suas conexões internacionais – um estudo que qualquer analista estratégico medianamente responsável sabe ser a condição inicial de qualquer diagnóstico da situação.

Para as vítimas do processo, no entanto, a mera hipótese dessa articulação parece tão complexa e diabólica que, por medo de ficar com medo, preferem rejeitá-la mediante o apelo irracional, mas infalível, ao chavão prêt-à-porter : “É teoria da conspiração.”

Página negra

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 17 de dezembro 2007

Por que, no meio da gritaria mundial contra as “torturas” supostamente praticadas pelos americanos em Guantanamo, ninguém exibiu até agora uma única vítima mutilada, um único dedo quebrado, um único olho roxo, um hematomazinho de meio centímetro quadrado?

Como é possível alardear em tom de certeza inabalável a prática de tantos crimes hediondos e jamais exibir um só corpo de delito?

Por que não aparece sequer um único testemunho de vítima, descrevendo os horrores que teria sofrido e explicando por que seu corpo continua intacto e com aparência saudável?

Por que, com tantos megafones para ecoá-lo, não se ouve um único grito de dor?

Sobretudo: Por que, de tantas pessoas submetidas a maus tratos intoleráveis, nenhuma morre jamais? Onde estão os cadáveres da Guantánamo americana, similares àqueles que brotam às centenas, aos milhares, das prisões de Havana, Beijing, Pyongyang, Cartum, Islamabad?

É claro que estamos diante da mais vasta, mais mentirosa e mais despudorada campanha de desinformação em escala mundial já vista desde a operação montada em Moscou para exibir os espiões atômicos Julius e Ethel Rosenberg como vítimas inocentes de uma trama  imperialista.

O entusiasmo pueril, a fé cega com que a mídia nacional em peso ecoa essa campanha, sem um momento sequer de dúvida ou de recuo crítico, é a prova maior de que a inteligência desapareceu por completo das redações, sendo substituída pela macaqueação passiva dos slogans da moda.

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A obsessiva necessidade que os “formadores de opinião” brasileiros têm de dar uma impressão de equilíbrio e serenidade no tom do que escrevem é pura camuflagem de seu profundo sentimento de insegurança, nascido por sua vez de uma secreta consciência de sua incultura e despreparo.

O esforço de parecer maduro é o sinal mais patente da imaturidade.

Quem tem motivos sólidos para confiar na racionalidade do que pensa não liga para o tom em que vai dizê-lo; ao contrário, está habilitado a variar o tom conforme o momento, as circunstâncias e o objetivo da comunicação, sem mudar o conteúdo intelectual do que diz.

O poder de diferenciar idéia e tom é um dos sinais distintivos da humanidade. Não o encontramos nem mesmo entre os símios superiores, muito menos entre as galinhas. Deveríamos orgulhar-nos dele, mas no Brasil de hoje, ao contrário, seu exercício tornou-se proibido, ao menos nos debates públicos. Aí qualquer absurdo intelectualmente insultuoso, se exposto em linguagem serena e polida, é aceito como a encarnação mesma da racionalidade, ao passo que uma demonstração lógica perfeita, escorada no exato conhecimento dos fatos, é tida como explosão irracional intolerável tão logo suas conclusões firam alguma suscetibilidade em torno. Se exposta em linguagem lacônica ou sarcástica, então, vale como atestado de insanidade do infeliz autor. O tom, em suma, faz as vezes do conteúdo, que desaparece por completo.

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Depois de publicadas as atas quase completas das assembléias e grupos de trabalho do Foro de São Paulo; depois de dois discursos do sr. Luís Inácio em que ele confessa abertamente as atividades aí desenvolvidas em parceria com as Farc e o MIR, ainda recebo centenas de cartas de leitores exigindo “provas” dessa parceria. Pior que a credulidade sonsa é a incredulidade beócia – a incapacidade de tirar conclusões óbvias dos fatos mais patentes. Não creio exagerar ao dizer que, ao longo da últimas décadas, essa patologia se tornou endêmica no Brasil e que seus sintomas se manifestam especialmente entre as classes letradas.

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Dica de leitura: não percam o artigo de David Meir-Levi, “The Communist Roots of Palestinian Terror”, na edição atual da FrontPageMagazine.

Saindo do armário

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 13 de dezembro de 2007

No discurso que fez durante o Encontro de Governadores da Frente Norte do Mercosul, em Belém do Pará no último dia 6 de dezembro, o sr. presidente da República foi ainda mais explícito do que em 2 de julho de 2005 – 15º. aniversário do Foro de São Paulo –, e a grande mídia nacional foi ainda mais aplicada e unânime em fingir que não o ouviu. O que ele disse foi, em essência, o seguinte:

1. O Foro de São Paulo, fundado por ele, é o comando estratégico da esquerda continental.

2. Ao longo de dezessete anos de ações coordenadas, a estratégia do Foro mudou o curso da História na América Latina, não só salvando da extinção o movimento comunista internacional mas entregando a ele o poder sobre várias nações e abrindo caminho para a sua expansão ilimitada.

Essas afirmações são verdades facílimas de comprovar. Basta cotejar as atas das assembléias e grupos de trabalho daquela misteriosa entidade com o noticiário das mudanças políticas sobrevindas em escala continental desde a sua fundação em 1990. Praticamente tudo o que aconteceu de importante na política latino-americana na última década e meia foi tramado e decidido com antecedência no Foro de São Paulo.

O sr. presidente só mentiu num ponto: disse que os cientistas sociais terão dificuldade em entender essa gigantesca transformação histórica porque “foi tudo muito rápido”. Não foi rápido coisa nenhuma. Houve tempo suficiente para compreender o processo e até para detê-lo. O que faltou foi informação. Tudo o que se discutiu e se decidiu no Foro ao longo de dezessete anos foi mantido em segredo, com a colaboração servil e criminosa da mídia cúmplice e de uma oposição de fancaria, programada para calar o bico. Ludibriado, o povo assistiu às mudanças sem saber de onde vinham, como se fosse tudo uma inexplicável tempestade de curiosas coincidências. Agindo por toda parte sem jamais ser visto, discutido ou denunciado, o Foro de São Paulo transformou-se literalmente no governo mágico preconizado por Antonio Gramsci, investido do “poder invisível e onipresente de um imperativo categórico, de um mandamento divino”.

Nunca, na história do mundo, acontecimentos dessa magnitude permaneceram ocultos perante tanta gente durante tanto tempo, com conseqüências tão vastas.

O fato de que, diante desse fenômeno assombroso, os próprios antipetistas reais ou fingidos se encolham e prefiram discutir miudezas administrativas e legais, como se estivéssemos numa antiga e aprazível democracia européia onde a política se tornou mera rotina burocrática, mostra que a ousadia e o cinismo dos planos monumentais da esquerda não inibiram em seus adversários só a coragem de lutar, mas até o desejo de pensar, o mero impulso de saber. O mal que cresce em torno deles tornou-se grande demais para que desejem enxergá-lo. Como drogados numa boate em chamas, preferem deixar-se cair pelas poltronas, esperando que o incêndio passe como se fosse apenas uma bad trip.

Agora que a luta está praticamente ganha, o próprio inventor da trama pode abrir o armário e mostrar a bela coleção de esqueletos acumulada no escuro ao longo dos anos.

Ele já não tem motivo para calar. Já ninguém tem força para punir seus crimes. Aquilo que foi encoberto pode ser exibido, sem risco, de cima dos telhados. Apenas, aqueles que solicitamente colaboraram com a ocultação se sentem, é claro, um pouco envergonhados de confessar que seu silêncio obsequioso, tão constante, tão devoto, se tornou de repente uma relíquia inútil, desprezada por seu próprio beneficiário maior.

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