Olavo de Carvalho

Folha de São Paulo, 18 de novembro de 2002

Vou resumir, o mais didaticamente possível, alguns fatos que tenho mencionado de maneira esparsa e algumas conclusões lógicas que eles impõem. Se alguém for capaz de desmenti-los, por favor me escreva. Nada me deixará mais feliz do que descobrir que me enganei, que as coisas não são exatamente como as descrevo.

1. Desde 1990, o sr. Luís Inácio da Silva convocou e presidiu dez congressos internacionais do Foro de São Paulo, destinadas a delinear uma “unidade de ação” (sic) entre os partidos esquerdistas legais do continente e organizações revolucionárias criminosas, como por exemplo as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia e o MIR chileno.

2. Esses encontros tiveram caráter decisório, como se nota pelo fato de que ao final das assembléias emitiam “Resoluções” assinadas por todas as entidades participantes. Nessas “Resoluções” encontram-se portanto expressos os princípios da “unidade de ação”, tal como fixados a cada passo.

3. Reunindo em algum lugar do continente dezenas de representantes das entidades-membros, esses congressos foram trabalhosos e caros, não constando que tenham tido nenhum patrocínio externo e sendo portanto razoável concluir que foram custeados pelas próprias organizações participantes. É manifesto que o dinheiro de entidades como as Farc e o MIR vem de atividades ilícitas. As Farc são o principal fornecedor de drogas ao traficante Fernandinho Beira-Mar, respondendo, segundo o jornal “O Globo” de 14 de novembro, por 90 por cento da cocaína distribuída no Brasil, enquanto o MIR é o acionista maior da indústria latino-americana de seqüestros, que já teve entre suas inumeráveis vítimas os brasileiros Washington Olivetto e Abílio Diniz.

4. Mesmo sem especular que os lucros dessas atividades criminosas possam ter subsidiado por outras maneiras a atuação de quaisquer partidos esquerdistas, a simples participação do MIR e das Farc no Foro de São Paulo já basta para indicar que o dinheiro do crime subsidia a política de esquerda no continente, pois não é concebível que somente entidades pobres como o PPS ou o PSB tenham arcado com as despesas dos encontros, poupando-se caridosamente as mais ricas. Afinal, nenhum partido esquerdista tem os recursos das Farc, que, segundo dois livros publicados na Colômbia (“As Finanças da Subversão Colombiana” do jornalista Jesús E. La Rotta e “O Cartel das FARC”, do major Luis Alberto Villamarín Pulido), são mais vastos que os de todas as forças armadas latino-americanas juntas.

5. Vasconcelo Quadros escreveu na “IstoÉ” de 1o. de março de 2002: “O Brasil abriga uma rede clandestina de apoio às organizações guerrilheiras internacionais que se utilizam de seqüestros, assaltos a banco e tráfico de drogas”. Ao lado — ou por cima — dessa rede existe uma outra, ostensiva e pública. Os partidos legais, sem participar diretamente das ações do MIR, das Farc e de entidades congêneres, se ocupam de encobri-las e legitimá-las, seja por meio da apologia ostensiva das organizações criminosas que as empreendem, seja da negação dogmática de qualquer envolvimento delas nessas ações, seja de mobilizações da opinião pública para objetivos específicos em momentos determinados. Exemplo da primeira forma de legitimação é o manifesto assinado pela unanimidade do Foro de São Paulo em Havana, 7 de dezembro de 2002 em defesa das Farc e contra o governo colombiano, ali chamado de “terrorista”. Exemplo da segunda, as declarações do sr. Luís Inácio da Silva em favor da completa inocência das Farc, nas quais ele apostou sua reputação contra o peso das provas colhidas pelas autoridades colombianas e brasileiras. Exemplo da terceira, a arregimentação maciça do “beautiful people” esquerdista de São Paulo em defesa dos seqüestradores de Abílio Diniz. Que essas três modalidades de colaboração não tenham a menor conexão entre si é quase impensável, de vez que seis dúzias de entidades não hão de se empenhar tão a fundo na busca de uma “unidade de ação”, por doze anos, para depois atuar de maneira anárquica e desconexa em ocasiões tão decisivas. Nenhuma “unidade de ação” pode haver entre entidades legais e ilegais que não consista numa colaboração entre a realidade do crime e a aparência de legalidade — ou até mesmo de moralidade superior.

6. Como fundador e principal dirigente do Foro de São Paulo, o sr. Luís Inácio tem sido portanto um dos principais responsáveis pela simbiose de esquerdismo e criminalidade na América Latina, e o fato de ter sido eleito presidente, com todas as manifestações de lisonja alucinatória e beatificante que se seguiram, não modifica em nada o seu passado. Também não atenua em nada a força dos compromissos com a tal “unidade de ação”, assumidos e reiterados em dez reuniões sucessivas, a últimas delas em dezembro de 2001 — data demasiado recente para que se possa admitir que o cidadão “evoluiu” e mudou de idéia em prazo tão breve.

7. Reunindo tantas organizações, o Foro é a entidade política mais poderosa do continente, e nenhuma ação local de qualquer delas pode ser adequadamente compreendida sem referência à estratégia geral da “unidade de ação”, que, nascida como mero desejo ou esperança em 1990, veio sendo progressivamente consolidada nos anos que se seguiram, ao ponto de o próprio sr. Luís Inácio, no seu primeiro discurso após a apuração dos votos, atribuir sua vitória eleitoral aos esforços não somente de brasileiros, mas de “latino-americanos” em geral. Não sei se o silêncio geral da mídia em torno de uma entidade tão importante é indício de alienação mórbida ou de cumplicidade consciente. Mas sei que foi proposital a omissão do assunto por parte de Ciro Gomes e Garotinho nos debates eleitorais: os partidos de ambos são membros do Foro, comprometidos com a mesma “unidade de ação”, e decerto é em nome desta que os dois ex-candidatos já têm seus cargos prometidos no novo governo, após uma eleição que, por ironia, vem sendo chamada “a mais transparente de toda a nossa história”.

8. É patente que o sr. Luís Inácio Lula da Silva, por mais evoluído e moderninho que o pretendam, ou por mais lindas intenções que alimente, não poderá simplesmente jogar pela janela compromissos forjados ao longo de doze anos de debates e resoluções. As Farc, afinal, já mandaram para o outro mundo uma penca de socialistas e comunistas refratários a colaborar com suas ações criminosas. Perdida sua utilidade estratégica, um Lula a mais ou a menos não fará para elas a menor diferença.

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