Pedro Paulo Rocha

14 de julho de 2001

Prezado Sr. Olavo de Carvalho,

A conexão entre psicanálise e marxismo está muito presente em eventos que uns realizam, no Brasil, uns com o apoio dos outros. Submeto-lhe uma abordagem que fiz do problema:

A estupidez dos métodos psicanalíticos se reflete na orientação prescrita pelo Dr. Bruno Bettelheim, em seu livro A Fortaleza Vazia:

“Não a levávamos ao banheiro várias vezes ao dia, como fora costume em casa. Encorajamo-la a defecar a vontade, estivesse onde estivesse.” E acrescenta: “Laurie urinou quando se encontrava sentada no colo de uma terapeuta. Como aquela não se importasse e até se mostrasse satisfeita, ficou muito feliz. A partir dai urinava com freqüência no colo das conselheiras, com prazer evidente.”

Além de deseducar a paciente, ainda vai mais longe: estimula a nojenta manipulação das fezes pois, segundo ele, “certamente a defecação pode constituir um presente que a criança dá à mãe”. Relata ele que “Laurie tornou-se mais ativa e ousada na manipulação das fezes, espalhando-a pelo corpo e pelas mãos” e prossegue “Ao retirar as fezes das suas calças, adquiriu uma certa liberdade na sua manipulação.” O objetivo declarado era permitir ao paciente a distinção entre o “eu” e o “não eu”.

Esse inacreditável tratamento foi aplicado ao autista X, filha de Ana Luzia, pela psicanalista M. Eugênia, então no Instituto Santa Úrsula. O menino era estimulado a brincar com suas fezes, que espalhava pelo corpo, pelo chão e pelas paredes, numa cena tétrica, sob um fedor nauseabundo. É o que poderíamos denominar, com inteira propriedade e em todos os sentidos de “uma terapia de merda”.

 Numa outra prática terapêutica, usada em algumas instituições psiquiátricas americanas, para tratamento de criminosos sexuais, “o agressor precisa gravar uma fita narrando suas fantasias sexuais, enquanto se masturba, esfregando um líquido no pênis, de modo que o médico possa ouvir a masturbação na fita. Numa segunda gravação ele narra fantasias impróprias, depois de ter descrito as fantasias consideradas normais.” (* Matthew Stadler, O agressor Sexual.)

 Um dos mais tenebrosos fiascos da psicanálise foi a terapia da impotência sexual, um problema que atinge nove milhões de brasileiros segundo estimativa do Centro de Estudos da USP. Durante muitos anos foi impingida a idéia de que o impotente fosse vítima de frustrações e traumas, que supostamente bloqueavam emocionalmente sua libido Em 1910, em Leiden, Freud psicanalisou o compositor Gustav Mahler, que era impotente. Como sua esposa se chamava Alma, e sua mãe, Maria Alma, tinha o mesmo nome, Freud chegou a fantástica e hilariante conclusão, devido à esta coincidência de nomes, que seu problema era de fundo edipiano, resultante de uma fixação em relação a mãe.

— Tenho casos em que o paciente passa anos no divã e continua impotente, pois o problema é orgânico – afirma o prof. Faud Al Assal.

Durante um Simpósio Internacional sobre Andrologia, realizado em Palma de Mallorca, Espanha, em 1988, os especialistas concluíram que a impotência masculina afeta pelo menos 10% dos homens e tem solução em mais de 90% dos casos. Segundo trabalhos atuais, são decorrentes principalmente de diabetes, lesões cerebrais ou medulares, arteriosclerose, alterações artério-venosas que impedem a retenção do sangue efeitos colaterais de medicamentos, uso prolongado de álcool ou drogas, redução de testosterona, o hormônio masculino, ou ainda por acidentes traumáticos. A correção tem sido obtida por microcirurgia vascular, medicação hormonal, vaso dilatadora ou de estímulo à circulação e por implante de próteses. Que longo e tortuoso caminho se percorreu para se chegar ao óbvio!

 Mas e os milhares de pacientes que melhoraram, segundo estudos estatísticos apresentados? É que a corrida entre o efeito iatrogênico da psicanálise, ou seja, o agravamento do paciente pela terapia, e o tempo que se encarrega de fazê-lo esquecer ou superar os seus problemas, quando eles são puramente emocionais, freqüentemente é ganha pelo segundo. De fato, se 30% daqueles que, tendo se defrontado com problemas emocionais, melhoraram recorrendo à psicanálise, um percentual bem maior alcança resultados mais efetivos recorrendo à Psiquiatria científica ou mesmo sem qualquer tratamento. Acrescente-se o fato de que, em toda terapia existe um fator subjetivo considerável. Qualquer bom profissional sabe que, tão importante quanto a sua prescrição, é a confiança que souber inspirar ao paciente, porque é inegável que “a fé move montanhas”. Portanto, quem tem problemas apenas superficiais e acredita em psicanálise, certamente se beneficiará deste tipo de terapia. O mesmo se aplica, indistintamente, à religião, macumba, água benta, despachos, promessas, rezas, etc., como foi mostrado, de longa data, pelo Dr. Mesmer, que ficou famoso no século XVIII, com seus métodos esotéricos, descritos por Ste-phan Zweig, em seu livro Mesmer. Eu, sinceramente, diante de tantas alternativas, preferiria a macumba, que pelo menos, é mais folclórica. Pois esta é uma influência relativa e meramente subjetiva, que apenas dá “apoio” para uma recomposição emocional. Nenhum paciente se curará de uma sífilis que não recorrer a um antibiótico.

As posições extremadas, que eles assumem, no Brasil, chegaram às raias do absurdo, com a Lei Delgado. O propósito desta esdrúxula Lei é “uma política de extinção progressiva dos manicômios com a sua substituição por alternativas assistenciais”, a pretexto de “resgatar a cidadania” (a frase da moda!) dos pacientes e supondo, utopicamente, que as suas famílias pudessem suportar a pressão desestruturante de mantê-los em casa. Esta proposta, que foi antecipadamente incluído em muitas Leis Orgânicas, entre outras aberrações, determina taxativamente que: “O paciente não deverá receber nenhum tipo de tratamento sem o seu consentimento por escrito ou de pessoa de sua escolha, obtido livremente, sem ameaças e após discussão sobre a natureza da doença e sobre a natureza, objetivo e duração do tratamento.” (Art. 363 inciso VIII par. 3o. da Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro.)

 Como era de se esperar, houve uma forte reação das famílias dos doentes mentais, que seriam diretamente prejudicadas pela medida, que se organizaram numa Associação Comunitária e passaram a promover manifestações e protestos através dos periódicos.

 Com o objetivo de anular estes protestos e criar a ilusão de que a sociedade ambicionava a aprovação da Lei Delgado, a máfia organizou um evento que foi designado II Conferência de Saúde Mental que, no Rio de Janeiro, teve lugar no Campus da UERJ, no segundo fim de semana de outubro de 1992. O propósito declarado era submeter ao Congresso Nacional um relatório com diretrizes neste sentido, aprovadas pela Plenária “democraticamente” eleita. Tão democrática, que as tais Diretrizes que já estavam previamente redigidas.

 Num assunto em que deveria prevalecer a sensatez, sob os delirantes aplausos de uma platéia constituída pela nata do PT, partido do autor daquele projeto de lei, assistia-se à cena surrealista de dezenas de “insensatos”, pacientes do Centro Psiquiátrico Pedro II, Pinel e Instituto de Psiquiatria, conduzidos em ônibus especiais, votarem as propostas, sob a inacreditável argumentação de “eram eles que deveriam decidir sobre o próprio destino, na defesa de suas cidadanias”. E eu, abismado com a contemplação da longa fila de loucos, alguns dos quais vociferando palavras desconexas, levados a deliberar sobre assunto tão sério, ficava na atroz dúvida de quem seria mais doido: se aqueles que haviam assim sido rotulados, ou os que patrocinavam idéias e procedimentos tão bizarros. Dentro deste espírito, de que a doença mental seria decorrente de efeitos sociogênicos, ou seja, provocados por problemas sociais, do relatório constou, expressamente: “Não existe tratamento psiquiátrico que não possa acontecer em regime ambulatorial. Mais recentemente, as contribuições das escolas sociogênicas – com Caplan, Zasz, Bateson, etc, e psico-socio-políticas – com Basaglia, Guatari e outros – … valorizaram a determinação social das doenças e dos tratamentos.” O relatório era tão radicalmente político, que incluía, repetidas vezes, expressões tais como “Fora Collor”.

 Durante os debates, no qual não admitiram que eu participasse da mesa, como representante da APARJ, uma associação de pais e amigos de crianças autistas, que eu criara e dirigia, sob a esdrúxula alegação de que eu não era doente mental.

A minha proposta de que se desse ênfase à prevenção, sob os apupos petistas, foi fragorosamente derrotada, por ser “eugênica” e “nazi-fascista”. Afinal, como alegavam os profissionais, talvez não querendo perder a clientela, “os loucos são pessoas louváveis e dignas, e seria preconceito querer que eles não existissem”.

 E diante da minha argumentação, de que era muito fácil falar em coabitar com um louco, porque não eram eles que viviam o problema, e que “pimenta nos olhos dos outros é refresco”, para dar mais ênfase a estas propostas exóticas, apelaram para a afirmação de que eu, certamente, era o tipo de pessoa que “odiava e discriminava os loucos”. O que inflamou a turba de dementes.

Que resposta devo dar à mãe do Guilherme, uma viuva já idosa, cujo filho recebeu alta do Centro Psiquiátrico Pedro II, e que é por ele espancada quase que diariamente, quando ela me pede ajuda? Ou que devo sugerir à Solange, que foi obrigada a construir praticamente uma jaula, onde seu filho adolescente e forte, tem que ser contido para não atacar a mãe e os irmãos menores? Por que a institucionalização continua a existir, para aqueles como Jesus, que pode pagar os altos valores para manter seu filho sob os cuidados de especialistas, em Tiradentes. Mas para quem não pode pagar, o que resta fazer? Recorrer à um recurso extremo, como Jorge e Olívia, que foram obrigados a autorizar a lobotomia do Marcelo, depois das repetidas agressões a familiares e vizinhos, a última das quais por pouco não resultou em morte da vítima inocente?

É verdade que o número de internos tem diminuído acentuadamente. Porém isto não se deve a estas novas diretivas, mas ao enorme arsenal de psicotrópicos que a indústria farmacêutica criou, nas últimas décadas, que se não permitem a cura, pelo menos possibilitam o controle dos surtos dos pacientes. Recursos medicamentosos que estes psicanalistas chamam com desprezo de “camisa de força química”. (os nomes citados foram, evidentemente, trocados, para preservar a privacidade dos envolvidos).

Pedro Paulo Rocha
pedroprocha@netpar.com.br

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