Mais duguinismo

Mais duguinismo

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 16 de março de 2014

          

Num post publicado na semana passada em sua página do Facebook, o professor Alexandre Duguin afirma: “Os americanos estão nas mãos de um grupo de terroristas extremistas. Estes não são verdadeiros americanos. Eles não compartilham dos reais e profundos valores americanos. Eles sacrificam a América aos interesses de uma oligarquia financeira internacional e global.”

É no mínimo estranho que ele agora diga isso, pois essa foi precisamente a tese que defendi no debate que tive com ele, e contra a qual ele esperneou o quanto pôde, insistindo na balela de que o globalismo é a expressão do interesse nacional americano.

O livro que transcreve o debate na íntegra levou o título de Os EUA e a Nova Ordem Mundial (Vide Editorial, 2012), precisamente porque esse era o ponto crucial da nossa divergência: a Nova Ordem Mundial é o poderio americano expandindo-se para dominar o mundo ou é, ao contrário, uma estratégia para demolir a nação americana e subjugá-la aos seus principais inimigos?

Ao ver finalmente a luz, o prof. Duguin poderia pelo menos ter tido a gentileza de reconhecer que não a enxergou por iniciativa própria, mas que foi levado a isso a contragosto, pelas razões mais fortes dadas pelo seu adversário.

Mas ele teve motivos muito sérios para infringir tão patentemente as regras da concorrência intelectual. Ao contrário deste articulista, o prof. Duguin não é um escritor independente, empenhado tão somente em tentar orientar-se na confusão do mundo. É um ideólogo e um líder, o condutor de um movimento político mundial apoiado e subsidiado pelo governo russo.

O objetivo desse movimento é declaradamente destruir a aliança Estados Unidos -Inglaterra-Israel e impor o domínio russo a todo o planeta, tudo sob as vestes de um hipotético e simbólico “Império Eurasiano”.

É por isso mesmo que o prof. Duguin, ao endossar finalmente as palavras de que discordava, não pode confessar de quem as ouviu. Se o fizesse, teria de lhes dar o sentido que tinham na emissão originária. Mas, em vez disso, ele quer usá-las para os seus próprios fins, que continuam incompatíveis com as convicções do seu adversário.

Noutros termos: se ele não conseguiu derrotar o oponente, vai tentar tirar proveito da vitória deste, fingindo que foi sua própria.

Para isso o prof. tira, das palavras que repete, uma conclusão que, parecendo imitar, na verdade, inverte a que elas impunham originalmente. As forças anti-americanas que dominam a América, prossegue ele, “subsidiam o wahabbismo, o terrorismo, Israel, os neonazistas ucranianos e os trotsquistas”.

Vamos por partes.

1 Wahabbis são a classe dominante da Arábia Saudita. Ninguém os subsidia. Eles é que subsidiaram a carreira de Barack Hussein Obama, compraram boa parte da grande mídia norte-americana e atualmente são praticamente os donos de metade da cidade de Nova York. É o presidente americano que se prosterna ante o rei saudita, e não ao inverso. Os Wahabbis são parte integrante da elite anti-americana que hoje persegue e marginaliza os cristãos e que favorece a ascensão islâmica por todos os meios possíveis e imagináveis.

2 É verdade que essa elite financia os trotsquistas, mas não só eles: financia toda sorte de movimentos esquerdistas e anti-americanos, inclusive aqueles que o “eurasianismo” procura agora seduzir para disputar com os globalistas quem destrói mais depressa os EUA.

3 Também é verdade que a elite globalista financia movimentos terroristas; porém entre estes se incluem aqueles que têm excelentes relações com a Rússia, como por exemplo o Hamas. Onde quer que se prenda um terrorista islâmico, ele tem invariavelmente na mão uma arma russa, ou às vezes chinesa.

4 Os americanos obviamente apoiam a rebelião ucraniana, mas até agora não surgiu nenhuma prova razoável de que os tais “grupos neonazistas” tenham sido criados ou subsidiados pela CIA. Ao contrário, criar esses grupos, infiltrá-los em nações adversárias e em seguida choramingar que apenas está se defendendo contra uma agressão nazista é uma velha e clássica especialidade da KGB e dos serviços secretos dos antigos “países satélites”. O tempo vai dizer de onde surgiram os neonazistas ucranianos. Por enquanto, o que não faz sentido é acreditar, a priori, na propaganda russa.

5 E Israel? Nos EUA até as crianças sabem que a política globalista da dupla Obama-Kerry é isolar Israel e dar mão forte aos palestinos. Quem luta para restaurar a aliança EUA-Israel são justamente os cristãos conservadores apegados aos “reais e profundos valores americanos”, hoje tão achincalhados pelo establishment.

Em suma: na sua luta pelo domínio do mundo, os globalistas ocidentais e o “Império Eurasiano” estão de pleno acordo em um ponto: eles querem tirar do caminho a América e Israel.

De acordo com o apóstolo do eurasianismo, dá na mesma fazer isso culpando a nação americana pelos desvarios dos globalistas que a exploram, ou, pelo contrário, fingir protegê-la deles para com isso jogá-la contra Israel.

***

Talvez não seja uma coincidência: ao mesmo tempo que o prof. Duguin usurpa minhas palavras para lhes dar um uso que não aprovo, devotos duguinistas se empenham numa campanha insana de “character assassination”, contra mim, alardeando, no site de um certo Institute for Eurasian Studies, que eu sou um perigosíssimo “agente islamo-sionista-maçom” (alguém pode me dizer o que é isso?), empenhado em destruir a Igreja Católica e “fomentar uma guerra civil no Brasil”.

A melhor coisa a fazer comigo, como concluem singelamente, seria condenar-me à morte por “crime de sedição e lesa-pátria”…

O dunguinismo no Brasil

O dunguinismo no Brasil

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 11 de março de 2014

          

Dentre os movimentos neofascistas que floresceram na Rússia para ocupar o espaço ideológico do comunismo, o mais interessante e, de longe, o mais forte, é a corrente “eurasianista” criada e liderada pelo prof. Alexandre Duguin. Filho de um oficial da KGB, Duguin é um colaborador e um protegido do governo russo, o ideólogo maior por trás das decisões estratégicas de Vladimir Putin.

Sem um estudo sério dos seus ensinamentos é impossível entender a linha de ação do Kremlin. Creio ter sido o primeiro a chamar a atenção do público brasileiro, desde uns quinze anos atrás, para a importância crucial do fenômeno Duguin. Graças à mórbida indolência mental das nossas elites, a advertência caiu em ouvidos moucos.

Mas, se são avessos a todo estudo solitário, os brasileiros de classe média e alta são, na mesma medida, altamente propensos a deixar-se arrastar por qualquer bandeira ideológica que chegue do exterior com suficiente respaldo financeiro e disposição de conquistar o território. Assim, se ninguém se preparou intelectualmente para enfrentar a epidemia duguinista que eu anunciava como inevitável, essa epidemia acabou entrando no Brasil como quem arromba uma porta aberta, fazendo não só centenas adeptos nas universidades como também cooptando agentes pagos dispostos a tudo pela glória do Império Eurasiano, que no fim das contas não é senão a boa e velha Mãe Rússia com roupagem multinacional.

O eurasianismo surgiu do antigo movimento “nacional-bolchevique” inaugurado pelo próprio Duguin e pelo romancista Eduard Limonov no início dos anos 90 do século findo.

A idéia inicial era reunir num vasto front ideológico tudo o que fosse anti-ocidental e anti-israelense no mundo: comunismo, nazismo, fascismo e sobretudo os vários movimentos “tradicionalistas” herdeiros dos ensinamentos de René Guénon, Julius Evola, Frithjof Schuon, Ananda K. Coomaraswamy.

Duguin e Limonov divergiram quanto ao governo Putin, que o segundo condenava e no qual o primeiro viu sua grande oportunidade de subir na vida. Duguin tornou-se o ideólogo do regime, vivendo em instalações confortáveis, rodeado de centenas de assessores, tudo pago pelo governo, enquanto Limonov ia para a cadeia.

O nacional-bolchevismo estava acabado: nascia, em seu lugar, o “eurasianismo”, que é praticamente a mesma coisa adornada com uma profusão de novos e rebuscados argumentos extraídos das obras do geógrafo inglês Halford J. Mackinder (1861-1947), dos pensadores “russófilos” do início do século 20, dos teóricos nazifascistas e dos tradicionalistas guénonianos e schuonianos.

O núcleo da doutrina é a idéia de que a história humana inteira é pautada por uma guerra sem fim entre “potências terrestres”, ou “eurasianas”, e “potências marítimas”, ou “atlânticas”. Hoje em dia essas duas forças são representadas, respectivamente, pelo bloco russo-chinês e pela “aliança atlântica” dos EUA com a Inglaterra e Israel.

De acordo com Duguin, os povos “terrestres” são guiados por altos ideais heróicos, os “atlânticos” pela cobiça e desejo de poder. O mundo só será feliz quando o bloco atlântico for destruído e o Império Eurasiano dominar – sem nenhuma cobiça ou desejo de poder, é claro – o globo terrestre inteiro. So simple as that.

A força do duguinismo reside no atrativo que exerce sobre mentalidades diversas e aparentemente incompatíveis entre si: patriotas russos ansiosos para restaurar as glórias imperiais do czarismo, saudosistas do Führer e de Mussolini, comunistas em crise de desamparo ideológico desde o fim da URSS, católicos tradicionalistas inconformados com as reformas do Concílio Vaticano II, intelectuais guénonianos revoltados contra o materialismo moderno e, como não poderia deixar de ser, brasileirinhos universitários sempre dispostos a receber de braços e pernas abertos uma formuleta ideológica prêt-à-porter que os dispense de ler livros. A expansão do duguinismo no Brasil tem sido muito rápida mas, como não poderia deixar de ser, passa totalmente despercebida da mídia e dos “formadores de opinião”, assim como aconteceu com a ascensão do Foro de São Paulo de 1990 a 2007.

E é justamente aí que eu entro na história. Momentaneamente em crise de dúvida, alguns duguinistas principiantes decidiram colocar as idéias do seu guru em teste, promovendo um debate entre ele e este articulista. O texto integral dos pronunciamentos de parte a parte foi publicado pela Vide Editorial, de Campinas, sob o título Os EUA e a Nova Ordem Mundial. Um Debate entre Alexandre Duguin e Olavo de Carvalho (2012).

Mesmo o leitor que não morra de amores pela minha pessoa notará que, no confronto entre um escritor independente e o poderoso representante da ditadura russa, os argumentos do meu adversário foram reduzidos a pó. As mensagens finais do prof. Duguin não escondem sua irritação e despeito ante um oponente que não lhe deixava mesmo margem para outra coisa.

Incapaz de refutar qualquer das minhas objeções ao eurasianismo, o prof Duguin não era e não é, no entanto, sonso o bastante para deixar de perceber na minha influência o principal obstáculo à penetração das suas idéias no Brasil. Era de se esperar, portanto, que mais cedo ou mais tarde a militância duguinista, inconformada com a humilhação do seu guru, desistisse da concorrência intelectual e partisse para uma campanha de “character assassination” no bom e velho estilo KGB, muito mais maliciosa, peçonhenta, organizada e bem subsidiada do que qualquer iniciativa similar da esquerda nacional. Nos próximos artigos darei alguns detalhes sobre o episódio, altamente significativo do futuro que se prepara para o Brasil.

Rumo à censura total

Rumo à censura total

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 6 de março de 2014

          

Desde a publicação do livro do delegado Romeu Tuma Jr. ninguém ignora que o assassinato de reputações, praticado com recursos do Estado e primores de sordidez que desafiam a imaginação humana, é o procedimento usual e normal da quadrilha comunopetista para lidar com aqueles que a incomodem.

Mas, no tempo em que o delegado começou a beber sua quota desse veneno, a poção só era servida a políticos, a altos funcionários ou a empresários dos quais se desejasse extorquir algum dinheiro.

Desde então a indústria da intriga progrediu muito. Sofreu ao mesmo tempo uma transformação e um upgrade, ampliando o seu círculo de alvos e elevando-se a instrumento perfeito da censura total, do controle completo do fluxo de informações, uma espécie de Marco Civil avant-la-lettre.

Não existindo um partido de direita, nem qualquer força política de direita organizada, nem muito menos poderes financeiros sustentando uma militância de direita, nem, enfim, nenhuma classe ou entidade sobre a qual se possa lançar as culpas de todo o mal que o governo faz, só res ta ao esquerdismo voltar suas baterias contra indivíduos, cidadãos isolados e sem qualquer respaldo político ou econômico – jornalistas, escritores, blogueiros – e atacá-los com a fúria e o desespero de quem defendesse a própria vida contra uma invasão imperialista ou um golpe militar.

A quantidade de pavor imaginário que esses indivíduos despertam nas hostes esquerdistas – bem como em pequenos grupos de extrema direita empenhados em mostrar serviço –, o volume dos recursos que se mobilizam para emporcalhar suas imagens, a obstinação devota que se consagra à criação de toda sorte de invencionices, calúnias e chacotas contra eles, constituem sem dúvida um capítulo notável da história da covardia universal – algo que não se poderia passar, talvez, em nenhum outro país, e que as gerações futuras chegarão a duvidar de que possa ter acontecido.

Contudo, como toda difamação pode ser desfeita em pó e toda calúnia voltar-se contra o caluniador, logo esse bombardeio de infâmias cessou de satisfazer à sanha destrutiva que a inspirava.

De fato, chega a ser cômico usar contra um escritor táticas de “character assassination” que seriam letais se voltadas contra um político ou alto funcionário. A fama de um escritor jamais depende de uma imagem de idoneidade impoluta, mas da sua simples habilidade de registrar seus pensamentos e emoções, quaisquer que sejam, bons ou maus, e comunicá-los ao público. Mesmo que o exército de difamadores alcançasse sucesso em me pintar nas cores de um réprobo, de um criminoso, de um monstro, isso não me privaria de um só leitor.

Ninguém jamais deixou de ler Jean Genet por causa da sua folha corrida, nem de apreciar os poemas de Rimbaud ao saber que o autor foi contrabandista de armas. Ninguém parou de ler André Gide quando ele próprio se confessou pedófilo. E nem mesmo o mais escandaloso dos rótulos – o de colaborador do nazismo – tirou leitores de Louis-Ferdinand Céline, de Martin Heidegger ou de Paul de Man. Em todos esses casos, os crimes eram verdadeiros. Quanto mais impotente não seria então a imputação de delitos e pecados imaginários?

Foi por isso que se passou de uma estéril campanha difamatória ao bloqueio dos meios de expressão.

Tão logo o deputado Marco Feliciano denunciou na Câmara a campanha de assassinato de reputação que eu vinha sofrendo (veja-se https://www.youtube.com/watch?v=CIFB9RXmIi0), a militância do crime, decerto mobilizada por alguma Excelência em pânico, mudou de tática e passou a tentar bloquear a minha conta no Facebook para que, diante do assalto multitudinário à minha pessoa e à minha honra, não me restasse nem o miserável e último recurso de defesa que é espernear na internet.

O ardil consiste simplesmente em entrar na minha conta desde um IP qualquer que não seja o meu, acionando automaticamente o Facebook para que bloqueie a conta e inicie um procedimento de verificação. Tentaram isso esta semana, usando um IP registrado numa cidade da Índia.

Como eu conseguisse restaurar a conta, aperfeiçoaram o sistema. Fornecem ao Facebook, usando a minha senha de que se apossaram não sei como, um número de telefone falso (desta vez foi +33 7 87 16 56 82), de modo que o código para restauração da conta é enviado a esse número e não chega jamais a mim. Assim, torna-se impossível reativar o acesso à página. Os quase cinqüenta mil leitores que ali me acompanham me escrevem, perguntando quando voltarei ao ar, e só o que posso lhes responder é: Não sei.

A coisa é de uma sordidez impensável, mas, se querem saber, não me surpreende que a militância “enragée” apele a esse recurso, ou talvez a outros mais abjetos ainda. A mentalidade dessa gente faria os porcos vomitarem, se lhes fosse servida no cocho.

Porém igualmente desprezíveis são aqueles que, no intuito de isentar de culpas uma lideranca política que notoriamente estimula esses crimes e recompensa os agentes que os praticam, dizem: “Ah, isso não é nada, é só um grupo de jovens gozadores.” Pois desde quando, pergunto eu, desde quando uma facção governante, ao praticar um crime, o assina com o carimbo da sua identidade partidária? Os Black Blocs não eram também apenas jovens gozadores até o momento em que comprovou de onde vinham as ordens e o pagamento? Os próprios mensaleiros não eram simples ladrõezinhos avulsos, que agiam pelas costas do inocente poder público?

Nada no mundo é mais repulsivo do que a afetação de inocência de um psicopata cujos trejeitos de candura mal escondem o risinho cínico que lhe sai do canto da boca.