Ignorando o essencial

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 3 de abril de 2009

Há alguns dados históricos elementares sobre o movimento comunista, ignorados pela maioria e mal conhecidos ou bem esquecidos pelas minorias letradas e dirigentes, sem os quais é impossível, literalmente impossível entender o que quer que seja da história recente. Se você procurar se informar a respeito e começar a levar esses dados em conta, verá quanta coisa obscura se esclarece automaticamente, sem necessidade de grande esforço interpretativo.

1. O comunismo foi e é, ao longo da história humana, o único – repito: o único – movimento político organizado em escala mundial, com ramificações e agentes nos lugares mais remotos do planeta, disciplinados e capacitados para entrar em ação de maneira imediata, coordenada e simultânea ao primeiro chamado de seus centros de comando.

2. Embora tendo a seu serviço uma quantidade enorme de organizações e partidos de massa, o comunismo é substancialmente um movimento clandestino, cujo comando e cujos planos de ação devem permanecer invisíveis aos profanos, mesmo nas épocas de legalidade em que várias organizações comunistas atuam publicamente sem sofrer a menor perseguição. O primado da elite clandestina sobre a liderança visível é, pelo menos desde Lênin, uma cláusula pétrea da estratégia comunista. É impossível compreender essa estratégia e as táticas que a implementam levando em conta somente a atuação ostensiva dos líderes comunistas mais visíveis em cada país, sem acesso às discussões internas e às conexões internacionais de cada organização.

3. O comunismo foi e é, em todo o mundo e em todas as épocas, o único movimento político que teve e tem a seu dispor recursos financeiros ilimitados, superiores às maiores fortunas conhecidas no Ocidente e aos orçamentos de muitos governos somados. Suas possibilidades de ação devem ser medidas na escala dos seus recursos.

4. Só uma parcela ínfima da atividade comunista consiste em propaganda doutrinária reconhecível direta ou indiretamente. A parte maior e mais significativa consiste em infiltrar-se e mesclar-se em toda sorte de organizações – partidos políticos (inclusive liberais e conservadores), mídia, sindicatos, empresas estatais e privadas, instituições culturais, educacionais, religiosas e de caridade, Forças Armadas, Maçonaria, a lista não tem fim – de modo a torná-las instrumentos da estratégia comunista e a controlar por meio delas toda a sociedade, fazendo do Partido “um poder onipresente e invisível” (a expressão é de Antonio Gramsci, mas a técnica existia desde muito antes dele). É pueril imaginar que, uma vez inseridos nessas entidades, os comunistas aí se dediquem a doutrinação ou proselitismo, como se fossem pastores protestantes espalhando o Evangelho entre infiéis. A arregimentação de todas as forças para que sirvam à estratégia comunista é um mecanismo tremendamente sutil e complexo, que envolve doses maciças de camuflagem e despistamento, com muitos lances paradoxais pelo caminho.

5. É tolice imaginar o comunismo como uma “doutrina” ou “ideal”, sobretudo quando se entende por isso a pregação aberta da abolição da propriedade privada. O movimento comunista nunca teve nem precisou ter qualquer unidade doutrinária, e já provou mil vezes sua capacidade de adaptar-se taticamente às fórmulas ideológicas mais díspares, de maneira sucessiva ou simultânea, desnorteando por completo o observador leigo (incluo nisto os políticos em geral e a quase totalidade dos intelectuais liberais e conservadores). Campanhas ateísticas as mais truculentas, por exemplo, coexistem pacificamente, no seio do movimento comunista, com o aproveitamento do discurso religioso como meio de atingir o coração das massas. Mutatis mutandis, a exploração dos sentimentos nacionalistas extremados vem lado a lado com o esforço de diluir as soberanias nacionais em unidades maiores, regionais ou mundiais, de modo que, por trás da cena, o movimento comunista se beneficia tanto das resistências patrióticas quanto do poder global em ascensão. A unidade do movimento comunista é de tipo estratégico e organizacional, não ideológico. O comunismo não é um conjunto de teses: é um esquema de poder, o mais vasto, fexível, integrado e eficiente que já existiu. Mesmo o radicalismo islâmico, hoje em rápida expansão, nada poderia sem o apoio da rede mundial de organizações comunistas.

6. Tolice maior ainda é imaginar que a oposição lógico-formal entre os conceitos abstratos de capitalismo e comunismo se traduza, na prática, em conflito mortal entre capitalistas e comunistas. À variedade de diferentes situações locais e temporais corresponde uma infinidade de nuances e transições, com um vasto espaço para os arranjos e cumplicidades mais estranhos em aparência (só em aparência). Ninguém entenderá nada do mundo histórico em que vive hoje se não tiver em conta a longa colaboração entre o movimento comunista e algumas das maiores fortunas do Ocidente, por exemplo Morgan, Rockefeller e Rothschild. Os livros clássicos a respeito são os do economista inglês Anthony Sutton, mas já em 1956 o Comitê Reece da Câmara de Representantes dos EUA levantou provas substanciais de que algumas fundações bilionárias estavam usando seus recursos formidáveis “para destruir ou desacreditar o sistema de livre empresa que lhes deu nascimento”. Essas fundações estão hoje entre os mais robustos pilares de suporte do governo socialista de Barack Hussein Obama.

O desconhecimento ou incompreensão desses fatos entre liberais e conservadores está na raiz de sua incapacidade de opor uma resistência séria à marcha triunfante do comunismo na América Latina. Muitos ainda acreditam, por exemplo, que será uma grande vitória da democracia obrigar as Farc a abandonar a luta armada para transformar-se em partido legal. Não entendem que criar uma força política reconhecida é, no fim das contas, o único objetivo da luta armada – na Colômbia ou em qualquer outro lugar. Guerrilhas não vencem guerras: tudo o que desejam é uma derrota politicamente vantajosa. Por isso, ao mesmo tempo que trocam tiros com as forças do governo, na selva e nas cidades, colocam seus agentes em postos-chave dos partidos esquerdistas legais, de onde clamam contra o derramamento de sangue e apelam dramaticamente ao retorno da legalidade. Fizeram isso no Brasil, fazem agora na Colômbia.

Enquanto os liberais e conservadores não obtiverem uma clara visão de conjunto do fenômeno enormemente complexo do comunismo, enquanto insistirem em se opor somente às facetas mais imediatas e repugnantes desse movimento, se não apenas às doutrinas comunistas consideradas abstratamente, estarão condenados à derrota mesmo quando se julgam vencedores.

O fato de que jamais tenha havido uma internacional anticomunista torna difícil para muitas pessoas obter essa visão de conjunto, que os próprios comunistas obtêm tão facilmente. Mas a ausência de suporte social não pode servir de desculpa para a preguiça intelectual. Há sempre algumas inteligências individuais capazes de raciocinar acima das perspectivas grupais, quando existem, ou sem elas, quando não existem. Nada justifica que essas inteligências permaneçam à margem das discussões públicas, deixando aos ignorantes o monopólio dos microfones. Neste como em todos os demais assuntos humanos, quem não estudou nada está cheio de certezas simplórias e as proclama com um ar de tremenda superioridade, sem perceber o papel ridículo que faz. Quem estudou fica às vezes parecendo maluco ou excêntrico, mas, afinal, para que é que alguém estuda, se não é para ficar sabendo de algo que a maioria não sabe?

Da mentira à impostura

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 26 de março de 2009

Mentiroso compulsivo é aquele que, desmascarado, não dá o braço a torcer: persiste na mentira, adorna-a de novos floreios, jura, esbraveja, argumenta, e tanto insiste que acaba deixando o interlocutor em dúvida. Porém mais perverso ainda, um sociopata em toda a linha, é aquele que, em tal situação, se faz de desentendido e continua falando no tom da maior normalidade e segurança, como se nada tivesse acontecido. Aí a mentira singular se transmuta em impostura permanente, estrutural, alterando de uma vez o quadro das relações humanas e quebrando, na alma do ouvinte, não a confiança nesta ou naquela verdade em particular que ele julgava conhecer, mas no próprio valor da verdade em geral. No primeiro caso, a mentira buscava imitar a verdade, parasitando o seu prestígio; agora ela se impõe por seus próprios méritos, como um valor em si, independente e superior à verdade. Perplexo e atordoado pelo fascínio da insanidade, o ouvinte se vê atraído para dentro de uma espécie de teatro mágico, onde o preço do ingresso é a abdicação não só do poder, mas do simples desejo de conhecer a verdade.

Pois bem, esse é o jogo criminoso, sórdido e indesculpável, que a “grande mídia” brasileira inteira, sem exceção, tem jogado com seus leitores desde que se tornou impossível continuar negando e ocultando, como o fizera ao longo de dezesseis anos, a existência e o poder descomunal do Foro de São Paulo.

Agora, quando tocam no assunto que antes evitavam como à peste, nossos jornais o fazem no estilo distraído e anestésico de quem falasse de coisa banal e rotineira, que tivesse estado presente nas suas páginas desde sempre, com a regularidade das colunas de turfe e das histórias em quadrinhos.

Seriam mais decentes e toleráveis se persistissem na mentira, negando o óbvio com aquela intensidade louca do fingidor histérico, que grita e gesticula para se persuadir a si mesmo daquilo em que, no fundo, não pode acreditar. Entre o histérico e o sociopata vai toda a distância que medeia entre a paixão e o cálculo, entre a doença e a maldade, entre a explosão de um sintoma neurótico e o planejamento frio de um crime.

Relatando a vida de Vanda Pignato, a militante comunista brasileira que acaba de se tornar a primeira-dama de El Salvador, a Folha de S. Paulo do dia 23 informa, de passagem, meramente de passagem, que a referida “participava das reuniões do Foro de São Paulo, articulado pelo petismo e controvertido por já ter permitido a participação das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), convertida em narcoguerrilha”.

Não é uma belezinha? A mais poderosa organização política da América Latina, financiada por fontes misteriosas jamais investigadas, autora suprema da articulação clandestina que ludibriou povos inteiros durante uma década e meia e salvou o comunismo da extinção mediante o ardil de fazer-se de morto para assaltar o coveiro, de repente aparece como uma entidade normal, legítima como qualquer partido político, só vagamente “controvertida” por ter “permitido a participação” da narcoguerrilha colombiana! Como se o Foro tivesse se limitado a isso, em vez de prestar apoio unânime e incondicional às Farc, acusando o governo colombiano de “terrorismo de Estado”! Como se entre as fontes de sustentação financeira de um movimento tão vasto e dispendioso fosse dispensável, pela origem espúria, o dinheiro do narcotráfico! Como se do Foro não participassem também outras organizações criminosas, por exemplo o MIR chileno, seqüestrador de brasileiros, com direito a manifestações de solidariedade continental cada vez que um de seus agentes armados é preso e enviado à Justiça! Como se a mera existência de um poder invisível e onipresente, capaz de mudar a história de um continente sem que o público tenha a menor notícia do que está acontecendo, já não fosse em si mesma um formidável concurso de crimes, a anomalia das anomalias, a aberração das aberrações!

Nunca, fora dos países comunistas onde a mídia é oficialmente órgão de propaganda e desinformação, os jornalistas jogaram tão sujo quanto na ocultação pertinaz do Foro de São Paulo e na operação-desconversa que se seguiu à queda do muro de silêncio.

Mentir, eles mentiam antes. Agora partiram para o fingimento de segundo grau, a consolidação da impostura como um direito sagrado e um dever moral soberano, nada mais cabendo ao povo, diante desse ritual diabólico, senão curvar-se em respeitoso silêncio, prostituindo e sacrificando ante um ídolo de papel os últimos vestígios de dignidade que possam restar na sua alma exausta e entorpecida.

Orando com os avestruzes

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 24 de março de 2009

Muitos daqueles a quem faço alusão, de passagem, como amostras de fenômenos de patologia social e cultural, ficam naturalmente enfezados, esperneiam um pouco pela internet e então saem por aí alardeando que tiveram um “debate” comigo. Como às vezes cito seus nomes para fins de mera documentação, iludem-se pensando que são meus interlocutores, que lhes dei alguma atenção individual, quando na verdade só os mencionei pela tipicidade anônima, pela uniformidade rasa e mecânica com que macaqueiam os cacoetes de seu grupo de referência e assim forjam, para alívio de sua mal disfarçada insegurança juvenil, uma espécie de identidade temporária, com prazo de validade a expirar na próxima troca de amigos.

Trata-se em geral de garotos de vinte e poucos anos, com idade para ser meus netos, mas afeiçoados desde o bercinho à arte genuinamente brasileira de simular autoridade intelectual – às vezes até mesmo eclesiástica – e uma longa experiência da vida.

O pior é que outros, vendo-me gastar tempo com opiniões de indivíduos que lhes parecem insignificantes, exigem que eu pare de fazer isso e me dedique a mais dignos afazeres, como se os grandes erros coletivos, geradores de tragédias mundiais, consistissem apenas em crenças gremiais de uma elite de homens ilustres, e não, justamente, na somatória das ilusões de incontáveis criaturas diminutas e anônimas.

Uma dessas criaturas, indignada de que eu cobrasse dos católicos alguma ação contra o avanço do comunismo no mundo e especialmente na América Latina, despejou na rede, desde o alto do seu púlpito imaginário, as seguintes palavras:

Quem entende o remédio da crise de fé como uma postura anticomunista realmente desconhece a verdadeira missão da Igreja. Ensinar e pregar o anticomunismo é um ponto meramente terceiro ao lado de outras importâncias. Aquele que vive piedosamente os ensinamentos de Cristo, seguindo com um doce ar filial o Magistério, se aproximando da Eucaristia com devoção e contrição, se torna anticomunista em espírito sem nunca ter ouvido uma crítica direta ao socialismo – enquanto ferrenhos anticomunistas que não entendem a grandeza de Deus e seguem trilhas desconhecidas se aproximam da condenação. Assim a Igreja deve caminhar, sem se reduzir aos problemas do mundo, esquecendo as coisas do alto. Clamar a Verdade é clamar a conversão e a adesão a Cristo e Seus ensinamentos. A condenação ao marxismo, feita pela Igreja, é apenas a conseqüência imediata da vivência da Fé com oração e fidelidade, sem isso, ou seja, sem o caráter místico e transcendental, a Igreja perde o sentido. Por isso que digo que tanto as olavetes quanto os adeptos da Teologia da Libertação erram no mesmo ponto; ambos simplificam a Mater Ecclesia, a esvaziam do seu sentido mais profundo.

Neste mesmo momento, milhares de jovens católicos como esse estão sendo induzidos, por sacerdotes estúpidos ou maliciosos, a contentar-se com “ser anticomunistas em espírito”, na segurança dos seus lares e no doce ambiente da fraternidade cristã, sem arriscar o conforto de suas almas e o bem-estar de seus corpos no enfrentamento real com o inimigo, na agitação sangrenta do mundo.

Para dissuadi-los de tomar qualquer atitude objetiva contra o maior perigo que já ameaçou a Igreja desde fora e desde dentro, esses professores de um pietismo kitsch infundem nas mentes de seus discípulos uma falsa dicotomia entre a vida interior e a guerra santa e, corrompendo-os até à medula, cultivam neles a vaidade demoníaca de sentir-se superiores por abster-se da segunda para dedicar-se à primeira, como se o sangue dos mártires e dos heróis pouco ou nada valesse perto das orações dos monges, e aliás como se não houvesse monges entre os mártires e heróis. Os papas da era das Cruzadas, em contrapartida, prometiam a indulgência plenária àqueles que arriscassem sua vida no campo de batalha, jamais àqueles que fugissem ao combate sob a desculpa de que estavam muito ocupados com sua “vida interior”.

Lembro-me de que na igreja de padres italianos em que me criei na infância, e onde decorei a missa em latim aos oito anos para realizar o sonho de ser coroinha (donde se vê minha total inexperiência da vida católica), havia dois altares votivos, em mármore, permanentemente acesos, com as inscrições: “Ai martiri” e “Agli eroi” (“Aos mártires” e “aos heróis”). Não havia nenhum para as pessoas ocupadas em coisas importantes.

O pior é que o menino que escreveu aquelas palavras desastradas está seguro de jamais ter-me ofendido (muito menos de haver ofendido ao próprio Cristo), e até garante: “Não pretendo ser presunçoso nem soberbo.” Haverá maior presunção e soberba do que, em nome de uma pretensa experiência mística, fazer pouco daqueles que, atendendo ao chamamento de Pio XII, professaram combater o comunismo “com a maior energia, dentro e fora da Igreja” e “até mesmo com o sacrifício de suas próprias vidas”? Haverá maior soberba do que ignorar que esse chamamento, na verdade, não veio de Pio XII, mas da própria Virgem de Fátima? Haverá maior presunção e soberba do que imaginar que a luta contra o inimigo que mais odiou e matou cristãos ao longo de toda a história humana, e que superou nisso infinitamente todas as heresias e todas as invasões de bárbaros, “é um ponto meramente terceiro ao lado de outras importâncias”? Como pode a vida religiosa ter-se prostituído a tal ponto que um fiel católico já não enxerga nada de ofensivo em acreditar que os mais de trinta milhões de mártires e combatentes cristãos sacrificados pela sanha comunista na Rússia, na Polônia, na Hungria, na China, em Cuba e um pouco por toda parte merecem apenas as nossas orações, se tanto, em vez da nossa firme disposição de correr o mesmo risco que eles correram?

Faço a pergunta e já tenho a resposta, que recebi pronta de mentes mais sábias.

O cardeal Pallavicini ensinava que “convocar um concílio geral, exceto quando exigido pela mais absoluta necessidade, é tentar Deus”. Desde a fundação da Igreja até a década de 60 do século findo, realizaram-se vinte concílios. Nenhum deles incorreu nesse pecado. Cada um, segundo enfatizava o cardeal Manning, “foi convocado para extinguir a heresia principal ou para corrigir o mal maior da respectiva época”. O primeiro a desprezar essa exigência, e a desprezá-la não por descuido, não por um lapso, não por negligência, mas por vontade expressa e por firme decisão de seus convocantes, foi o Concílio Vaticano II. Depois de Nossa Senhora de Fátima ter advertido, logo antes da Revolução Russa, que os erros e desvarios vindos de Moscou seriam o flagelo mais cruel que já se abatera sobre a humanidade, depois de vários papas proclamarem da maneira mais inequívoca que o comunismo era não só o maior mal da nossa época mas um perigo praticamente ilimitado, ameaçando, segundo Pio XII, invadir, corromper e destruir “tudo o que é espiritual – filosofia, ciência, lei, educação, as artes, os meios de comunicação, a literatura, o teatro e a religião em geral”, o Concílio Vaticano II comprometeu-se oficialmente, em troca de amabilidades irrelevantes do governo soviético, a não condenar esse mal, a não dizer uma só palavra que fosse contra o comunismo. Podem procurar em todos os documentos oficiais do Concílio: não encontrarão essa palavra.

Bem, se o próprio Concílio tinha mais o que fazer em vez de prestar atenção à advertência de Nossa Senhora e combater o maior dos males presentes, por que haveria um jovem católico brasileiro de perceber o quanto é ofensivo e presunçoso achar que sua suposta “vida mística” vale mais do que tentar parar a matança de cristãos (e aliás também de não-cristãos)? O Concílio, sem dúvida, inaugurou uma nova espiritualidade: a espiritualidade dos avestruzes.

O jovem a que me referi não é exceção. Suas idéias valem muito como indícios de um estado de coisas. Elas mostram, como única alternativa aparente à falsa igreja ativíssima e entusiasta dos padres e bispos comunistas, a Igreja omissa, entorpecida, hipnotizada na contemplação vaidosa de sua própria alienação.

Que eficácia têm, nessas condições, a “devoção e contrição” de que se gaba o nosso personagem, e as de tantos outros como ele? Mateus, 5:23-24, ensina: “Se trouxeres a tua oferta ao altar, e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai reconciliar-te primeiro com teu irmão e, depois, vem e apresenta a tua oferta.” Será que trinta e tantos milhões de mártires não têm queixa nenhuma contra os irmãos que os ignoram em favor de “coisas mais importantes”, como os ignorou solenemente o Concílio?

P. S. – Quem quiser detalhes sobre o pacto hediondo que impôs à Igreja o silêncio quanto ao comunismo, leia Pope John’s Council, de Michael Davies (2nd. ed., Kansas City, Missouri, Angelus Press, 2008), e Las Puertas del Infierno, de Ricardo de la Cierva (Barcelona, Editorial Fénix, 1995).