por Félix Maier


17 de março de 2002

Dize-me o que pensas de Ivan Denisovich
e eu te direi quem és.”

Essa frase se tornou corriqueira na antiga União Soviética, depois que “Um Dia na Vida de Ivan Denisovich”, primeiro romance de Alexandr Solzhenitsyn, ganhou a simpatia do grande público. Nesse livro, Solzhenitsyn retratou o Estado soviético como um Estado policial, a União Soviética como uma prisão ou campo de concentração. Realidade essa exposta com conhecimento de causa, pois Solzhenitsyn sofrera na própria pele as torturas de um campo de trabalhos forçados na Sibéria, de onde fora libertado após a morte de Stalin e a anistia geral subseqüente. “Ivan”, na verdade, se tornaria apenas um preâmbulo das atrocidades soviéticas que seriam denunciadas, mais tarde, no portentoso livro “Arquipélago Gulag”, que lhe rendeu um Nobel de Literatura em 1970 – prêmio impedido pela cúpula soviética de receber em Estocolmo, como já ocorrera com Boris Pasternak e seu premiado “Doutor Jivago”, em 1958.

Se “Ivan” agradava às massas, o mesmo não se podia dizer das autoridades soviéticas, que viam no livro um ato de traição à Pátria, por entregar de mão beijada as armas ao inimigo. Daí o mote “dize-me o que pensas de Ivan Denisovich e eu te direi quem és”. Se falas mal de “Ivan”, és um patriota digno de viver na União Soviética. Se falas bem de “Ivan”, mereces toda a reprovação do Partido e teu destino será os campos gelados da Sibéria.

Como um Nagib Mahfouz é a consciência do povo árabe, Solzhenitsyn aceitou ser a consciência de seu país, seja durante os anos de terror stalinista, de onde escapou com vida sabe Deus como, seja durante o curto “degelo” (desestalinização) promovido por Kruschev e a posterior reestalinização, que voltou a caçar os dissidentes soviéticos.

No Brasil, na última década, temos um homem da estatura de um Solzhenitsyn, que aceitou o papel duro e solitário de ser a consciência (ou seria a inconsciência?) de seu país: Olavo de Carvalho.

Mas, quem é Olavo “Denisovich” Carvalho, esse ser ao mesmo tempo tão odiado e tão amado por tantos brasileiros?

Passei a admirar o jornalista, escritor e filósofo Olavo de Carvalho depois de ler uma reportagem de capa da revista “República”, de julho de 1997 (Ano 1, nº 9). O tema central da exposição era o recente e polêmico livro de Olavo, “O Imbecil Coletivo – Atualidades Inculturais Brasileiras”, em que o autor desmascarava a farsa promovida pela fauna intelecto-narcisista nacional. E me espantei do que havia lido. Não que lá estivessem tratados filosóficos difíceis de digerir, ou argumentações e refutações que tivessem ocasionado um curto-circuito em meus miolos moles. O espanto era que eu começava a perceber como as coisas simples e as verdades cristalinas aos poucos foram se tornando um anátema para a “coletividade imbecil”, representada por boa parte de nossos intelectuais, para os quais a mentira havia se transformado em dogma. E nós, todos os brasileiros, aceitando passivamente essa aberração.

Desde então, tenho acompanhado de perto a obra de Olavo, especialmente na Internet (www.olavodecarvalho.org/). Pude testemunhar intermináveis embates que Olavo teve que enfrentar, sempre se saindo bem das pelejas contra a coletiva imbecilidade reinante, demonstrando o brilhantismo inato, temperado sempre com uma boa dose de humor. Como se sabe, a filosofia reinante no Brasil de o “imbecil coletivo” não aceita a tese da sabedoria do “indivíduo” – daí os adversários de Olavo ladrar e urrar em coro, sempre em comum acordo, muitas vezes num sistema de revezamento, para não dar muito na pinta. Afinal, “coletivo” – aprendemos no grupo escolar – refere-se a formigueiro, alcatéia, manada, cáfila e outras faunas. Para Olavo, o que importa é o “indivíduo”, o ser humano em carne e osso, senhor de seu destino e único responsável por seus próprios atos. Uma alcatéia de lobos nunca será responsável por nada, por mais estragos que faça no galinheiro. Segundo Olavo, o mundo verdadeiro para o “idiota coletivo” é apenas o que é percebido coletivamente. “Assim, se um dos membros da coletividade é mordido por um cachorro”, escreve Olavo, “deve imediatamente telefonar para os demais e perguntar-lhes se de fato foi mordido por um cachorro”. Uma coisa Olavo nunca me explicou direito: será que os “idiotas coletivos”, que só andam e se expressam como uma manada, também fazem sexo grupal?

Depois de atacar em bandos, de proferir desaforos e mentiras, a alcatéia imbecil passou a ameaçar fisicamente Olavo, a enviar recados de que cuidasse bem de sua vida, que ela poderia correr riscos. Olavo, que na juventude pertencera à manada esquerdista, só para parecer “enturmado”, mas que conhecia bem com que tipo de gente estava tratando, se assustou de tal forma que abandonou o Brasil por uns meses, refugiando-se em um país da Europa.

De volta ao Brasil, Olavo continuou a lecionar seus cursos de Filosofia na Universidade da Cidade e a escrever seus artigos, agora para vários jornais, como Jornal da Tarde, O Globo, Zero Hora, e revistas, como República e Época, além de promover palestras em todos os cantos de nosso País. O embate com a alcatéia “imbecil coletiva” não diminuiu, pelo contrário, aumentou – a exemplo das réplicas, tréplicas e kíloplas de Olavo com “Fedelli e seus fedelhos”. Se fosse responder a todas as provocações, o dia para Olavo teria que ter 72 horas, o ano 1000 dias.

Uma coisa chama a atenção nos artigos de Olavo: à primeira vista, parecem ser o samba do filósofo zonzo de uma nota só. O tema, invariavelmente, é sobre o “imbecil coletivo” que hoje ocupa todos os espaços da cultura, da imprensa, do rádio, da TV. Ou seja, sobre a cínica esquerda brasileira, que se locupleta com a corrupção, com a distribuição de cargos públicos entre si. Essa mesma esquerda, stalinista ou apenas demagógica, essa esquerda esclerosada, que tenta levantar a múmia de Lenin do mausoléu em Moscou para fazer passear nos acampamentos do MST, com o empenho de lúgubres Partidos radicais e as bênçãos da CNB do B.

Pobre Olavo! Como nosso brilhante filósofo poderá concluir suas obras mais importantes, de Filosofia, Metafísica e Lógica, se perde seu preciosíssimo tempo com coisas menores, com a alcatéia de chacais que nunca se sacia, que cada vez mais pede outro naco de carne sangrenta?

A mais conhecida “libélula” da USP, Emir Sader – que no passado pertencera aos quadros do MIR chileno, grupo que em 1989 seqüestrou Abílio Diniz –, também deu o ar de sua graça “coletiva”, bailando no ar com suas asas transparentes. Escreveu “Olavo de Carvalho não existe”, no dia 28 de setembro de 2001, acusando-o de ser empregado de Ronald Levinson, o qual esteve metido num escândalo financeiro dos tempos dos Governos militares – o “Caso Delfim”. Sader faz afirmações estapafúrdias, dizendo que Olavo fisicamente não existe, é apenas uma cria da direita, um Quixote que ainda vê comunistas por todos os lados, apesar de o Muro de Berlim ter caído e a URSS não existir mais. Finalizando MIR Sader diz que os espaços de Olavo na imprensa são comprados por publicidades que a UniverCidade faz nos meios de comunicação…

Nesses tempos de “imbecil coletivo”, é de admirar que Olavo ainda tenha espaço na imprensa para expressar sua opinião. Entretanto, a alcatéia esquerdista o vigia bem de perto. Não tem erro, ao primeiro descuido, o ataque é certeiro. Em 2001, um lobo-editor recém-chegado à revista “Época”, podou três artigos mensais de Olavo, agora ele escreve apenas um. Motivo? Olavo demonstrou, de forma cristalina, como é a “moralidade leninista” que rege a vida de muitos homens públicos, acomodados no ninho do Governo dos tucanos, a exemplo de Aloysio Nunes Ferreira Filho, outrora integrante de um grupo terrorista, hoje Ministro da Justiça. E olha que Olavo nem disse que Aloysio é nosso Ronald Biggs, por ter assaltado o trem-pagador Santos-Jundiaí, em 1968. No lugar de Olavo, outros escritores se revezam agora em “Época”, com destaque para a mais nova “libélula” da USP, a professora de anti-História Maria Aparecida de Aquino. A alcatéia “coletiva”, enfim, ganhou mais espaço, descontente ainda por não ocupar todo o espaço jornalístico brasileiro.

Além da censura em “Época”, Olavo teve dois artigos rejeitados pela imprensa. Um se refere ao Governo Clinton, que liberou pesquisas secretas americanas para a China. Outro se refere à “tiazinha” Marilena Chauí, libélula-mor da USP. Os artigos estão disponíveis no site de Olavo.

E assim segue Olavo em sua trajetória nacional, lecionando em seminários de Filosofia, escrevendo seus veementes artigos nos jornais, participando de fóruns e palestras Brasil afora, assumindo encargos dantescos como um dever cívico, para abrir as mentes embotadas de todos nós. Esse sacerdócio que Olavo abraçou, pelo qual será capaz de doar a última gota de sangue, não conta com o apoio de órgãos públicos, como ocorre com as “libélulas” da USP, em que MIR Sader e Marilena Chauí utilizam verbas oficiais para publicar suas esvoaçantes e vaporosas idéias “coletivas”.

Vá em frente, Olavo, escreva seus artigos aos jornais e revistas. Porém, não perca tempo com os ganidos da alcatéia de chacais que rondam seu importante trabalho. Dê um tempo para si mesmo, para que na solidão do “indivíduo” possa terminar os vários trabalhos de Filosofia ainda em andamento. Ansiosos, Olavo, aguardamos essas obras.

Parodiando a conhecida frase russa a respeito do livro “Ivan Denisovich”, posso afirmar com convicção: dize-me o que pensas de Olavo de Carvalho e eu te direi quem és.

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