Olavo de Carvalho

9 de agosto de 1999

Prezados amigos,

Muito obrigado a todos pelas manifestações de solidariedade. O que mais me espanta nos fatos recentes é justamente que, ascendendo ao poder sem a menor resistência, arrombando uma porta aberta com a ajuda do dono da casa, a esquerda hidrófoba esteja de tal modo acostumada a seus privilégios de menina mimada, que já não suporta a mínima oposição, nem mesmo teórica e vinda de um homem só. Nada, nem um gesto, nem uma palavra pode contrariar as exigências da grã-senhora, que, imbuída de seu estatuto de dona de todas as virtudes, condena à morte, pelo crime de estar “despreparado para o debate democrático”, um simples cidadão isolado que ousou não gostar dela, desprezar os encantos da madame. Com isto, ela se desmascara: a prepotência raivosa da Rainha de Copas já permite vislumbrar nela os traços da velha prostituta que, no leste europeu e na China, se embriagou do sangue de cem milhões de pessoas.

No artigo que publiquei na Folha de S. Paulo na última quinta-feira, aplaudi a abertura da Unicamp para os trabalhadores rurais no ciclo “Realidade Brasileira” e critiquei a uniformidade ideológica das lições transmitidas, a ausência de um confronto entre posições diversas. Em resposta, fui acusado de ter preconceito contra os pobres e de não estar “preparado para o debate democrático”. A Novilíngua de 1984 já está, portanto, adotada como idioma oficial do Brasil.

Ato contínuo, chega-me a notícia de que estão tramando a minha morte. Isso já não é mais apenas a boa e velha incompreensão, a clássica sonsice do imbecil coletivo. É ódio insano, é demência assassina em busca de um bode expiatório.

Agradeço a todos os amigos a corajosa solidariedade com que me reconfortaram na hora do confronto com o absurdo máximo. Entre os que me escreveram, há pessoas de todas as orientações políticas e algumas sem política alguma, mas todas irmanadas no propósito de conservar a razão no meio do caos. E isto é, de fato, a única coisa que importa neste momento.

Nos próximos dias, através de minha homepage e de e-mails, procurarei manter os amigos informados do desenrolar dos fatos.

Com meus melhores votos,

Olavo de Carvalho

PS – Entre centenas de e-mails que me trouxeram o conforto da solidariedade, um, um só, veio agravar a tristeza e o desgosto que, diante dos fatos que venho relatando, não posso evitar sentir. Num tom de certeza inquestionável, o sujeito declarava que eu havia “inventado essa história, um truque dos mais rasos”, e ainda afirmava que meus escritos se compunham de “xingamentos”, nada mais. O lado mais irônico do episódio é que, no meio de tantas preocupações quanto à minha vida e à dos meus, ainda tive a pachorra de responder a esse missivista, chegando a trocar com ele uns três ou quatro e-mails que já iam virando mais uma depois de tantas polêmicas de imprensa. Foi só aos poucos que me dei conta do desatino em que ia entrando. O cidadão me surpreendia no momento mais difícil de minha vida, me disparava meia dúzia de injúrias, me chamava para o mais extemporâneo dos bate-bocas — e eu, como se tivesse todo o tempo e todo o sossego do mundo, ainda lhe concedia a honra de uma resposta! Há momentos em que a boa-fé se torna uma insensatez suicida. Acostumado, como professor e conferencista, a nunca recusar explicações nem mesmo ao mais estúpido e mal intencionado dos perguntadores, pois afinal ser professor é investir naquele fundo de honestidade que se pressupõe existir em todo ser humano, lá ia eu de novo, como se diz, dando bom-dia a cachorro e chamando gato de “meu tio”. De fato, quando a crueldade mental ultrapassa um certo ponto, ela estonteia de tal modo sua vítima que esta não se dá conta do que está se passando e cai numa passividade sonsa que se oferece, indefinidamente, a novos maus tratos. A malícia, a perversidade, a torpeza de mentalidade necessárias para puxar naquela hora aquele tipo de duelo verbal eram quase inimagináveis — e, por isto mesmo, custei a imaginá-las e percebê-las. Quando dei por mim, já havia perdido horas preciosas dando explicações a quem, no fundo, não as queria nem um pouco, e tanto não as queria que, sem pedi-las, me havia julgado e condenado como inventor de minha própria desgraça, sem precisar, para tanto, de outro fundamento lógico senão sua convicção de que a esquerda brasileira é boa e eu sou mau. Por uns instantes pensei em reproduzir aqui as cartinhas infames. Depois examinei melhor o assunto, e julguei que não era o caso. Para que expor com detalhes a baixeza de quem procurava transformar um frustrado assassinato físico num bem sucedido assassinato moral? Não, não vou insistir nisso. Não é preciso nem mesmo dar o nome do remetente. Ele sabe quem ele é — e não há nada no mundo que possa libertá-lo deste castigo.

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