Olavo de Carvalho

Época, 28 de julho de 2001

A inteligência brasileira vive num espaço separado

Nada mais característico da miséria intelectual brasileira que a reserva de mercado concedida a certos autores e a certas correntes de pensamento na economia geral das atenções universitárias. Foucault, Derrida, Lacan, Deleuze, Freud, Nietzsche, Marx, Gramsci e Heidegger estão entre os privilegiadíssimos. Devem essa posição – grosso modo, é claro – a seu prestígio de críticos radicais da civilização do Ocidente. O lado pitoresco da coisa é que tanta atenção aos críticos coexista com um total desinteresse pelo objeto criticado. É normal um intelectual brasileiro confiar piamente no diagnóstico nietzschiano da mente de Sócrates sem ter a menor vontade de saber o que o próprio Sócrates fez ou disse. Não conheço um único intelectual público que tenha concedido algum tempo ao estudo de Aristóteles, mas conheço centenas que asseguram que Aristóteles foi superado não sei onde ou quando. Quando digo que a física de Aristóteles estava mais avançada que o mecanicismo renascentista, porque antecipava o indeterminismo de Heisenberg, olham-me com aquela cara de quem viu um ET. E assim por diante. Os dados, a realidade, a consistência da civilização não interessam. Só o que interessa é sua crítica. No fim, “pensamento crítico” vira isso: confiar na opinião de terceiros, dispensando-se de um exame pessoal do assunto.

Se o assunto é cristianismo, então, a fantasia vai parar longe. Com a maior seriedade, catedráticos nos asseguram que a Igreja tem “uma concepção dualista de alma e corpo” ou que ela prega “uma ética de altruísmo”. A primeira dessas doutrinas é puro Descartes, a segunda uma criação de Auguste Comte, feita para desbancar o conceito cristão de caridade.

Entre o ambiente cultural brasileiro e a realidade histórica da civilização ergueu-se um muro de preconceitos, frases feitas, indiferença e esquecimento.

Mais assustador que a ignorância do passado, porém, é o desinteresse pelo presente. Quantas vezes, diante de públicos universitários supostamente interessados em filosofia, constatei que nunca tinham ouvido falar de Eric Voegelin, de Xavier Zubiri, de Bernard Lonergan, certamente os filósofos mais criativos da segunda metade do século XX!

Haviam parado em Derrida.

Um coágulo de marxismo-estruturalismo-psicanálise-desconstrucionismo havia obstruído definitivamente seus condutos cerebrais.

O tratamento de choque de Alan Sokal não surtiu efeito nesta parte do mundo. Imposturas Intelectuais foi bastante lido, mas só é conclusivo para quem tenha formação científica bastante para sentir a gravidade de seus argumentos. Como esse não é o caso da maioria de nosso público universitário, o livro fica com a fama de ter sido apenas uma pegadinha engenhosa.

Recomendo então dois remédios de mais fácil assimilação. O primeiro é Thinkers of the New Left, de Roger Scruton, a demonstração inequívoca da menoridade mental dos tótens acadêmicos ainda cultuados no Brasil. O segundo é Mensonge, de Malcolm Bradbury, uma devastadora sátira do desconstrucionismo. Trata da vida e das obras de Henri Mensonge, philosophe inconnu que teria sido não somente o verdadeiro criador da celebrada doutrina da “inexistência do sujeito”, mas também… o primeiro a praticá-la. E tão coerente foi esse pensador que nunca foi visto em parte alguma e só deixou dois escritos, inéditos e jamais lidos por quem quer que fosse: “Moi?” e “La fornication comme acte culturel”.

Se você tem um filho na universidade, faça uma experiência: dê-lhe os livrinhos de Scruton e Bradbury. Se depois de os ler ele continuar desinteressado de conhecer o mundo “extra muros”, você pode ter certeza: ele fará uma brilhante carreira de intelectual acadêmico. É verdade que o salário não será grande coisa, mas sempre restará a esperança de que ele chegue ao cume da profissão: a Presidência da República.

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