Leituras

Quem atacou o Opus Dei? – 1

Olavo de Carvalho

2 de março de 2009

Meus comentários sobre o Opus Dei, no programa True Outspeak, foram respondidos como costumam sê-lo, no Brasil, os meus comentários sobre qualquer outra entidade, grupo ou instituição: com um intenso sentimento de autodefesa corporativa, afetações hiperbólicas de indignação moral, acusações escabrosas à minha pessoa e nenhuma atenção ao conteúdo das minhas palavras.

Eu já deveria ter-me acostumado com essas coisas, mas às vezes insisto em ignorá-las e em continuar imaginando que um escritor, um colunista de jornal, um comentarista de rádio ou qualquer outro formador de opinião tem o direito de ser respondido segundo aquilo que disse, não ao sabor das vagas associações de idéias que ocorram à platéia, nem muito menos das reações emocionais em cadeia que daí derivem, as quais só podem levar a discussão para longe do assunto originário e transformá-la, como quase invariavelmente ocorre, em campanha de difamação mesquinha adornada de afetações teatrais de bom-mocismo.

Puro jogo diversionista, por exemplo, é defender a dignidade e santidade da Obra de Dom Josemaria Escrivá de Balaguer contra quem jamais disse uma palavra contra ela nem teria motivos para fazê-lo. O Opus Dei é uma organização mundial: se eu quisesse atacá-la deveria falar dela em escala genérica e universal, em vez de concentrar minhas críticas, como o fiz, na conduta política – ou mais propriamente apolítica – de seus membros num país em particular, o Brasil. Nada do que eu disse sobre omissão e covardia poderia aplicar-se, digamos, ao Opus Dei americano, que é um dos fronts mais ativos da guerra cultural em defesa do cristianismo, muito menos ao tronco originário espanhol da mesma entidade, de cuja intensa e frutífera atividade política presta contas o eminente historiador Ricardo de la Cierva no livro indispensável Las Puertas del Infierno. La Historia de la Iglesia Jamás Contada (Barcelona, Fénix, 1995, pp. 567-587).

Se, portanto, limito-me a cobrar dos membros brasileiros dessa entidade uma conduta à altura da de seus colegas de outras nações, que sentido faz defender contra mim a entidade em si, que longe de ser atacada nos meus comentários está ali servindo de padrão de medida para a aferição do comportamento de um de seus ramos em particular?

É psicologicamente compreensível, mas moralmente inaceitável, que o servidor relapso, denunciado, tente se proteger ocultando-se por trás da honra e dignidade do chefe, fingindo que foi este e não ele o acusado, de modo a jogar contra o denunciante alguém mais forte e assim esquivar-se, seja de prestar contas de sua má conduta, seja, mais ainda, de corrigi-la.

Todas as apologias da Obra que estão circulando em resposta às minhas críticas devem, portanto, ser desde logo descartadas como meros subterfúgios covardes, totalmente alheios ao assunto em discussão.

O que eu disse, em substância, foi que, no Brasil, os membros do Opus Dei, entre os quais muitos políticos, empresários, magistrados, gente, em suma, de algum poder, se omitem de juntar suas forças àqueles combatentes, isolados e desprovidos de recursos, que hoje enfrentam em luta monstruosamente desigual as forças bilionárias do establishment esquerdista e sofrem por isso toda sorte de boicotes e difamações, marginalização profissional e ameaças de morte. Isso é um simples fato empiricamente comprovável. Não podendo negá-lo, não tendo um currículo de serviços prestados à causa da liberdade para tapar minha boca com ele, os acusados apelam então à desconversa e às gesticulações histriônicas de dignidade ofendida, que só podem servir de provas suplementares em favor das minhas declarações.

Dentre as inúmeras mensagens que recebi a respeito, uma, uma só tentou levantar contra meus argumentos um fato, um único fato isolado, que parecia contraditá-los.

“Josemaria Escrivá – escreve o missivista, aliás bastante gentil, em contraste com os demais – diz que se há algo absurdo para nosso espírito seria admitir que alguem deixe de ser católico ao entrar na Assembléia. Não é correto. A nós nos é muito cara a idéia de ser santo no cotidiano, como o exemplo de De Gaulle, que o senhor citou. Registro, professor, que um dos que revelaram o Foro de São Paulo foi o Dr. Graça Wagner, que por sua vez foi barbaramente perseguido. Ele era particularmente grato e amigo da Obra.”

Essa alegação é verdadeira, mas o primeiro a apresentá-la fui eu mesmo, no número de junho de 2006 da revista Digesto Econômico, edição especial sobre o Foro de São Paulo (v. http://www.dcomercio.com.br/especiais/outros/digesto/digesto_06/06.htm):

“O pioneiro inconteste na investigação do fenômeno ‘Foro de São Paulo’ foi o advogado paulista José Carlos Graça Wagner, homem de inteligência privilegiada, que muito me honrou com a sua amizade. Ele já falava do assunto, com aguda compreensão da sua importância histórica e estratégica, por volta de 1995, quando o conheci. Em 1999, a documentação que ele vinha coletando sobre a origem e as ações da entidade lotava um cômodo inteiro da sua casa, e uma prova da criteriosidade intelectual do pesquisador foi que só a partir de então ele se sentiu em condições de começar a escrever um livro a respeito. Na ocasião, ele me chamou para ajudá-lo no empreendimento, mas eu estava de partida para a Romênia e, com muita tristeza, declinei do convite. Maior ainda foi a tristeza que experimentei anos depois, quando, ao retomar o contato com o Dr. Wagner, soube que o projeto tinha sido interrompido por uma onda súbita e irrefreável de revezes financeiros e batalhas judiciais, que terminaram por arruinar a saúde do meu amigo e de sua esposa, ambos já idosos. Não sai da minha cabeça a suspeita de que a perigosa investigação em que ele se metera teve algo a ver com a repentina liquidação de uma carreira profissional até então marcada pelo sucesso e pela prosperidade.”

Longe de contradizer ou atenuar as minhas críticas, o total descaso dos membros do Opus Dei brasileiro pelas pesquisas iniciadas por esse grande batalhador é a prova mais contundente daquilo que eu disse. Se reunida e publicada, a documentação coligida pelo Dr. Graça Wagner teria bastado para bloquear a ascensão triunfante do esquerdismo no Brasil. Se os membros do Opus Dei no Brasil tivessem um pingo de senso do dever, jamais teriam deixado que esse material explosivo continuasse abandonado, por anos a fio, em caixotes empoeirados, enquanto os próceres do esquerdismo, protegidos da revelação de seus vínculos com o terrorismo e o narcotráfico, iam brilhando em público como exemplos de moralidade impoluta.

Fiz tudo o que estava ao meu alcance para divulgar em jornais e revistas alguns dos fatos descobertos pelo Dr. Graça Wagner, só deixando de citá-lo desde o início a pedido dele mesmo, mas passando a fazê-lo tão logo a morte desse meu querido amigo me livrou do compromisso de silêncio. O que não consegui foi que alguma entidade ou pessoa de recursos se responsabilizasse pela guarda e aproveitamento daquele material, constituindo uma equipe de pesquisadores para que o arquivasse, classificasse e publicasse.

É a esse fato que o sr. Alex Catharino de Souza, um tipinho ridículo ao qual darei mais adiante o tratamento que merece, alude com malícia pueril ao dizer que “a tentativa de aproximação do Sr. Olavo de Carvalho com alguns membros do Opus Dei tinha como principal objetivo, não a sua conversão ao catolicismo, mas, principalmente, o interesse de obter recursos financeiros”. Não vejo por que eu deveria precisar de auxílio do Opus Dei para me converter a uma Igreja que já era a minha. Mas sem dinheiro, decerto, era impossível dar prosseguimento ao trabalho iniciado pelo Dr. Graça Wagner. Tudo o que eu podia fazer com os meios de que dispunha foi exatamente o que fiz: estudar aquela massa de papéis e divulgar alguns dos fatos essenciais que eles documentavam. Fiz isso não só nos meus artigos de imprensa, mas também publicando, no jornal eletrônico Mídia Sem Máscara, as atas quase completas das assembléias e grupos de trabalho do Foro de São Paulo. O que fui pedir às criaturas aludidas pelo sr. Catharino não foi dinheiro: foi que honrassem a memória do pioneiro investigador, impedindo que seu trabalho, essencial para o futuro político de um continente inteiro, fosse abandonado e esquecido. Descontada a parcela que fiz sozinho – muito mais do que fizeram todos os membros do Opus Dei somados –, os únicos resultados que obtive em quase uma década de esforços persuasórios foram a edição especial do Digesto já mencionada – iniciativa pessoal de Guilherme Afif Domingos – e a publicação, pela É-Realizações, da coletânea de artigos Conspiração de Portas Abertas. Como o Movimento Revolucionário Comunista Ressurgiu na América Latina Através do Foro de São Paulo (2008), onde o artigo do Digesto foi aproveitado como prefácio, com a ressalva de que o organizador, Paulo Diniz Zamboni, sem autorização minha, cortou do texto justamente as linhas acima citadas, privando da indispensável homenagem a memória do Dr. Graça Wagner.

Também não posso dizer que o dr. Wagner foi a única exceção no quadro da omissão geral do Opus Dei. Quando o Mídia sem Máscara estava ainda engatinhando, foi outro membro daquela entidade, que conto entre meus melhores amigos e cujo nome não cito porque ele não me autorizou a isso, quem veio em nosso socorro durante algum tempo, oferecendo uma sala de seu escritório para sede da redação e ainda fazendo alguma contribuição em dinheiro, modesta porém salvadora naquele momento, da qual não embolsei um único tostão, deixando-a para os editores executivos, sem jamais pedir sequer que me prestassem contas, como aliás também fiz com as demais ajudas recebidas pelo jornal, seja do IRI, Independent Republican Institute, seja da É-Realizações, seja de outras fontes das quais não fui nem mesmo informado, ajudas sempre modestas e muito abaixo das necessidades da publicação. Toda a minha relação financeira com o Mídia Sem Máscaraconsistiu em alimentá-lo com dinheiro do meu próprio bolso, enquanto necessário, e em nada receber, mais tarde, que proviesse do bolso alheio.

Ainda com relação a esse tópico, uma só vez, em 20 de junho de 2006 – uma única vez e nada mais – coloquei no meu website um pedido de ajuda, acompanhado de links para contribuições pelo Paypal, exatamente como aqueles que se encontram em praticamente todos os sites ativistas do mundo, e depois nunca mais voltei a tocar no assunto. Mesmo no programa True Outspeak, ao longo de suas mais de cem emissões semanais, jamais pedi um tostão a quem quer que fosse. E mesmo quando abri o Seminário de Filosofia online, ali depositando os frutos de mais de trinta anos de trabalhos e estudos, só o que solicitei aos usuários foi a taxa mais que modesta de vinte dólares por mês, para cobrir despesas e pagar meus auxiliares. Pois bem, aquele apelo de 2006, excepcional e isolado, além de plenamente justificado pelas circunstâncias que ele mesmo descreve, bastou para que o sr. Catharino – por ironia, um fund raiser profissional – me acusasse de fazer “constantes campanhas para arrecadar fundos em benefício próprio (achando que, pelo simples fato dele existir, deve ser pago por todos)” e depois ainda alardear que “sem a oração perdemos a noção da caridade e não somos capazes de combater as falsas idéias, mas, apenas, atacar pessoas”. Só posso concluir que, no entender do sr. Catharino, o voracíssimo Olavo de Carvalho é uma idéia, não uma pessoa.

Mas deixarei essas catharinices para a sobremesa. Elas são saborosas demais para que as desperdicemos por aqui. Por enquanto, lembro aos interessados que, nas eleições de 2006, o candidato presidencial Geraldo Alckmin poderia ter liquidado as pretensões de seu adversário se consentisse em mostrar as atas do Foro de São Paulo, incluindo discursos pronunciados em círculos discretos pelo próprio Lula, que comprovavam acima de qualquer possibilidade de dúvida seu papel de liderança no movimento comunista continental e sua longa parceria política com organizações de terroristas, seqüestradores e narcotraficantes. Ele teria mesmo a obrigação de fazer isso, pois não é lícito a ninguém, muito menos a um católico praticante, acobertar os feitos de um criminoso para fazê-lo posar diante do público como um candidato normal e honrado, só separado de seu adversário por algo tão inofensivo como uma polida “divergência de idéias”. Dizem que o sr. Chuchu não é pessoalmente um membro da Obra, mas o fato é que vivia cercado deles em rodas de oração e encontros sociais. Algum cumpriu sua obrigação de levar a ele os documentos colhidos pelo Dr. Graça Wagner? Algum deles cobrou do candidato o dever estrito de revelar aos eleitores a verdadeira identidade do seu concorrente, para que decidissem seu voto com consciência de causa em vez de imaginar que faziam uma escolha entre meras correntes de opinião moralmente equivalentes?

[Continua]

O preço do salame

Olavo de Carvalho

22 de janeiro de 2009

O que está havendo com a minha coluna no Jornal do Brasil

Aproximadamente um ano atrás, o Jornal do Brasil diminuiu arbitrariamente meu salário, de US$ 2.000,00 para US$ 400,00 por mês. O aviso veio como fato consumado, sem qualquer consulta prévia a esta desprezível criatura.

Cortes de salário e de espaço são na imprensa brasileira um meio usual de boicote, empregado quando o jornal ou revista quer se ver livre de um articulista sem assumir a responsabilidade de demiti-lo. É um estilo especialmente jornalístico de operação-salame. O sujeito vai sendo encurtado fatia por fatia, até que, quando o salame já está um toquinho de nada, a diretoria lhe informa que sua coluna será “ampliada” (sic), isto é, dividida e reduzida.

O mesmo truque, que não engana a ninguém exceto à consciência moral de seus autores, foi usado contra mim naZero Hora, na Época, no Globo e, por fim, no JB. Só do Jornal da Tarde a exclusão veio toda de uma vez, sem amortecedores, porque não havia o que amortecer: meus artigos ali já eram quinzenais em vez de semanais, e o pagamento era uma micharia simbólica impossível de reduzir. Ademais, desde que os Mesquita deixaram o controle do jornal eu havia perdido todo embalo de escrevcr ali, coisa que só fazia por um sentimento de gratidão e admiração para com a família.

Desde o corte de salário, fiquei de sobreaviso, sabendo que meus dias no Jornal do Brasil estavam contados. Minha expectativa confirmou-se quando outros articulistas de orientação liberal ou conservadora foram demitidos. Em 29 de maio veio a seguinte mensagem do economista Ubiratan Iorio, até então meu colega de página:

Amigos, vejam a que ponto chegou o JB. Nem coragem para nos comunicar a dispensa tiveram, preferindo recorrer ao subterfúgio batido de “mudanças” editoriais.
Saímos eu, o Antonio Sepúlveda, o Jarbas Passarinho e outros. Espero pelo menos que você, Olavo, continue firme…

Abraço,

Iorio

No último dia 8, enviei ao JB o seguinte artigo:

Norma de redação

Olavo de Carvalho

Confissões de Luiz Garcia, um dos potentados da redação de O Globo, reveladas durante um simpósio da University of Tulane, em março de 2008, por Carolina Matos, em conferência intitulada (sem ironia aparente) Partisanship versus professionalism:

“Fizemos um enorme esforço para atrair o pensamento esquerdista para O Globo. E fizemos isso em tal extensão que depois tivemos de procurar um direitista que escrevesse bem, e escolhemos Olavo de Carvalho, o que hoje lamentamos um bocado. Toda a esquerda tem acesso ao Globo: Élio Gaspari, Zuenir Ventura, Veríssimo… E também os ativistas, as ONGs. Estamos fazendo uma coisa balanceada.”

Leram? Leiam de novo. Com o maior ar de inocência, com aquela consciência limpa de quem não quer sujá-la num confronto com os próprios atos, o criador da página de opinião de um grande diário brasileiro apresenta sua noção de jornalismo balanceado, isento, equilibrado: franquear as páginas do jornal para “toda a esquerda”, um exército inteiro de editorialistas, cronistas, analistas e ongueiros, depois camuflar o partidarismo concedendo um espacinho a um – isso mesmo: um, um único – articulista de direita, em seguida reduzir um pouco mais esse espacinho e no fim ainda reclamar que o convidado, um brutamontes sem educação, ultrapassou a quota de direitice admitida. Em matéria de disfarce, isso foi tão eficiente quanto limpar bumbum de elefante com um cotonete.

Mas disfarçar era totalmente desnecessário: quem, entre as multidões, reclamaria do viés esquerdista do Globo? Brasileiro não lê jornal. Num país de 180 milhões de habitantes, a tiragem dos maiores diários, somada, mal chega a dois milhões de exemplares. A imagem que o zé-povinho tem dos jornais é a de trinta anos atrás: o Estadão ainda é os Mesquita, O Globo ainda é Roberto Marinho. Diga ao cidadão comum que O Globo é de esquerda, e ele rirá na sua cara com aquele ar de infinita superioridade que é o privilégio sublime da completa ignorância. De outro lado, o esquerdismo da mídia nacional é mais que hegemônico: é uma instituição tão antiga, tão sólida, tão tradicional e intocável que acabou por se tornar um estado natural. O jornalismo de esquerda já nem pode ser reconhecido como tal, pois há três gerações não existe um de direita que lhe sirva de contraste. A firme obediência ao programa esquerdista passa hoje como a encarnação mesma do profissionalismo idôneo, mainstream. Fanatismo, propaganda, distorção ideológica, só na coluna do Olavo de Carvalho, é claro. Pois não é que o safado teve a ousadia de contar para todo mundo que o Foro de São Paulo existia, quando a massa de seus colegas de ofício se empenhava solicitamente em ajudar essa central da subversão a crescer em silêncio? Por que ele não se limitou ao direitismo cool, educado, àquele amável direitismo de centro que festeja a eleição de Barack Obama como uma glória da democracia americana e de vez em quando até verte umas lágrimas (de crocodilo ou não) pelos terroristas mortos nos “anos de chumbo”?

Se querem entender como essa mudança aconteceu, leiam o livro de Alzira Alves de Abreu, Eles Mudaram a Imprensa(FGV, 2003). São “depoimentos de seis jornalistas que, na qualidade de diretores de redação, tiveram uma participação fundamental na reformulação ou na criação de órgãos de imprensa brasileiros nas últimas três décadas do século XX”. Dos seis entrevistados, cinco são esquerdistas. Só faltou, dessa geração de reformadores célebres, o Cláudio Abramo, que já tinha morrido. E Cláudio era um devoto de Leon Trotski. Isso, meus amigos, é a mídia brasileira. Ser esquerdista, no ambiente que esses homens criaram, não requer nem mesmo uma tomada de posição pessoal: é só você não pensar no assunto, e a força da rotina geral o arrastará insensivelmente para a esquerda sem que você tenha de assumir a mínima responsabilidade por isso.

Se Luiz Garcia parece não ter a menor consciência de que confessou uma manipulação abjeta, delituosa até, não é porque seja cínico de propósito: é porque, no meio em que ele vive, a insensibilidade moral para com os abusos do esquerdismo se tornou uma espécie de norma de redação.

No dia seguinte recebi de Rodrigo Almeida, da direção do JB, a seguinte mensagem:

Caríssimo Olavo,

A direção do jornal considerou inaquado para o JB um artigo com tantas referências ao Globo. Por esse motivo, optamos pelo cancelamento da publicação do seu artigo. Peço-lhe a gentileza de enviar um novo texto, e lhe garanto a publicação até o fim de semana.

Obrigado.

Um abraço e feliz 2009!

Rodrigo de Almeida

 

Não desejando criar conflito, respondi a ele nos seguintes termos:

Prezado Rodrigo

Não se trata do Globo, mas de um caso patente de discriminação ideológica com grave dano profissional para a vítima e prejuízo para a liberdade de imprensa em geral. À distância em que estou, meu espaço no JB é o único instrumento de defesa do qual disponho. Peço à direção do jornal reconsiderar a decisão. Caso necessário, assinarei uma declaração isentando o jornal de qualquer responsabilidade pela públicação do artigo. Se o abuso autoritário cometido por um jornal não pode ser denunciado por outro jornal, então a liberdade de imprensa acabou no Brasil.

Abraço,

Olavo de Carvalho

No dia seguinte, não tendo recebido resposta nenhuma, enviei novamente o e-mail. Decorridas algumas horas, chegou, em vez da resposta de Rodrigo Almeida, a seguinte mensagem de Paulo Márcio Vaz, editor de opinião do JB:

Prezado Olavo,

Comunico-lhe que, a partir da próxima semana, a editoria de Opinião do Jornal do Brasil será ampliada, com a chegada de mais articulistas. Portanto, todos os nossos colaboradores passarão a escrever apenas um artigo por mês. Ainda hoje, ou no início da próxima semana, lhe envio a data exata de publicação de seu artigo para fevereiro.

Peço-lhe que, por favor, confirme o recebimento desta mensagem.

Um grande abraço,

Paulo Marcio
(21) 2101-4481
(21) 8101-4472

Respondi a ele o seguinte:

Prezado Paulo Márcio,

Por favor, comunique à diretoria do JB que terei o máximo prazer em escrever um artigo mensal para o jornal. O preço de cada artigo será dois mil e quatrocentos dólares.

Atenciosamente,
Olavo de Carvalho

Até agora não veio resposta. Será que acharam dois mil e quatrocentos dólares um preço caro demais para uma fatia de salame?

Sobre o medo de ser flagrado lendo Olavo de Carvalho

Ronald Robson

Fantasia Exata, 26 de dezembro de 2008

Se há uma coisa especialmente idiota a acometer muitos dos leitores, ex-leitores, alunos ou ex-alunos de Olavo de Carvalho, é isto: desprezá-lo apenas para posar de diferente. Isso possui um segundo motivo, até compreensível, que comento logo à frente. Mas, de imediato, a causa de tal rejeição parte da sensação de que toda e qualquer pessoa jovem minimamente inteligente a existir hoje, no Brasil, não passa um dia sequer sem ler Olavo de Carvalho. E, ora, você não quer ser só inteligente: você quer ser o mais inteligente. Até aí, não há o que condenar. Obstrução canalha a essa aspiração, todavia, é este meio escolhido para realizá-la: já que todo mundo está lendo Olavo, eu preciso rapidamente digerir tudo o que ele ensinou, começar a ler uns autores nunca citados por ele, e – cereja do bolo – dizer que “Olavo já deu sua contribuição à cultura brasileira, já passou, agora eu e meus amigos é que vamos fazer e acontecer”. É batata: entro em blogs de conservadores e liberais e percebo uma espécie de pacto de silêncio em torno a Olavo após terem chupado seu olho até mais não poder e, sobretudo, até mais não compreender. Isso é de um receio pueril: medo de se tornar caricato, de ter impresso em sua testa a marca dos “novos iguais”. Medo, por exemplo, de criar um perfil no Orkut e entrar em cascata naquelas comunidades correlatas tão ao gosto new conservativebrasileiro: Olavo de Carvalho, Mário Ferreira dos Santos, Gustavo Corção, Bruno Tolentino, Otto Maria Carpeaux, José Osvaldo de Meira Penna, José Guilherme Merquior, Ortega y Gasset, Eric Voegelin, René Girard…

Esse modo de querer fazer-se visto é parte de algo que só vejo ser abordado, e parcialmente, por Pedro Sette Câmara. Mais de uma vez, já disse ele que a disputa entre conservadores e comunistas no Brasil é, mais que uma disputa honesta, um duelo de imagens: e o fato de o time dos conservadores – como alguém já disse – não lotar nem uma kombi é mais um fator a tornar nossos direitistas uns seres histrionicamente empenhados em empinar o nariz e se considerarem infinitamente acima dessa coisa que chamamos, com humildade e aquiescência ao que Deus nos consagrou, “consciência humana”. Aliás, naquela aula estranhíssima – de tão equivocada – do Massimo Borghesi que está na Dicta & Contradicta nº 2, há, todavia, uma síntese brilhante do que resultou do desbunde da geração 68 e da french theory (como chamam os americanos) que a acompanhou: o revolucionário pariu o burguês em estado puro. Pois bem. De forma similar, porém invertida, o Brasil passa – talvez eu esteja delirando, vendo coisas, mas vejamos – por um troço mais bisonho ainda: o novo direitista brasileiro age de forma mais à esquerda que as nossas mais jurássicas esquerdas. Nossos direitistas se idiotizaram antes mesmo de ter nascido por aqui alguma direita. Ou dito de outra forma: o direitista brasileiro mal viu a luz e já se pariu à imagem e semelhança do revolucionário em estado puro.

Há algumas características, principalmente na linha mais highbrow, que fazem com que jovens intelectuais conciliem a defenestração de Olavo a uma mentalidade de gueto iluminado cuja postura, diante dos problemas da ordem do dia, é em tudo igual à presunção de tipo gnóstico que ampara a estrutura cognitiva do revolucionário. Há várias, mas, para não tornar este post mais extenso do que já está, citarei uma apenas: a anglofilia. Algo como querer ser um inglesinho chique só para zombar desse pessoal breguérrimo que lê o brega do Olavo – algo como querer levar a sério o personagem que Alexandre Soares Silva criou para si. Porque, de fato, Olavo de Carvalho não é chique e nem se esforça para ser. E ora: além de ter de ser educado por alguém que todos os meus “pares” estão lendo, ainda terei de agüentar a breguice desse meu professor? Enfim: também já é cool ser um conservador elegante e chique. O que penso disso? Nada. Nem ligo. Eu mesmo sou só um subdesenvolvido falando mal do subdesenvolvimento, como me descreveria Nelson Rodrigues.

E aqui chegamos ao segundo motivo, mais plausível e referido no início deste post, para a renegação de Olavo de Carvalho: muita gente em débito com ele agora dá uma de gostoso porque uns 70% de seus leitores são uns seres nauseabundamente chatos. Mais uma vez, direita e esquerda batem as ancas: politizaram todos os seus interesses. É, por sinal, uma gama de leitores que não vai além dos artigos de jornal do Olavo e que se interessa infinitamente mais por política que por cultura. É uma gente que não dá muita bola à astrocaracteriologia, à teoria dos quatro discursos, à metafísica cuja ontologia toma as posições de sujeito e objeto como abstrações e não dados da realidade, à paralaxe cognitiva, à descrição dos mecanismos cognitivos próprios à mentalidade revolucionária, à dinâmica do Império no mundo ocidental – e demais contribuições originais do Olavo (sem falar nos empreendimentos editoriais). Só querem saber de PT, Obama, FARC e vocês sabem todo o resto. De minha parte, acho bastante nobre a postura de quem se encarrega disso: porque eu simplesmente não tenho saco. Minha paciência é dedicada a temas e estudos que não me permitem me inteirar tanto quanto eu gostaria a respeito desses assuntos “da ordem do dia”. Mas sempre acompanho. Só não faço deles os meus segundos, terceiros ou sequer quartos interesses – pois são os últimos. E, retornando ao que eu queria dizer – não é possível julgar um autor pelos seus maus leitores. Mas é isso que se tem feito com Olavo.

Em resumo, eis o fato que tanto incomoda a muitos: a centralidade de Olavo de Carvalho no que se salvar da atual cultura brasileira. Sua obra transformou os debates intelectuais minimamente honestos do Brasil em um jogo de cartas marcadas. Uma hora, um irá brandir seu Voegelin na cara do adversário. Noutro momento, o segundo surpreenderá com uma citação de Rosenstock-Huessy. Quando o debate se aproximar do ápice, um dos contendores dirá que o outro está tomando o verossímil por provável, em uma alusão à teoria dos quatro discursos. E assim por diante.

Mas, afinal, o que fazer quanto a isso? Eu, como sempre (dizem meus inimigos), tenho uma solução: não fazer nada, apenas continuar estudando. Naturalmente, os meus e os seus estudos deverão se encaminhar para onde nossas alma, seriedade e dedicação indicarem. Pois, a propósito, qual o problema em passar dois, três, cinco ou dez anos digerindo um autor? Que mal haveria, sei lá, em ler Mário Ferreira dos Santos durante a vida toda? Isso é de uma canalhice que me deixa crispado de ódio – a canalhice de “colecionar” autores “diferentes” a fim de tornar mais evidente a sua pinta de “intelectual”, como se leituras rápidas e dispersas produzissem algo mais que cansaço mental.

*

Outro dia, em tom de pilhéria, um amigo me disse que Olavo de Carvalho salvou minha vida intelectual – ou mesmo minha vida. Que, se um dia eu não tivesse aberto O Jardim das Aflições, continuaria lendo Hakim Bay e Guy Debord e me lambuzando no ódio de minha impotência. Eu apenas disse que sim, é verdade, e com uma gratidão sincera. Pois é por essas e outras que não tenho vergonha de ser leitor de Olavo de Carvalho. Não quero ser diferente às suas custas.

*

(Alguém poderá perguntar se não tenho nenhuma objeção a fazer a nada do que Olavo escreveu. É claro que tenho, assim como a qualquer outro autor. Mas não darei isso a público por um motivo evidente: não passo de um moleque de 20 anos. Se com o tempo, estudo e reflexão tais objeções continuarem a me parecer procedentes, cessarei de compartilhá-las em conversas privadas e divulgá-las-ei, pelo menos, em blog. Isso, claro, se alguém além de meus amigos se interessar pelo que tenho a dizer.)

Veja todos os arquivos por ano