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A luta de classes no Brasil

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 9 de fevereiro de 2013

          

       A luta de classes, no Brasil, não é entre operários e patrões. É entre o lumpenproletariat que Marx abominava e a maioria da população, especialmente a classe média, aí incluída uma boa parcela do operariado, se não ele todo.

Cada uma dessas facções tem seus aliados permanentes. A primeira tem, acima de tudo, o governo e os partidos de esquerda que o dominam. Aí mesclados, vêm logo os intelectuais acadêmicos e os estudantes universitários.

Destes últimos, cinquenta por cento, segundo um cálculo otimista (v. http://blog.portalexamedeordem.com.br/blog /2012/11/pesquisador-conclui-que-mais-de-50-dos-universitarios-sao-analfabetos-funcionais/), são considerados analfabetos funcionais.

Excluídos irremediavelmente da alta cultura, e não tendo a menor idéia de que são vítimas de si mesmos, encontram no ódio projetivo à sociedade o alívio de uma culpa recalcada no mais fundo do seu inconsciente. Sentem por isso uma afinidade instintiva com os bandidos, drogados, narcotraficantes, prostitutas, prostitutos e outros marginais.

A terceira faixa de aliados do lumpen são as ONGs, as fundações bilionárias e os organismos internacionais, que não cessam de nos impor leis e regulamentos que praticamente inviabilizam a ação da polícia e desarmam a população, a qual assim não tem meios de defender-se nem de ser defendida.

Em seguida, vem a grande mídia, que, mesmo onde discorda do governo em algum ponto de seu específico interesse, não deixa de fazer eco passivo aos mesmos critérios de julgamento moral que orientam os governantes, aplaudindo, por exemplo, a senadora Benedita da Silva quando esta se debulha em lágrimas por um bandidinho estapeado e amarrado a um poste e não diz uma palavra quanto à menina queimada viva no Maranhão ou, mais genericamente, quanto aos setenta mil brasileiros assassinados por ano.

O alto clero católico, por meio da CNBB, comunga dos sentimentos da senadora Benedita. Vêm, por fim, os patrões, os capitalistas, os burgueses. Estes não costumam pronunciar-se de viva voz nessas questões, mas, como aliados e colaboradores ao menos passivos do governo, dão sustentação econômica e psicológica à política pró-lumpenproletariat.

A outra facção – isto é, o restante da população brasileira – encontra apoio em mais ou menos uma dúzia de jornalistas, radialistas e blogueiros execrados pelo restante da sua categoria profissional, entre os quais eu mesmo, o Reinaldo Azevedo, a Rachel Sheherazade, o Felipe Moura Brasil, o Rodrigo Constantino, a Graça Salgueiro.

Tem também algum respaldo – tímido – nas polícias estaduais, em alguns púlpitos evangélicos isolados e ainda em dois ou três parlamentares, como Jair Bolsonaro e Marcos Feliciano, que na Câmara Federal imitam João Batista pregando aos gafanhotos. That’s all, folks.

Nada pode caracterizar melhor a presente situação do que a total inversão das proporções, em que os nominalmente desamparados recebem todo amparo do establishment enquanto a população inerme se torna a imagem odienta do opressor capitalista.

No caso do garoto amarrado no poste, a reação indignada contra os populares que ousaram “fazer justiça com as próprias mãos” partiram especialmente de pessoas que, quatro décadas atrás, faziam exatamente isso.

Entretanto, ninguém, no parlamento ou na mídia, terá a coragem de espremer a presidente Dilma na parede com a pergunta: Quando você assaltava bancos estava cometendo uma injustiça ou fazendo justiça com as próprias mãos? Tertium non datur.

No entender do nosso governo, só quem tem o direito e até o dever de fazer justiça com as próprias mãos quando acha que a Justica falha são os terroristas de esquerda, como José Genoíno e a própria Dilma. Esses têm o direito até de condenar à morte e executar a sentença. Os outros têm a obrigação de aceitar resignadamente o homicídio, o roubo, o estupro como se fossem fatalidades da natureza.

Mais significativo ainda é que, quando a Rachel Scheherazade, com lógica inatacável, explicou a agressão ao delinquentezinho como reação espontânea e quase inevitável de uma população desprovida de proteção estatal, os mesmos que criaram essa situação tenham saído gritando “Apologia do crime! Apologia do crime!”, como se eles próprios não viessem há décadas fazendo a apologia dos terroristas que um dia, sentindo cambalear muito menos do que hoje a ordem legal, tomaram a justiça nas suas próprias mãos.

Todas as idéias e atitudes do grupo pró-lumpen, especialmente as dos professores e estudantes universitários, explicam-se por dois fatores igualmente endêmicos: o analfabetismo funcional e o fingimento histérico. Ambos, intimamente associados, deformam o sentido de todas as comunicações verbais e invertem a ordem da realidade.À aliança de marginais, governo, ONGs, capitalistas, igreja, mídia e intelectuais, chamam “povo oprimido”. Ao restante, denominam “minoria privilegiada”.

De todas as classes que compõem a sociedade brasileira, só uma ainda não tomou partido nessa guerra: as Forças Armadas. Seu silêncio pode tanto refletir uma indecisão perplexa quanto um ódio contido.

Na primeira hipótese, quando acabará a indecisão? Na segunda, ódio a quem? As Forças Armadas são o fiel de balança. O futuro depende inteiramente delas.

Para que serve a direita?

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 6 de fevereiro de 2013

          

       Os dados da situação são bastante claros. Quando o mesmo governo que prepara, estimula e financia arruaças emite um decreto que lhe permite usar as Forças Armadas para reprimi-las, e quando, ao mesmo tempo, as autoridades e os arruaceiros se acusam mutuamente de “direitistas”, está na hora de o cidadão avisado lembrar-se, caso já os conheça, dos versos de Antonio Machado:
“A distinguir me paro
las voces de los ecos,
y escucho solamente,
entre las voces, una.”
Essa voz única é a da esquerda nacional – o único movimento político que existe, o único que tem um projeto, ainda que confuso, e os meios de ação paraexecutá-lo. A “direita”, de tanto esvaziar-se ideologicamente, de tanto renunciar a toda identidade própria, de tanto se amoldar servilmente aos valores, critérios e conveniências de seus inimigos, parece ter alcançado finalmente o seu ideal: desmaterializou-se  por completo e hoje não tem mais substancialidade que a de um mero nome feio, um xingamento usado nas discussões internas da esquerda.
Essa condição só não equivale à perfeita inexistência porque esse nome feio tem uma função histórica a cumprir, e a tem cumprido de maneira exemplar. Sem ele, a esquerda, que domina praticamente sem oposição o Estado, a cultura, a mídia, a educação e a mente da sociedade, tendo mesmo a seus pés todos os antigos oligarcas regionais que um dia personificaram a “direita”, não teria como explicar para si mesma e para a opinião pública por que ainda não conseguiu, com tantos recursos e defrontando-se com tão pouca ou nula resistência organizada, criar neste país o paraíso de paz e prosperidade socialistas que ela promete há sete décadas. Não teria como explicar os setenta mil homicídios anuais, a distribuição orgiástica de favores milionários aos altos funcionários e amigos do governo, a corrupção ampliada até à escala do indescritível, o crescimento galopante do consumo de drogas, a desordem e o medo generalizados, os horrores e abjeções da educação nacional e o endividamento-monstro de um povo a quem todos os dias se diz que não deve se preocupar, porque tem todas as contas pagas (ver aqui).
Eis a função histórica que cabe à palavra “direita”. Direi que é a de um bode expiatório? Não, porque parasacrificar um bode expiatório é preciso um bode, não apenas a palavra que o designa. Na medida em que xingam uma à outra de direitistas, a esquerda “de cima” e a esquerda “de baixo” — personificadas simbolicamente pela presidente Dilma e pelos Black Blocks –, sem sacrificar nada mais que um verbete de dicionário, se absolvem e se isentam da obrigação de enxergar a miséria e a vergonhaque, em nome de um socialismo que nem sabem dizer qual seja, têm espalhado por toda parte. O que quer que ambas façam de errado, de torpe, de criminoso, vai para a conta de uma “direita” que, não existindo, também nada paga pelos crimes que lhe imputam.
Mas o apelo a essa prestidigitação vocabular não funcionaria, não teria credibilidade nem mesmo para esses artistas do auto-engano que são os militantes de esquerda, se não houvesse no quadro nacional algumas coisas que, sem ser a direita política, podem fazer as vezes dela ad hoc.
A primeira dessas coisas é a burguesia. Ela existe e, como dizia Marx, tem interesses objetivos a defender. O fato de que essa classe só se relacione com as autoridades na base dos afagos e beijinhos, de que portanto veja com horror a mera sugestão de combatê-lo no campo político, deve, nesse quadro, ser negligenciado para que se possa proclamar, com o sr. Leonardo Boff, que “os atores dadireita estão bem posicionados institucionalmente e politicamente” e que para desalojá-los é preciso dar todo apoio à sra. Dilma Rousseff, ou, com o deputado psolista Ivan Valente, que pela mesmíssima razão é preciso denunciar a presidente como uma reencarnação do general Médici. As duas hipóteses funcionam igualmente bem: a única força política existente se absolve dos seus pecados, e a inexistente, é claro, também nada paga por eles.
A segunda coisa que se parece vagamente com umadireita política são os jornalistas e blogueiros que criticam ao mesmo tempo o governo e os arruaceiros, a esquerda oficial e a oficiosa. Sem nenhuma conexão partidária, sem subsídios de qualquer espécie e sem nenhum plano nem mesmo hipotético de tomada do poder, eles são uma oposição meramente cultural sem meios nem desejo de ação política. Mas, como dizem o que pensam, e o quepensam ecoa alguma insatisfação popular difusa, é claroque as duas esquerdas apontam neles a arma polêmica do interesse capitalista e advertem que são “uma ameaça às liberdades civis”. Dessa maneira a esquerda governante é dispensada de explicar sua aliança promíscua com a burguesia, a esquerda arruaceira dispensada de explicar sua aliança promiscua com o governo, e a burguesia assegurada de que tudo o que faça de ruim em parceria com o governo será debitado na conta de jornalistas sem um tostão furado no bolso, que desprezam tanto a ela quanto ao governo. Ficam assim tranqüilizadas as consciências esquerdistas de cima e de baixo, bem como as de seus aliados burgueses, felizes de que aqueles que não a representam de maneira alguma sejam apontados como seus representantes e castigados no lugar dela sob esse pretexto. Esse é o único papel histórico da “direita” hoje em dia: ser o nome do mal e isentar de culpas aqueles queo praticam. A indústria brasileira de alucinógenos verbais é uma das maravilhas da tecnologia moderna.

Ilustração instantânea

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 2 de fevereiro de 2013

          

       No meu artigo anterior, referindo-me à guarda pretoriana do corporativismo acadêmico, escrevi: “Não é que apenas me julguem sem ter lido meus livros. É que se recusam  terminantemente a lê-los e consideram mesmo ofensiva a sugestão de que deveriam fazê-lo antes de me julgar.” Mal havia eu acabado de enviar o artigo à editora desta página, e um professor de filosofia da PUC do Rio Grande do Sul, por antecipação telepática, já se prontificou a ilustrar a minha afirmativa.
Ricardo Timm de Souza, autor de uns poeminhas horríveis e de  alguns trabalhos acadêmicos não muito ruins embora entremeados de erros de gramática, escreveu que eu era um “marionete do dinheiro, financiado para evitar que as pessoas pensem”.
Como eu lhe perguntasse educadamente quais livros meus ele havia lido para chegar a tão devastadora conclusão, ele esperou 24 horas e respondeu que havia lido o meu prefácio à “Origem da Linguagem” de Eugen Rosenstock-Huessy, e, consultando o prefaciador da edição alemã, este lhe apontara um cochilo biográfico que eu cometera. Embora o erro não se referisse sequer ao autor prefaciado, mas a outro citado de passagem (Franz Rosenzweig), e embora a comunidade inteira dos discípulos e estudiosos de Rosenstock não visse em tão irrisório detalhe o menor motivo para deixar de louvar o meu trabalho e de me convidar para falar na conferência internacional “Planetary Articulation:
The Life, Thought, and Influence of Eugen Rosenstock-Huessy” (http://www.olavodecarvalho.org/english/texts/confer_rosenst_en.htm), a superior escrupulosidade acadêmica do prof. Timm levou-o a extrair desse episódio a generalização acima citada, da qual saio com a fama de picareta subsidiado e cretinizador de jovens incautos. Milhares de depoimentos de meus alunos, dando ciência dos progressos intelectuais que alcançaram nas minhas aulas, bem como o desempenho brilhante de vários deles em atividades editoriais e jornalísticas, de nada valem: o primeiro ranheta acadêmico que aparece chama-os de “olavettes”, e fica assim provado que são bocós teleguiados, reduzidos à mais extrema imbecilidade pela minha influência deletéria.
Como no intervalo entre a minha postagem e a do Prof. Timm alguns alunos dele me cobrissem de insultos e recebessem o troco em doses generosas, o referido aproveitou-se disso para esquivar-se definitivamente da obrigação de ler antes de julgar. Com ares de anjo ofendido, retirou-se da conversação, declarando que eu estava cheio de “ódio” e necessitado de tratamento psicanalítico. Nos posts dos seus alunos, vazios de qualquer conteúdo exceto rotulagens pejorativas e insultos criminosos à minha fé cristã, não havia, é claro, ódio nenhum. Transbordavam de amor e bondade.
Eu não contaria essa história se ela não fosse, como tantas outras, uma amostra significativa do tipo de moralidade intelectual que impera nas universidades brasileiras hoje em dia.
Mais significativo ainda é que um homenzinho auto-investido do direito sacrossanto de insultar sem revide e de proferir julgamentos temerários com uma base factual zero seja também autor de trabalhos sobre a filosofia de Emmanuel Levinas, nos quais ele proclama, fazendo eco ao grande pensador judeu, que “a justiça é a base da verdade”.
Não adianta, portanto, papai e mamãe enviarem o menino para estudar na Alemanha, se não lhe deram educação doméstica suficiente para fazê-lo entender que é feio gargarejar entre pompas acadêmicas as mais belas verdades filosóficas e exemplificar, na vida real, a mais extrema insensibilidade a elas.
Litros e litros de verniz de cultura, mesmo obtidos de boa fonte, não bastam para encobrir a barbárie terceiromundista arraigada no fundo de uma alma vulgar e mesquinha, igual a tantas outras espalhadas pelas cátedras universitárias neste país.
Um dia os estudantes brasileiros vão perceber quem são os verdadeiros “financiados para impedi-los de pensar”. Se querem localizá-los desde já, basta procurá-los entre os entusiastas do lulodilmismo. Afinal, ninguém jamais perdeu dinheiro por falar bem do governo.***Pelos meus cálculos, publiquei uns mil artigos na mídia nacional. Será que, no país que no mundo tem mais professores universitários “per capita”, não existem mil deles capazes de ler um artigo meu cada um — unzinho só –, rebatê-lo com argumentos fulminantes, depois somar todo esse material e assim, mediante um esforço coletivo como a tomada do Palácio de Inverno ou o esfaqueamento de Júlio César, provar ao mundo que sou uma besta quadrada? Não, não existem. Na verdade, toda essa gente reunida não seria capaz de argumentar razoavelmente contra um só artigo meu. A solução que encontram é sair batendo pezinho, fazer-se de superiores, alegar que estão muito ocupados. Não ocupados o bastante, é claro, para impedir-se de fazer a minha caveira pelas costas, nas suas salas de aula, longe da possibilidade de um revide. Isso é a vida universitária no Brasil: pura pose, afetação, teatro, frescura subsidiada com dinheiro público.

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