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Educação ao contrário

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 27 de janeiro de 2009

Clicando no Google a palavra “Educação” seguida da expressão “direito de todos”, encontrei 671 mil referências. Só de artigos acadêmicos a respeito, 5.120. “Educação inclusiva” dá 262 mil respostas. Experimente clicar agora “Educar-se é dever de cada um”: nenhum resultado. “Educar-se é dever de todos”: nenhum resultado. “Educar-se é dever do cidadão”: nenhum resultado.

Isso basta para explicar por que os estudantes brasileiros tiram sempre os últimos lugares nos testes internacionais. A idéia de que educar-se seja um dever jamais parece ter ocorrido às mentes iluminadas que orientam (ou desorientam) a formação (ou deformação) das mentes das nossas crianças.

Eis também a razão pela qual, quando meus filhos me perguntavam por que tinham de ir para a escola, eu só conseguia lhes responder que se não fizessem isso eu iria para a cadeia; que, portanto, deveriam submeter-se àquele ritual absurdo por amor ao seu velho pai. Jamais consegui encontrar outra justificativa. Também lhes recomendei que só se esforçassem o bastante para tirar as notas mínimas, sem perder mais tempo com aquela bobagem. Se quisessem adquirir cultura, que estudassem em casa, sob a minha orientação. Tenho oito filhos. Nenhum deles é inculto. Mas o mais erudito de todos, não por coincidência, é aquele que freqüentou escola por menos tempo.

A idéia de que a educação é um direito é uma das mais esquisitas que já passaram pela mente humana. É só a repetição obsessiva que lhe dá alguma credibilidade. Que é um direito, afinal? É uma obrigação que alguém tem para com você. Amputado da obrigação que impõe a um terceiro, o direito não tem substância nenhuma. É como dizer que as crianças têm direito à alimentação sem que ninguém tenha a obrigação de alimentá-las. A palavra “direito” é apenas um modo eufemístico de designar a obrigação dos outros.

Os outros, no caso, são as pessoas e instituições nominalmente incumbidas de “dar” educação aos brasileiros: professores, pedagogos, ministros, intelectuais e uma multidão de burocratas. Quando essas criaturas dizem que você tem direito à educação, estão apenas enunciando uma obrigação que incumbe a elas próprias. Por que, então, fazem disso uma campanha publicitária? Por que publicam anúncios que logicamente só devem ser lidos por elas mesmas? Será que até para se convencer das suas próprias obrigações elas têm de gastar dinheiro do governo? Ou são tão preguiçosas que precisam incitar a população para que as pressione a cumprir seu dever? Cada tostão gasto em campanhas desse tipo é um absurdo e um crime.

Mais ainda, a experiência universal dos educadores genuínos prova que o sujeito ativo do processo educacional é o estudante, não o professor, o diretor da escola ou toda a burocracia estatal reunida. Ninguém pode “dar” educação a ninguém. Educação é uma conquista pessoal, e só se obtém quando o impulso para ela é sincero, vem do fundo da alma e não de uma obrigação imposta de fora. Ninguém se educa contra a sua própria vontade, no mínimo porque estudar requer concentração, e pressão de fora é o contrário da concentração. O máximo que um estudante pode receber de fora são os meios e a oportunidade de educar-se. Mas isso não servirá para nada se ele não estiver motivado a buscar conhecimento. Gritar no ouvido dele que a educação é um direito seu só o impele a cobrar tudo dos outros – do Estado, da sociedade – e nada de si mesmo.

Se há uma coisa óbvia na cultura brasileira, é o desprezo pelo conhecimento e a concomitante veneração pelos títulos e diplomas que dão acesso aos bons empregos. Isso é uma constante que vem do tempo do Império e já foi abundantemente documentada na nossa literatura. Nessas condições, campanhas publicitárias que enfatizem a educação como um direito a ser cobrado e não como uma obrigação a ser cumprida pelo próprio destinatário da campanha têm um efeito corruptor quase tão grave quanto o do tráfico de drogas. Elas incitam as pessoas a esperar que o governo lhes dê a ferramenta mágica para subir na vida sem que isto implique, da parte delas, nenhum amor aos estudos, e sim apenas o desejo do diploma.

O segredo de um terrorista

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 23 de janeiro de 2009

Muitos se escandalizam com o asilo político concedido ao assassino Cesare Battisti, mas poucos tentam averiguar o que o episódio significa realmente. A sucessão de casos similares, a proteção concedida pela esquerda brasileira a praticamente todos os terroristas internacionais que aqui aportam – Achille Lollo, Olivério Medina e sua esposa, os seqüestradores de Abílio Diniz e Washington Olivetto – e o contraste que esses casos formam com a recusa de asilo aos dois boxeadores cubanos deveriam alertar para a obviedade de que não se trata de episódios isolados, mas de uma atividade permanente, sistemática. Mas mesmo aqueles que o percebem hesitam em sondar a relação entre esses fatos e a estratégia geral petista.

Qual é exatamente a posição do Brasil no quadro da esquerda internacional em ascensão? A uma visão superficial, o Brasil é uma democracia de esquerda moderada, favorável ao livre mercado e respeitosa da ordem jurídica. Quase ninguém entende que o país precisa ser tudo isso precisamente para poder desempenhar a função nuclear que lhe cabe na estratégia esquerdista mundial. Também poucos querem enxergar que a democracia brasileira é hoje um puro formalismo jurídico a encobrir o poder monopolístico da esquerda e a total exclusão da simples possibilidade teórica de uma oposição conservadora, seja na política eleitoral, seja na mídia, seja até na pura esfera cultural.

O Brasil, democracia sui generis onde as liberdades legalmente constituídas coexistem pacificamente com a total impossibilidade de exercê-las, é a origem e o centro de comando da revolução comunista na América Latina. É da elite intelectual petista, fundadora do Foro de São Paulo, que emanam discretamente as instruções gerais destinadas a transformar-se em espetáculos de esquerdismo histriônico por meio dos Chávez, Morales e outros tantos que às vezes nem mesmo compreendem as sutilezas dialéticas do processo e por isto acabam, com freqüência, exagerando no desempenho de seus papéis. Se a Venezuela e a Bolívia parecem estar na vanguarda da revolução, e o Brasil muito na retaguarda, é porque o comando, por definição, fica na retaguarda.

Por isso mesmo é que o Brasil se torna também o abrigo ideal para os revolucionários caídos em desgraça nos seus respectivos países. Se eles fossem para Cuba ou para a Venezuela, teriam de conservar sua identidade exterior de revolucionários e se tornariam inúteis para funções mais discretas e relevantes. Aqui, podem adquirir uma fachada de cidadãos pacíficos, aposentados de toda violência, e integrar-se, sem risco nenhum, nos altos círculos intelectuais que comandam o processo. Só um idiota completo pode acreditar que o governo brasileiro aceitaria o risco de uma crise diplomática só para agradar a uma socialite. Tal como Achille Lollo e Olivério Medina, Cesare Battisti não recebeu apenas um asilo político, mas uma promoção, subindo na hierarquia revolucionária, do posto de executor na linha de frente para o de analista e planejador nas altas esferas. Ele é protegido porque é útil, não porque Carla Bruni é bonitinha.

Nenhuma análise séria dos fatos políticos pode-se fazer desde o ponto de vista liberal e conservador se este não absorve, primeiro, a perspectiva do adversário. Se você não está capacitado para fazer uma análise marxista da situação exatamente como a fariam os teóricos e estrategistas do movimento revolucionário, suas opiniões a respeito da política de esquerda serão sempre meras tentativas de projetar sobre ela categorias que lhe são estranhas, ajudando, portanto, a encobrir seus verdadeiros intuitos e a conferir o privilégio da invisibilidade quase absoluta às estratégias e táticas do esquerdismo.

Afinal, o marxismo não é só uma “ideologia”: ele é uma estratégia da praxis revolucionária e, nesse sentido, é uma ciência – uma ciência extremamente sutil e complexa, da qual os formadores de opinião liberais e conservadores, no Brasil, não sabem praticamente nada. O deslocamento entre as categorias analíticas e a natureza do fenômeno estudado é garantia segura de incompreensão, e a incompreensão é por sua vez a origem dos erros estratégicos monstruosos que, ao longo dos últimos trinta anos, reduziram o liberalismo e o conservadorismo, de forças imperantes, a exceções doentias que só subsistem graças à tolerância provisória do sistema.

É fácil observar de fora os erros da economia marxista e pontificar que todo movimento baseado nela está condenado ao fracasso. Mas a estratégia do movimento comunista não é, de maneira alguma, uma decorrência direta e mecânica da sua economia. Principalmente não o é na esfera da luta cultural, onde as manobras e rodeios da intelectualidade ativista vão, com freqüência, no sentido contrário daquilo que se poderia deduzir do economicismo marxista vulgar. Trata-se de um ramo de conhecimento que tem sua própria autonomia e que não pode ser dominado senão mediante longos anos de estudo. É só aprendendo a pensar como os teóricos da revolução mundial que se pode, em seguida, transcender a sua visão das coisas e condená-la com fundamento. Atirar-lhe pedras desde fora é ficar abaixo dela e tornar-se vítima cega do processo revolucionário.

Rombo de segurança

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 22 de janeiro de 2009

Alguém espalhou pela internet o boato de que a filha de Leon Panetta, o escolhido de Barack Hussein Obama para chefiar a CIA, era comunista e amiga de Hugo Chávez. Vários blogs conservadores morderam a isca e repassaram a história, amparada numa foto de Linda Panetta – este o nome da criatura – ao lado do caudilho venezuelano. O problema é que Leon Panetta só tem filhos homens, três ao todo, e nunca viu a mocinha até o dia em que a foto dela apareceu na internet.

O episódio e os comentários sarcásticos que suscitou na mídia iluminada só serviram para desviar as atenções populares de uma outra notícia que, totalmente omitida pelos jornais e TVs, circulava pela rede no mesmo instante. Escrita pelo repórter holandês Emerson Veermat – um profissional cuja seriedade na pesquisa jornalística já obteve elogios do governo do seu país –, ela informa que Leon Panetta não precisa de nenhuma filha para lhe arranjar ligações comprometedoras com o movimento comunista: ele tem as suas próprias, diretas e muito mais sérias do que a simples amizade com um pop star da esquerda. Como membro do Congresso, ele deu ostensivo apoio ao Institute for Policy Studies (IPS), um think tank esquerdista e raivosamente anti-CIA presidido por um cidadão de nome Richard Jackson Barnett, que segundo o FBI é mais que suspeito de ser um agente da KGB. A reportagem de Veermat está em http://www.pipelinenews.org/index.cfm?page=vermaatciaid=1.8.09.htm.

Sustentado pelo dinheiro do milionário pró-comunista Samuel Rubin (cuja Samuel Rubin Foundation também subsidia no Brasil o Instituto “Sou da Paz”), o IPS não se limitou a tomar partido dos comunistas na guerra do Vietnã e a armar várias campanhas de propaganda contra a CIA – atividades que, em si, não o distinguiriam de qualquer organização militante de esquerda. Ele foi muito além disso, organizando operações de inteligência, altamente sofisticadas, para dificultar o acesso da agência a informações que pudessem prejudicar o bloco comunista. O coordenador dessas operações foi o ex-funcionário da CIA Philip Agee, que mais tarde se confirmou ser um agente da inteligência cubana e da KGB. Entre outras realizações notáveis, o IPS, através da sua filial em Amsterdã, ajudou na publicação da revista Counterspy, onde Agee revelou o nome de vários agentes secretos da CIA, um dos quais, Richard L. Welch, foi assassinado logo depois. Não espanta que o IPS fosse descrito por Brian Crozier, diretor do London Institute for the Study of Conflict, como “a fachada intelectual perfeita para as atividades soviéticas”.

Como congressista, Leon Panetta delegou trabalhos importantes ao IPS – inclusive um projeto para a redução do orçamento militar americano – e ainda promoveu, junto com outros treze deputados, uma coleta de fundos para a festa de gala do aniversário da fundação da entidade em 1985.

As atividades subversivas do IPS já não são um grande segredo. Veermat baseou parte da sua matéria no relato meticuloso escrito por um ex-funcionário da organização, S. Steven Powell, Covert Cadre: Inside the Institute for Policy Studies, publicado em 1987 em Ottawa, Illinois, por Green Hill Publishers, Inc.

Mas nem todos os serviços prestados por Panetta aos inimigos dos EUA têm ligação com o IPS. Em 1997 foi ele quem, indicado por Bill Clinton, negociou a proposta de ceder aos chineses o estaleiro da Marinha em Long Beach, o que na época foi denunciado como um evidente risco para a segurança nacional americana (v. Rowan Scarborough, “Solomon: Is Cosco strategic threat? Long Beach deal triggers concern”, no Washington Times de 20 de maio de 1997, reproduzido nos Anais da Câmara de Representantes, em http://thomas.loc.gov/cgi-bin/query/D?r105:1:./temp/~r105Cp2PD0::). Convém recordar que diretores da estatal chinesa interessada, a Chinese Ocean Shipping Co. (Cosco), haviam feito substanciais contribuições em dinheiro para a campanha presidencial de Clinton.

Por qualquer critério mínimo de segurança, um candidato com esse curriculum vitae jamais seria aceito como agente ou mesmo como estagiário da CIA ou de qualquer outro órgão de inteligência americano. Panetta na direção da CIA não é uma falha de segurança: é um rombo. Mas, se um cidadão de nome árabe pode ser presidente dos EUA sem ter de mostrar nenhuma prova genuína de nacionalidade – e se a simples sugestão de que ele deveria apresentar essa prova é violentamente reprimida como sinal de paranóia, racismo, “teoria da conspiração” ou no mínimo falta de polidez –, então certamente deve ser impolidez maior ainda, se não pecado mortal, pretender que o diretor da CIA, apontado por governante tão excelso e intocável, deva submeter-se a algum requisito de segurança.

Tão grande é o temor de ser acusado dessa impolidez, que o próprio Veermat se abstém de insinuar que Panetta seja um colaborador consciente dos serviços de inteligência russos ou chineses. Como já se tornou de praxe nessas situações, ele atribui inteiramente à ingenuidade e à incompetência as sujeiras comunistas em que o escolhido de Obama se meteu.

Mas, nessas horas, uma idéia não me sai da cabeça. Sei que é crime hediondo dar alguma razão ao falecido senador Joe McCarthy, mesmo em coisas mínimas, mas ele costumava dizer algo que, no caso Panetta, vem muito a calhar: “Pela lei das probabilidades, não é verossímil que erros cometidos por mera incompetência ou acidente favoreçam sempre o outro lado, jamais o nosso.”

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