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Oriente contra Ocidente

O Oriente contra Ocidente
Por Olavo de Carvalho

 

Este é o Capítulo XVI do meu livro A Marcha dos Abismos. A Dupla Tragédia da Utopia, que ainda não pude terminar para publicação. Redigido em 2017, este é um dos inumeráveis escritos e gravações de aulas que provam, para suprema decepção de Ninguéns e ninguemzistas, a insuperável distância crítica que me separa de todo “perenialismo” guénoniano-schuoniano.

A destruição do Ocidente, no entanto, não seria nem mesmo pensável se aos males reais e supostos da civilização visada se opusesse apenas a crítica, por mais corrosiva que fosse. Era preciso levantar no horizonte a imagem de uma alternativa, de um antimodelo, investido de todas as virtudes que faltavam à civilização criticada. Só assim a crítica perderia o ar de mera objeção teórica e se transformaria no guiamento prático em direção a uma meta real. Essa meta, por sua vez, não poderia resumir-se à imagem embelezada de um socialismo futuro, que justamente por ser apenas um ideal hipotético perdia metade da sua força de ataque. 

Foi assim que ao amaldiçoado Ocidente acabou se opondo, quase que por automatismo, o mais óbvio e o mais fácil modelo alternativo cuja simples localização no espaço parecia predestinar a esse papel: o Oriente.

A invasão das idéias orientais começou no século XIX com a Sociedade Teosófica de Madame Blavatski, o orientalismo universitário e a moda dos temas orientais nas artes plásticas e na música. Logo sofreu um upgrade considerável pelas mãos de Carl-G. Jung, do eruditíssimo historiador romeno Mircea Eliade e de inúmeros estudiosos de primeira ordem, como Heinrich Zimmer, o conde de Durckheim e Ananda K. Coomaraswamy. 

Mas até aí tudo não passava do resgate de patrimônios  espirituais, intelectuais e estéticos de valor genuíno, que em nada podiam fazer mal à civilização do Ocidente. Ao contrário, o fato de que ela se abrisse a esses valores só mostrava a autenticidade das suas pretensões universalistas e a sua capacidade de absorver, sem preconceitos, toda sorte de conhecimentos.

O culto do Oriente só assumiu as feições de um confronto belicoso mediante as obras e a influência de um personagem tido como uma das encarnações máximas do tradicionalismo reacionário no século XX, cujas contribuições decisivas ao “espírito de 68” são ainda o mais bem guardado segredo de polichinelo que já se viu no mundo.

Refiro-me ao doutrinário francês René Guénon (1886-1951), que terminou seus dias no Egito como devoto muçulmano. Seu livro Oriente e Ocidente, de 1924, sob as aparências de um mero estudo comparativo, é uma verdadeira declaração de guerra, culminando no esboço de um plano para a ocupação cultural e mesmo militar do Ocidente pelas forças orientais, especialmente islâmicas. 

Seja por ignorância genuína, seja por astúcia, Guénon reduz a civilização do Ocidente a uma mescla de capitalismo, materialismo cientificista e pseudo-religiões populares. Os últimos resíduos de espiritualidade que ele enxerga nela são a Maçonaria decadente e o catolicismo reduzido a uma perspectiva “exotérica”, já sem contato com as “fontes da Tradição primordial”. Fontes localizadas, é claro, no Oriente, mais especificamente nas regiões da Sibéria Central, da  Malásia e do Tibete percorridas por Ferdinand Ossendowski em 1920 segundo a narrativa de Bêtes, Hommes et Dieux onde o famoso explorador conta ter penetrado no santuário subterrâneo do próprio “Rei do Mundo”. Coincidência ou não, essas regiões são as mesmas onde se concentra a maioria das “Sete Torres do Diabo”, centros irradiadores, segundo o próprio Guénon, de influência diabólica sobre o planeta inteiro.

De todos os sinais da pujança espiritual católica na época — as aparições de Fátima, os milagres do Sto. Padre Pio, o florescimento da vida intelectual católica na primeira metade do século XX —, Guénon nada quis saber. Para ele, tudo o que não tivesse um canal direto com os templos desconhecidos de Agartha e Shamballa era no máximo exoterismo, se não antitradição pura e simples. 

Dessa imagem unilateral de um Ocidente espiritualmente devastado, Guénon só via três saídas possíveis: a queda definitiva na barbárie, a restauração da Igreja católica sob a orientação secreta de mestres espirituais islâmicos e a ocupação do Ocidente pelo Islam, seja por invasão cultural, seja manu militari. 

Em contraste com o reducionismo caricatural da sua visão do Ocidente, a imagem que ele tinha das civilizações orientais era tão encantadoramente idealizada que ele chegou a proclamar que o bolchevismo jamais penetraria na China, tão sólidas eram as “defesas espirituais” (sic) da tradição chinesa. Não somente penetrou, como instalou ali uma tirania genocida duradoura cuja violência ultrapassou em muito a da União Soviética e países satélites. Um possante magneto nas redondezas deve ter desorientado por momentos a agulha da “bússola infalível” que Michel Valsân acreditou ver em René Guénon.

A geração seguinte de guénonianos não mudou de retórica. Seyyed Hossein Nasr, em Knowledge and the Sacred  (1981), descreve toda a história intelectual do Ocidente como mera preparação para o advento do Salvador, René Guénon, e, em Ideals and Realities of Islam (1966), só confronta os belos ideais da civilização islâmica com as tristes realidades do Ocidente, sem lhe ocorrer que essa comparação das virtudes de um com os defeitos do outro bem poderia ser invertida. 

Durante décadas a devoção orientalista foi um culto privado no seio de grupos de intelectuais e ricos aficionados, inspirando inumeráveis peregrinações em busca da “sabedoria” e a criação de centros de meditação e retiro espiritual como o Monte Verità, em Ascona, Suíça, a “Escola da Sabedoria” de Hermann Keyserling em Darmstadt, Alemanha, e o célebre castelo de Georges Gurdjeff no Prieuré des Basses Loges em Avon, França.

A partir dos anos 50, no entanto, promovida em grande parte pela indústria do show business e por celebridades das letras e das artes, a moda das doutrinas e práticas orientais expandiu-se a imensas faixas da população na Europa e sobretudo nos EUA, constituindo um fenômeno que só pode ser corretamente descrito como uma desaculturação em massa  com certeza o mais rude golpe sofrido pela civilização do Ocidente antes da invasão islâmica que viria nos anos 90.

A contribuição dos poetas da beat generation à popularização da moda oriental não foi pequena:

“Os Beats não apenas adaptaram os ensinamentos de sabedoria do Oriente a um terreno novo, especificamente americano; eles também articularam esses ensinamentos num ritmo vernacular, jazzístico, das ruas, abrindo para a platéia popular o que tinha sido domínio de acadêmicos sufocantes e tradutores pomposos… A voz dos poetas americanos recontava os ensinamentos do Buda para o público geral pela primeira vez.”

Em 1962, com a fundação do Instituto Esalen em Big Sur, Califórnia, a revolta “espiritual” contra o Ocidente moderno já havia alcançado as dimensões de um movimento unificado e autoconsciente. O Instituto tornou-se rapidamente o centro aglutinador daquilo que depois viria a ser designado com o nome de New Age. 

Para agravar ainda mais o estado de coisas, tanto na América quanto na Europa a onda orientalista veio junto com um novo estilo de crítica cultural que se disseminou rapidamente na mídia e nas universidades, representado pela Escola de Frankfurt e por tipos como C. Wright Mills, Margaret Mead e Saul Alinsky, entre outros, de cujos escritos a civilização ocidental moderna emergia, na mais branda das hipóteses, exatamente como a havia descrito René Guénon: uma anomalia, um desvio do padrão universal humano, uma doença que tinha de ser eliminada a todo preço. Embora atuando em campos aparentemente distintos, culturalmente New Age e New Left concorriam para o mesmo fim. Na verdade, sem o aporte concomitante da New Age, a Nova Esquerda teria ficado limitada ao campo superficial da politica stricto sensu, sem apoio na tremenda revolução dos costumes, dos sentimentos e dos estilos de vida que marcou os anos 60-70.

Aqui o guénoniano ou schuoniano de estrita observância pode alegar que seus mestres, bem como todas as organizações esotéricas “autênticamente tradicionais”, abominam a New Age e por isso não podem ter nada a ver com o orientalismo vulgar de Esalen e dos Beats ou com nenhuma outra forma de “pseudo-iniciação” ou “contra-iniciação”. Mas esse argumento é inócuo, pois, como observou um dos mais eminentes discípulos e intérpretes de René Guénon,

“Hostis por princípio a um mundo regido por aquela ‘lei de Newton’ metafísica que tem por nome ‘degenerescência cíclica’, organizações iniciáticas e sociedades secretas não podem desempenhar senão um papel duplo, aparentemente contraditório, mas, in re, complementar: restaurar, para cada indivíduo ‘qualificado’, o nível de consciência original, designado como estado primordial ou adâmico, e, de modo menos confessável, acelerar em modo ‘subversivo’ o processo de decadência coletiva que, só ele, permitirá o advento de um novo ciclo.”

Mais explícita confissão da parceria discreta da “iniciação” com a “pseudo-iniciação” e a “contra-iniciação” não se poderia exigir. 

Sobre Kant e o artigo dos acadêmicos franceses

Olavo de Carvalho

Mídia Sem Máscara, 12 de novembro de 2020

A cretinice publicada por três academiquinhos contra mim num jornal francês, a propósito de Kant, aparece em DEZENAS de reproduções no Google, enquanto a minha resposta desapareceu quase por completo. Reproduzo-a parcialmente aqui:

10 de feveireiro de 2019:

Com relação ao Kant, o texto original tem infinitamente mais autoridade do que quaisquer “especialistas”, mas estes parece que não sabem disso.

Se vocês querem refutar o que eu disse do Kant, citem o texto dele que me desminta em vez de tentar enganar o público com essa pose de “autoridades”.

Esta é a coisa MAIS ESTÚPIDA já escrita sobre Kant: “Para Keinert, Kant se posicionava contra o dogma, mas ‘não necessariamente contra a religião católica’.”

Que caralho é a religião católica sem os seus dogmas?

Querer que a religião católica se desfaça dos seus dogmas é DESTRUI-LA POR COMPLETO. Só um jumento lobotomizado não percebe isso.

Kant era apenas covarde demais para assumir em público o seu ódio do cristianismo, que ele disfarçava numa linguagem complicada para enganar tolos como esse Keinert, que não entende mesmo NADA de cristianismo.

O artigo “kantiano” do Grobo mostra uma vez mais que o nível de inépcia dos professores universitários brasileiros já ultrapassou a escala do descritível.

Um dos três kantólatras do Grobo escreve:

“— Olavo diz estar construindo uma comunidade de amigos em que todos pensam e querem a mesma coisa. Não é à toa que Kant seja um pensador que precisa ser deturpado. Para Kant, desacordo é bom, é assim que a gente cresce — diz Tourinho Peres.”

É a mistura tipicamente uspiana de analfabetismo funcional e malícia difamatória. A “comunidade” a que ele se refere vem da definição de amizade segundo Sto. Tomás de Aquino — “idem velle, idem nolle” — que de fato inspira os meus cursos. Mas só uma mente porca pode imaginar que o amar as mesmas coisas equivalha a repetir um discurso uniforme como o fazem, aliás, os três incapazes e toda a militância uspiana. O comum amor à verdade implica o desejo de buscá-la por meio da confrontação de hipóteses ao longo dos tempos (‘veritas filia temporis“), e nada o ilustra melhor que as discussões filosóficas entre homens sinceros, das quais tanto o círculo de amigos de Sto. Tomás quanto os meus alunos têm dado exemplos e que JAMAIS se viram no “centralismo democrático” uspiano-petista.

Se querem dar exemplo de tolerância democrática”, seus palhaços, mostrem-me UMA SÓ TESE CONSERVADORA OU ANTI-ESQUERDISTA QUE HAJAM UM DIA ORIENTADO E APROVADO.

Farsantes, difamadores abjetos.

Corção, palavrões e a miséria cultural imposta por intelectuais servos da elite

Olavo de Carvalho

Mídia Sem Máscara,  17 de setembro de 2020

Só agora vi um artigo de novembro de 2019 em que um articulista anônimo da “Gazeta do Povo”, do Paraná, chamava o Gustavo Corção de “o Olavo de Carvalho dos anos 60”, com esta amável ressalva: “sem os palavrões”.

Sempre fui leitor e admirador do Corção, mas qualquer semelhança entre nós é aparência enganosa, puramente jornalística. No jornalismo brasileiro é tão raro surgir algum católico anticomunista que, se aparecem logo dois, a impressão geral é a de que se trata de duas versões da mesma pessoa. É pura superficialidade, e aí termina toda semelhança.

O Corção, conhecedor extenso e profundo da Doutrina católica, coisa que nunca fui, deu a toda a sua carreira o sentido explícito de uma apologia da fé, coisa que sempre considerei estar imensamente acima da minha capacidade.

Tudo o que desejei na vida foi investigar certas questões, seja de filosofia, seja da cena política, buscando não a defesa deste ou daquele corpo de princípios e valores, mas a simples solução de alguma dificuldade cognitiva, o esclarecimento de alguma obscuridade.

Mesmo nos meus artigos mais frequentemente rotulados de “polêmicos” – aqueles que dediquei ao Foro de São Paulo –, nunca discursei na clave do “contra” e “a favor”, mas busquei apenas trazer à luz um conjunto de dados essenciais que a mídia e a classe política ocultaram durante dezesseis anos, e sem o qual nada se poderia compreender da política brasileira e latino-americana.

Na área filosófica, o Corção foi sempre um aristotélico-tomista de carteirinha, coisa que nunca me ocorreu tentar ser, e um discípulo devoto do Jacques Maritain, pensador que jamais levei muito a sério nem mesmo como porta-voz do pensamento escolástico do século XX, função na qual o campeão dos campeões, na minha opinião, foi o ainda injustamente mal conhecido Pe. André Marc.

Por fim, os palavrões. Quem vê neles um traço saliente da minha pessoa revela apenas jamais ter lido os meus livros, nos quais eles estão despudoradamente ausentes, e ter antes sabido de mim só por programas de rádio e posts do Facebook. Os que assim agem não são interlocutores intelectuais sérios e sim apenas desprezíveis subjornalistas, se tanto. (Publicado em 28/7).

* * *

Uma distinção fundamental, e que manifestamente escapa a todos os palpiteiros que opinam sobre mim na mídia e na quase totalidade do mundo acadêmico, é a que existe entre um “pensador conservador’, dedicado essencialmente à exposição e defesa de ideais conservadores, e um filósofo propriamente dito, cuja esfera de interesses e realizações transcende infinitamente a do conservadorismo, o qual entra aí como uma parte apenas, e não como centro vivo articulador do conjunto. Tal é, por exemplo, a diferença entre Russell Kirk e Eric Voegelin, ou entre Edmund Burke e Samuel Taylor Coleridge. Não vejo, por exemplo, como denominar de “doutrinas conservadoras” (ou anticonservadoras) as minhas análises de Aristóteles e Descartes, e menos ainda os meus longos estudos sobre o “conhecimento por presença”, tão destramente resumidos no livro do Ronald Robson a sair em breve pela Vide. Como a luta ideológica é o interesse maior ou único daqueles palpiteiros midiáticos e acadêmicos, eles mapeiam o meu pensamento pelo formato do deles próprios, colocando no centro e topo do meu o que é somente o deles próprios, e assim me reduzindo à sua própria e minguada estatura.

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Desde que surgiu o tipo do “intelectual moderno” – sobretudo a partir do século XVIII –, uma cena reaparece de tempos em tempos no cenário histórico: Um vasto grupo de intelectuais próximos dos centros de poder político e econômico instauram, sob pretextos humanitários e moralizantes um padrão de uniformidade medíocre, com todo um vocabulário de chavões e estereótipos, em nome do qual perseguem e sufocam os espíritos criadores da arte e da filosofa, chegando, nos casos mais extremos, a bani-los da vida pública, e enviá-los ao cárcere ou mesmo a matá-los.

Isso está acontecendo no Brasil exatamente agora.

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Quem ainda lê aqueles palhaços que nos anos 90 faziam poses de superioridade infinita ao falar de mim?

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Com capa e título vagamente copiados de livros meus, a obra magna do tal “Meteoro Brasil” foi concebida para fingir-se de crítica eruditíssima ao meu trabalho, mas (1) não discute uma única idéia minha; (2) não cita o meu nome. Uma palhaçada.

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Hoje em dia, o “valor universal” de uma obra significa a sua aceitação por todos os mercados. O capitalismo que se afirma como juiz supremo acima de todos os valores não-econômicos é o capitalismo que os comunistas amam: a mais vasta força imbecilizante que já se viu no mundo.

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Há décadas os “intelectuais de esquerda” fogem do debate e se escondem por trás de patrocinadores capitalistas. Admiradores de Sartre, Habermas, Adorno e similares só o são porque privados de contato com VERDADEIROS filósofos.

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O esquerdismo é uma “cultura de interesses especiais”, que aprisiona seus devotos num círculo estreito de intercomunicações, fechando-lhes o acesso à cultura maior. TODA a universidade brasileira é isso, TODO o Direito brasileiro é isso, TODO o “jornalismo” brasileiro é isso.

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Sempre me horrorizou o número de estudantes que chegavam aos meus cursos trazendo diplomas universitários e ignorando TUDO da história de suas próprias disciplinas, advogados que nunca tinham ouvido falar de Igino Petrone ou Giorgio Del Vecchio, psicólogos que ignoravam Paul Diel ou economistas que não tinham a menor idéia de quem havia sido Werner Sombart.

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Não há limites para o desprezo que sinto por moleques semi-analfabetos que me cobram um diploma universitário.

TODO diploma universitário, no Brasil, é

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