Prof. Bráulio Porto Matos
Professor da Faculdade de Educação da UnB.


23 de dezembro de 2001

Embora publicado aqui com considerável atraso, este trabalho notável do prof. Bráulio Porto Matos é um documento de primeira importância. Ele demonstra que as denúncias feitas por Edmundo Campos Coelho contra a mesquinharia e o oportunismo da casta de professores universitários são hoje ainda mais atuais do que quando publicadas em 1973 no livro A Sinecura Acadêmica. – O. de C,

Informação incompleta e mentira deslavada são duas fontes comuns de meias-verdades. De qualquer forma, meias-verdades devem ser recusadas mesmo quando enunciadas em uma peça predominantemente retórica. O Comunicado Andes-ADUnB, intitulado “Á opinião pública em geral e à comunidade universitária em particular”(06.08.2001), apresenta, em pouco menos de duas páginas, algumas informações precárias, inverdades e insinuações perigosas que passo a considerar.

Comecemos pelas inverdades. O documento diz que estamos sofrendo um:

 “… arrocho salarial decorrente de sete anos de congelamento salarial, visto que a gratificação imposta pelo MEC, além de irrisória e antiacadêmica, discrimina aposentados e docentes da carreira do ensino básico das IFES”.

Primeiro, não é verdade que a nossa remuneração permaneceu inalterada nesses últimos sete anos. Ao contrário, ela mais que dobrou nesse período. Os dados do Gráfico 1, extraídos de meus próprios contra-cheques, ilustram claramente a evolução dos rendimentos de um Professor Adjunto 1 da UnB (doutorado) nesse período. Para “regularizar” a curva dos “Rendimentos Brutos” distribuí a média aritmética simples do 13º salário e das férias ao longo dos doze meses subseqüentes (pareceu-me mais adequado usar esse procedimento do que o cálculo de médias móveis de ordem 12). Excluí desse cálculo as parcelas atrasadas do reajuste de 28% (MS 929-o STJ/DF 2605), posto que elas variam em função do tempo de serviço. Verifica-se, então, que o rendimento bruto subiu da casa dos R$ 2.000,00 (dois mil reais) para a casa dos R$ 5.000,00 entre o início de 1995 e meados de 2001. Um aumento, portanto, bastante superior ao que o movimento grevista ora reivindica: “75% a mais de qualidade no ensino!”, diz um cartaz afixado no corredor de minha faculdade, provavelmente por alguém que considera a avaliação do Provão ignominiosa “quantificação positivista” do saber.

Poder-se-á argumentar: que o congelamento diz respeito ao “Vencimento Básico” registrado no contra-cheque (correspondente a apenas 1/3 do valor do rendimento bruto atual); que a Constituição Federal define aumento salarial em termos dessa rubrica; e que a essa mesma rubrica pesa sobremodo na definição do valor das aposentadorias. Tudo isso é discutível (no lugar de reivindicar a incorporação permanente de todo rendimento “extra” ao vencimento do cargo efetivo, pode ser mais adequado fixar de maneira menos “fantasiosa” esse vencimento básico e criar um adicional de produtividade desonerado de desconto previdenciário, cabendo ao docente decidir se fará aplicações em previdência privada complementar). De qualquer forma, não é verdade que continuamos a receber o mesmo que recebíamos há sete anos atrás.

Apresento também no Gráfico 1 as curvas dos “Tributos” (Imposto de Renda e Previdência Social), do “Aluguel/Condomínio” e da “Gratificação de Estímulo à Docência – GED”. Primeiro, porque fiquei curioso em saber em que medida o aperto fiscal do governo tem nos atingido. Nesse sentido, não se verifica um aumento muito acima do aumento salarial como se poderia esperar. Segundo, porque o apartamento funcional que muitos de nós ocupa constitui um subsídio indireto expressivo. No presente caso (apartamento de três quartos em área nobre do Plano Piloto), estamos falando de um adicional de aproximadamente R$500,00 ao mês no salário. Em sete anos, portanto, teremos recebido algo em torno de R$42.000,00 de subsídio-moradia. Terceiro, porque os dados da GED mostram que ela não é irrisória, conforme afirma o Comunicado Andes/ADUnB. Como diria meu velho pai, “R$1.400,00 é dinheiro em qualquer lugar do mundo”.

Além disso, não é verdade também que a GED seja “antiacadêmica”. Trata-se de um instrumento de avaliação construído por colegas da própria universidade onde trabalhamos, e, no caso da UnB, tem-se levado em conta indicadores bastante razoáveis (número de turmas ministradas, número de orientações, artigos e livros publicados, patentes registradas, etc…). Diria até que o sentimento de que MEC está nos empurrando a GED goela abaixo tende a ser mais forte entre aqueles que recusam qualquer avaliação efetiva do desempenho docente. Mesmo que caiba aprimorar os sistemas de avaliação em curso, fato é que muitos colegas se contentam em empurrar com a barriga a situação que Edmundo Campos Coelho identificou em seu A sinecura acadêmica (1988), um livrinho que desagradou tanto o “baixo clero”, quanto o “alto clero” das universidades públicas federais. Munido de poucos -mas expressivos- indicadores da baixa produtividade nas universidades federais, Coelho reclamou da hiper-politização da vida universitária por parte dos docentes menos qualificados, e do relativo abandono da graduação por parte daqueles que, academicamente melhor preparados, deveriam assumir a liderança dessa instituição. [1]   Acredito que a GED tem ajudado a corrigir algumas dessas distorções. Tem-se dito que essa gratificação está forçando o professor a abandonar suas pesquisas para assegurar um aumento salarial mediante mais horas-aula. Cabe realmente investigar o tamanho desse prejuízo, mas desconfio que seja pequeno o número de docentes que, havendo obtido financiamento para suas projetos, não encontra o devido respaldo de seus departamentos para desenvolvê-los.

Naturalmente, não quero justificar aqui a centralização da avaliação institucional nas mãos de uma tecnocracia acadêmica federal tendencialmente arrogante, mas devemos reconhecer que, em geral, as iniciativas efetivas das universidades nessa área foram muito tímidas até bem pouco tempo. [2]

O Comunicado Andes/ADUnB veicula também uma informação incompleta acerca do orçamento das universidades federais, informação essa que conta apenas uma parte dessa história. Diz-nos ele:

“Estudo do IPEA (CORBUCCI, P.R – Indicações sobre o Orçamento das IFES, Texto para discussão nº 752, RJ:IPEA, agosto de 2000) atesta a violenta redução das verbas de manutenção e desenvolvimento das IFES. O gasto total das 39 universidades federais aparentemente se manteve relativamente inalterado no período após 1995. Mas se os valores forem desagregados, o quadro é outro: os gastos com ´despesas de capital` (recurso destinado à bibliotecas, insumos, melhoria de instalações etc.) despencou 80% de já irrisórios R$173 milhões em 1995 para R$31 milhões em 1998.”

Pois bem, os dados que o texto do IPEA apresenta vão muito além da rubrica “Despesas de Capital” e o próprio autor da pesquisa, Paulo Roberto Corbucci, extrai conclusões divergentes das ilações catastróficas feitas pela Andes/ADUnB. A Tabela 1 apresenta alguns dados extraídos do referido estudo. Verifica-se que o “Gasto Total” não se manteve “aparentemente” inalterado no período. Ele subiu 7,7% no conjunto das instituições e 42,3% na UnB entre 1995 e 1998.

As “Despesas de Capital”, única rubrica a que o Comunicado Andes/ADUnB faz referência, realmente caíram –81,9% no conjunto das instituições e subiram apenas 2,4% na UnB. Contudo, essa rubrica, ainda que muito importante, correspondia a 3,19% do “Gasto Total” do conjunto das instituições em 1995 (1,57% no caso da UnB). Ademais, o comunicado omite a seguinte observação complementar feita pelo próprio pesquisador do IPEA no referido texto:

A tendência assumida em relação aos investimentos em capital pode conduzir a inferências sobre o possível sucateamento do aparato tecnológico das universidades, na medida em que mesmo a sua simples manutenção em funcionamento requer a reposição de peças e componentes, quando não sua completa substituição. Entretanto, a realidade tem mostrado que várias instituições universitárias têm buscado mecanismos alternativos de financiamento dessas e de outras de suas demandas, por meio de fundações de apoio à pesquisa.” (p.18)

Ora, contrariamente à observação positiva feita pelo pesquisador do IPEA, o Comunicado Andes/ADUnB refere-se a essas fundações nos seguintes termos:

“Fundações privadas foram constituídas nas IFES, redefinindo-as como instituições de venda de serviços, em detrimento de seu caráter de instituição fomentadora de pesquisa orientada pelas questões lógicas internas do campo científico e pelas necessidades sociais.”

 No caso da UnB, existem hoje inúmeras fontes novas de captação de recursos. O CESPE, a FASUBRA, o CEAM, o DEX, a FINATEC, a Escola de Empreendedores (e até Consultorias Juniores criadas por alunos talentosos) têm conseguido captar um volume muito grande de recursos no “mercado do conhecimento”, mercado esse altamente concorrencial, dado que nele atuam “analistas simbólicos” de todo tipo. Não vejo como a universidade possa se beneficiar de uma postura puramente defensiva em relação a essas novas formas de inserção institucional. Naturalmente, os colegas de esquerda vêem com maus olhos o mercado. Tendem a achar os colegas que estão prestando consultorias uns “caça-níqueis”. Contudo, isso me parece incorreto e injusto. Incorreto, porque esses bens e serviços costumam ser bem pagos (as bolsas oferecidas pelas agências de fomento à pesquisa, por exemplo,

Tabela 1 – Gastos nas Universidades Federais Brasileiras (39 instituições) e na UnB entre 1995 e 1998

 
             
Categoria   1995 1996 1997 1998 98/95 (%)
Gasto Total Brasil 5.415.265.258,0 5.402.465.927,0 5.739.335.828,0 5.832.607.016,0 7,7
UnB 192.881.230,0 208.802.759,0 232.358.084,0 274.408.021,0 42,3
             
Gasto com Pessoal (Ativo e Inativo) Brasil 4.370.955.881,0 4.297.945.376,0 4.875.819.838,0 4.949.459.484,0 13,2
UnB 150.312.049,0 152.972.895,0 155.722.545,0 193.942.465,0 29,0
             
   Gasto com Pessoal Ativo Brasil 3.194.821.789,0 3.005.753.520,0 3.023.022.202,0 3.379.512.107,0 5,8
UnB 124.885.922,0 118.183.144,0 99.317.894,0 151.196.852,0 21,1
             
   Gasto com Inativos Brasil 1.176.134.092,0 1.292.191.856,0 1.395.199.764,0 1.569.947.377,0 33,5
UnB 25.426.127,0 34.789.751,0 34.300.203,0 42.745.613,0 68,1
             
Gasto Operacional com Pessoal (s/ Inativos e judidiciais trabalhistas) Brasil 2.964.212.476,0 2.862.069.451,0 2.989.953.736,0 3.070.632.590,0 3,6
UnB 113.365.606,0 107.789.083,0 99.317.894,0 107.881.464,0 -4,8
             
Gasto com Sentenças Judiciais (Precatórios) Brasil 230.609.313,0 143.684.069,0 490.666.338,0 308.878.502,0            *
UnB 11.520.316,0 10.394.061,0 22.104.448,0 43.315.388,0           **
             
Despesas de Capital (equipamentos, bibliotecas, etc…) Brasil 172.955.869,0 108.519.852,0 90.902.638,0 31.378.490,0 -81,9
UnB 3.032.076,0 3.907.077,0 4.415.958,0 3.105.320,0 2,4
             
Outras Despesas Brasil 383.883.785,0 473.461.873,0 495.803.011,0 527.325.391,0 37,3
UnB 31.351.967,0 39.385.286,0 56.570.031,0 64.134.900,0 104,4
             
Gasto Operacional por Aluno de Graduação de Graduação *** Brasil 11.348,0 10.609,3 10.064,7 10.063,8 -8,8
UnB 12.171,9 12.047,6 12.417,3 12.855,6 1,1
Fonte: Compilados de CORBUCCI, P.R. “As Uiversidades Federais: gastos, desempenho, eficiência e produtividade. RJ: IPEA, 2000.

* Entre 1995 e 1998, foram gastos 1,17 bilhões de reais em Sentenças Judiciais (Precadatórios) nessas 39 instituições.

   
** A UnB recebeu 7,44% do montante total de precatórios pagos aos docentes dessas instituições no período considerado.    
*** O Gasto Operacional corresponde ao Gasto Total subtraído do pagamento dos Aposentados/Inativos e despesas extraordinárias com sentenças judiciais.

giram em torno de R$3.000,00); injusto porque deveríamos admirar o “espírito de empreendimento” e entendê-lo como parte das “necessidades sociais” do país. Além disso, dados obtidos através de “pesquisas institucionais” podem ser muito valiosos para a ciência (informações sobre eficiência empresarial, comportamento eleitoral, violência nas escolas, e tantas outras, envolvem custos elevados e demandam o consentimento dos pesquisados).

É certo que o “Gasto Operacional com Pessoal” (excluindo-se os dispêndios com Inativos e Pensionistas e os pagamentos de sentenças judiciais trabalhistas) sofreu um aumento de apenas 3,6% no conjunto das instituições e uma redução de –4,8% no caso da UnB (única rubrica em que a situação desta universidade apresentou uma involução e uma performance inferior ao conjunto das instituições!). E, de fato, essa relativa estagnação/redução do “Gasto Operacional com Pessoal” das universidades tem relação com a redução do quadro docente promovida pelas restrições impostas pelo Governo à realização de concursos públicos para as vagas abertas pelas aposentadorias.

Ocorre que esse tipo de restrição orçamentária acabou forçando as universidades a melhorarem seus indicadores de produtividade, conforme atestam os dados da Tabela 2, elaborada a partir de informações fornecidas por Corbucci. A matrícula na graduação expandiu 11,2% no conjunto das instituições e 14,4% na UnB. Também em relação à pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) e à publicação de trabalhos científicos houve considerável melhora nos indicadores no período considerado. Daí o pesquisador do IPEA concluir seu estudo dizendo que:

“A maior parte dos resultados deste estudo indica que as universidades federais têm demonstrado aumento de eficiência e eficácia, apesar de seus gastos operacionais terem sido comprimidos e, paralelamente, ter-se ampliado a matrícula e os quadros profissionais formados, ao mesmo tempo em que cresceu a sua produção científica. Assim, o objetivo principal do presente estudo foi oferecer algumas evidências empíricas para o debate acerca da universidade pública no Brasil, e contribuir para a desideologização dos discursos, tanto daqueles de teor mais apologético, quanto os que visam à deslegitimação do ensino superior público (p.63)”.

Além de inverdades e informações incompletas, o Comunicado Andes/ADUnB contém também pelo menos três insinuações perigosas. A primeira delas:

 “… as medidas governamentais que objetivam viabilizar um superávit orçamentário de 3,5% do PIB, conforme acordo com o FMI, para o pagamento da dívida pública, inviabilizarão o funcionamento digno das instituições Federais de Ensino. É responsabilidade da comunidade universitária exigir um basta a essas medidas.

O que quer dizer isso? Que a sobrevivência da universidade está condicionada a um calote das dívidas interna e externa brasileiras? Será que os colegas acreditam mesmo que a fuga de capitais do país irá melhorar o orçamento das universidades públicas?

A segunda insinuação é feita na conclusão de uma crítica ao Ministro da Educação, professor Paulo Renato, que elogiou a terceirização coreana  das  universidades:

“O Sr. Ministro parece esquecer que 99% das patentes pertencem a corporações multinacionais dos países do G-7 e que os custos da propriedade intelectual inviabilizam o acesso da população a direitos essenciais como os medicamentos, insumos agrícolas, etc…”.

O que quer dizer isso? Que as universidades devem apoiar o desrespeito aos direitos de propriedade intelectual? Disse-me um amigo que a única referência feita por Hitler ao Brasil, durante os jantares que oferecia aos seus oficiais, foi essa: “Até o Brasil, que até hoje nunca produziu uma invenção digna de nota, se arroga o direito de suspender a lei de proteção às patentes e usar nossas invenções!”  Obviamente, Hitler foi duplamente injusto com Santos Dumont (que morreu de desgosto por ver seu invento usurpado pelos militaristas). É impressionante verificar, contudo, a atenção conferida por um país industrialmente avançado ao problema das patentes mesmo sob um regime “nacional-socialista” e chefiado por um maluco genocida. Nesse sentido, talvez caiba avisarmos ao Ministro José Serra, que tantos aliados vem fazendo contra o pagamento de royalties aos laboratórios que criaram a vacina contra a AIDs, que os países cientificamente desenvolvidos também possuem Constituições e estão muito mais determinados do que nós a fazer valer – enforcemment – o direito de propriedade. Para se ter uma idéia da precariedade do direito de propriedade intelectual no Brasil, confira-se a batalha ingente do brasileiro Nélio José Nicolai para obter a patente dessa extraordinária invenção sua, o BINA, um dispositivo presente hoje em milhões de telefones celulares mundo afora. [3]

A terceira insinuação:

“A liberalização do ´mercado educacional` fez com que o crescimento do setor privado fosse não apenas, acentuado social.

O que quer dizer isso? Que o estado deve dizer

Tabela 2 – Indicadores de Produtividade nas Universidades Federais Brasileiras  (39 instituições) e na UnB entre 1995 e 1998    
               
Categoria   1.995 1.996 1.997 1.998 * /95 (%)  
Alunos Matriculados na Graduação Brasil 353.235 373.880 382.869 392.873 11,2  
UnB 12.811 13.581 14.170 14.651 14,4  
               
Alunos Diplomados na Graduação Brasil 44.493 47.593 49.477   11,2  
UnB 1.375 1.722 1.648   19,9  
               
Alunos Matriculados no Mestrado Brasil 21.228   23.416   10,3  
UnB 997   1.035   3,8  
               
Alunos Titulados no Mestrado Brasil 4.832   6.311   30,6  
UnB 234   405   73,1  
               
Alunos Matriculados no Doutorado Brasil 268   448   67,2  
UnB 6.902   9.216   33,5  
               
Alunos Titulados no Doutorado Brasil 824   1.261   53,0  
UnB 26   43   65,4  
               
Trabalhos Científicos Publicados       no País por Universidade Brasil   19.569 23.490      
UnB   985 1.168      
               
Trabalhos Científicos Publicados no Exterior por Universidade Brasil   7.659 9.241      
UnB   440 505      
 
Fonte: Compilados de CORBUCCI, P.R. “As Uiversidades Federais: gastos, desempenho, eficiência e produtividade. RJ: IPEA, 2000.

* Último ano informado por 1995

 

quem pode e quem não pode abrir uma escola e o que deve ser ensinado nela? Ora, até Marx, que não podemos tomar como exemplo de sujeito tolerante,  tinha ojeriza da intervenção estatal no currículo escolar. [4]

Definitivamente, a existência de escolas privadas constitui uma importante garantia da liberdade de expressão!

Por fim, uma palavra ainda sobre essa frase-síntese do Comunicado Andes/ADUnB:

“…salários incompatíveis com a dignidade e a responsabilidade da profissão docente.”

 Como se sabe, é muito difícil determinar o “salário justo” no setor público, especialmente no caso dos “bens públicos” (definidos pela impossibilidade de limitar o seu uso àqueles que pagam por eles). Sabe-se também que, embora a educação não seja um “bem público” nesse sentido estrito, gera externalidades positivas que justificam a atuação estatal nessa área. No caso do ensino superior brasileiro, em particular, um fator adicional limita a “equalização” dos salários docentes entre o setores público e privado: a forte concentração da pesquisa nas instituições públicas, atividade que envolve custos elevados e demanda um  regime de trabalho diferenciado (incompatível, por exemplo, com regime “horista” praticado por quase todas universidades particulares). Essas especificidades acabam, então, alimentando nossa imaginação sobre qual deveria ser o “salário digno” do professor universitário: um valor indexado aos superávits fiscais obtidos pelo governo (no melhor estilo da Segunda Lei de Parkison)?; ou um valor equiparado à remuneração dos colegas do Primeiro Mundo? Ou… Não tenho competência para propor uma boa solução para o nosso sistema de remuneração, um regime de vencimentos e incentivos que evite a evasão de talentos de nosso país e encurte nosso caminho para os Prêmios Nobel. Mas decidi escrever esses apontamentos por estar convencido ao menos disso: que não é correto dar a entender à “opinião pública em geral” que recebemos o mesmo salário há sete anos;  que não que estamos recebendo “um salário de fome” (parece-me até ofensivo aos pobres dizer isso); que é vergonhoso fazer greve recebendo o contra-cheque em casa; e que, afinal, a dignidade humana não promana do salário.

Notas

[1] Haveria muito ainda o que dizer sobre a mentalidade do “baixo clero”. Acerca desse importante problema, contudo, remeto o leitor à homepage de Olavo de Carvalho, www.olavodecarvalho.org, filósofo que tem analisado os efeitos danosos da ideologia gramsciana disseminada nas universidades brasileiras (inclusive privadas!).

[2] Em verdade, o Brasil ainda não conseguiu desarmar uma espécie de paradoxo envolvendo centralização-descentralização política e modernização-estagnação socioeconômica. Salvo exceções, o país tem se modernizado socioeconomicamente sob regimes políticos autoritários e estagnado sob regimes democráticos. Como a nossa atual rede pública de ensino superior deve muito de sua criação e expansão a essa “modernização autoritária”, compreende-se então por que por que a “autonomia universitária” costuma ser pensada entre nós como fruto de uma dupla demanda dirigida ao poder central: garantia financeira e independência políticas inquestionáveis. No contexto das polêmicas entre os sindicatos docentes locais e o governo federal, a “arrogância” não tem sido exclusividade de nenhuma das partes.

[3] Para detalhes sobre esse assunto, confira-se a homepage do próprio inventor: www.nelio.hpg.com.br

[4] Em sua “Crítica do Programa Social-Democrata de Gotha”, diz Marx: “O que é absolutamente preciso condenar, é ´uma educação popular pelo Estado`. Determinar por meio de uma lei geral os recursos das escolas primárias, a qualificação necessária do pessoal docente, as disciplinas ensinadas, etc., e – como isso se passa nos Estados Unidos – mandar verificar por inspetores de Estado a execução das prescrições legais, é totalmente diferente de fazer do Estado o educador do povo! Antes pelo contrário, é preciso banir da escola, pela mesma razão, qualquer influência do governo e da Igreja. E precisamente no Império prusso-alemão (e que não se fale, precorrendo a um subterfúgio ilusório, do ´estado do futuro`, porque vimos o que é), é pelo contrário o Estado que tem necessidade de uma muito rude educação pelo povo!”. In: – Marx, K. e Engels, F. Crítica da educação e do ensino. Lisboa: Moraes, 1978, pág.89.

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