Evandro Ferreira e Silva


13 de novembro de 2001

Foi com muita tristeza que li o artigo de Kujawski no Jornal da Tarde (12/10/2001). Sempre que um intelectual desqualifica outro por estar opinando sobre um campo do saber que não é sua “especialidade”, vejo-me atacado de uma forte vontade de pegar meu passaporte e partir desse país. Durante 4 anos de estudos na PUC de Belo Horizonte, onde estudei Comunicação, sempre vi confirmadas na prática todas as acusações feitas por pessoas como Meira Penna, Olavo de Carvalho e José Carlos Azevedo.

Quando estava no primeiro período, cursei uma disciplina que se chamava “Filosofia 1”. Passamos – eu e minha turma – pelos pré-socráticos e gregos em três semanas, graças à ajuda de nosso glorioso Jostein Gaarder e seu “Mundo de Sofia”, publicação infanto-juvenil (e olhe lá) que há muito substituiu os manuais de filosofia nos cursos superiores. O conteúdo consistia basicamente em saber que filósofo pré-socrático gostava da água, qual deles achava que tudo vinha do fogo ou da terra. Mais adiante, veio Platão, que era o “da caverna” ou do “mundo das idéias”. Aristóteles foi o que criou as ciências. Depois, fizemos alguns anúncios publicitários que deveriam “se inspirar” nos filósofos “estudados” (com bastantes aspas). Algo como: “Venha para a Boate Heráclito e encontre o fogo de que você precisa”.

Então, depois de passar por cima de Sto. Tomás e de toda a Idade Média, chegamos em Descartes, que era o do “penso, logo existo” e dele pulamos para Sérgio Paulo Rouanet, que resumia em poucas linhas o que era o Iluminismo e quase tudo que veio depois. Fomos parar finalmente em Derrida, que foi o único filósofo que lemos no original, ou seja, o único que ficamos conhecendo diretamente, e não por meio de textos de terceiros.

Ainda no primeiro semestre, cursei “Sociologia”, disciplina da qual saí com uma noção vaga de que Weber foi o que falou que o protestantismo possibilitou o sucesso do capitalismo nos EUA. Noção essa que adquiri lendo doze páginas da introdução da “Ética Protestante”, que foi tudo que a professora exigiu para a prova. Durkheim e Marx foram ensinados através dos livros de Peter Berger. Entre os dois, Marx foi aquele que mereceu maior destaque, já que – feliz coincidência! – estava saindo na época um caderno “Mais!” sobre a atualidade do manifesto comunista, caderno que foi levado à sala de aula e amplamente discutido. Todo o conteúdo do semestre, exigido pela professora e “deixado no xerox”, não somava 40 páginas.

Depois disso, cursei “Filosofia “”, Disciplina totalmente ministrada através do “Convite à Filosofia”, de Marilena Chauí, recentemente desmoralizado por Gonçalo Armijos Palácios, professor de filosofia da UFG, no jornal Opção, de Goiânia. Além dessa discilina, cursei muitas outras, todas elas fartamente apoiadas em filósofos pós-modernos, como Deleuze e Derrida, e em outros de tendência irracionalista e dualista, como Bergson. E sei que em outras universidades também é assim, pois muitos dos textos que li vinham da USP e de outras PUCs do Brasil.

De todas as disciplinas, entretanto, a que de longe tem mais destaque dentro do departamento é a de “Semiótica”. A professora, admiradora incondicional de Charles S. Peirce e da “praga do pragmatismo”, é a única – dentro do departamento – que faz admiradores e discípulos. Muitos desistem da publicidade para seguir carreira acadêmica, logo estabelecendo contato com a PUC de São Paulo – onde há um núcleo de estudos de semiótica – e com o departamento de Letras, onde há muito se ensinam os futuros professores e críticos a tudo interpretar pragmaticamente.

Durante todo o tempo em que estive na universidade, não li uma linha sequer de qualquer filósofo clássico. E as poucas linhas que li sobre alguns deles, escritas por terceiros, tiveram seu efeito anulado de longe pela enxurrada de textos sobre a pós-modernidade e seus infindáveis “novos paradigmas”. Além disso, qualquer “crença” que o aluno queira ter na realidade das coisas deve ser guardada para si, pois Baudrillard (único “filósofo” de quem foi exigida a leitura – pasmem! – de um livro inteiro) ensina que tudo é virtual hoje em dia e Peirce, Lacan e Freud trabalham em conjunto para provar de uma vez por todas que os objetos não existem – mas apenas os “signos” deles em nossas mentes – e que a mente humana está isolada do mundo objetivo, mergulhada e presa que está na linguagem. Todo o conhecimento crítico que me fez enxergar o fosso onde me meti foi por mim adquirido por outros meios, entre os quais constam excursões esporádicas e solitárias à biblioteca, leitura de artigos de jornais, “passeios” pela Amazon.com, aulas e textos de Olavo de Carvalho, copiadas do site e coladas em meu computador.

É por tudo isso que mil Kujawskis não vão conseguir me convencer de que os maravilhosos professores que se formam em nossas universidades vão ensinar a verdadeira filosofia – e muito menos a sociologia – aos nossos jovens e dar a eles um chão firme para pisar em meio ao solo pegajoso do pseudo-conhecimento pós-moderno, pragmático, materialista ou seja lá o que for. É mais provável que Aristóteles saia de sua tumba e comece a escrever em português (com acentos).

Evandro Ferreira e Silva, estudante universitário,
E-mail: evandros@bol.com.br

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