Por José Nivaldo Cordeiro


19 de julho de 2002

Nada mais parecido com o Estado do que uma grande corporação empresarial. Enquanto ente coletivo, ela padece dos mesmos males do que o Estado, que outra coisa não é senão uma mega corporação, com muito mais poderes. Por isso a psicologia dessas corporações é sempre primitiva, tornando-se o campo perfeito para que pessoas de caráter inferior possam propagar os seus vícios, como a avareza e a cobiça. Não por acaso autores como Schumpeter desconfiavam delas, formando uma visão pessimista do futuro do capitalismo precisamente por causa desses monstros, que, entre outras coisas, matam a capacidade empreendedora, a força motora do capitalismo.

Digo isso a propósito do noticiário sobre as fraudes contábeis anunciadas, que teriam sido feitas em algumas empresas norte-americanas, algo pouco surpreendente para quem acompanha o mercado. Também não surpreende que a esquerda gramsciana, infiltrada nos meios de comunicações, tenha ampliado o fato ao infinito, de modo que aquilo que deveria ser circunscrito a algumas pessoas que trabalham em algumas empresas, passou a ser vendido como um mal intrínseco ao sistema capitalista como um todo, em uma ação claramente sofística.

O fato é que a deficiência moral é sempre de pessoas enquanto indivíduos – e não do sistema. E quem nunca viveu a cúpula de uma grande empresa pode ter uma visão distorcida do que acontece nos fechamentos dos balanços. Dentro de um segmento de possibilidades perfeitamente legal, a definição do lucro contábil é feita com grande dose de arbitrariedade, pois a lei, lá como cá, permite diferentes formas de apropriação de certas receitas e certas despesas, de sorte que a empresa pode apresentar lucro – ou prejuízo, é preciso nunca esquecer dessa possibilidade – maior ou menor.

E, até onde foi noticiado, nem o governo e nem os consumidores foram logrados, mas apenas os investidores, no caso pessoas ricas, adultas, donas dos seus narizes e que normalmente possuem um staff considerável de analistas econômicos, contábeis, financeiros e jurídicos para se salvaguardarem precisamente das espertezas corporativas. Esse amor que os esquerdinhas adquiriram pelo valor das ações dos investidores só se explica porque isso lhes deu um discurso sob medida – embora falso – para falar mal da sociedade capitalista.

Nada mais parecido com um burocrata do governo do que a burocracia que controla as grandes corporações. Se há algo ruim nas empresas é precisamente isso: que, ao crescerem, tornam-se organizações burocratizadas como o Estado, que matam a criatividade e se movem por uma psicologia primitiva, algo notavelmente paradoxal. Não é o que há de capitalista nessas empresas que é ruim, mas aquilo que têm de semelhante ao Estado.

O nosso Veríssimo, em sua coluna de hoje nos jornais do Brasil inteiro, não perdeu a viagem. Fez do tema o mote de sua coluna, ele que é o exemplo mais acabado do agente gramsciano em ação na imprensa nacional. Exuberante nesse mister. Como sempre, esconde a verdade e exalta a “causa”, o seu deus estatal. Será possível que ele mesmo acredite nas besteiras que tem escrito?

O autor é economista e mestre em Administração de Empresas pela FGV – SP

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