Yearly archive for 2006

Blefe historiográfico

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 23 de novembro de 2006

Embriagados de “desconstrucionismo”, estilo de pensamento que se gaba de negar a verdade e de utilizar a autoridade da ciência só como instrumento de ativismo político, nossos historiadores acadêmicos e seus acólitos jornalísticos chegam agora ao cume da volúpia desconstrutiva, que é alegar cinicamente em favor de uma tese as provas mesmas que a invalidam.

O público leigo, desconhecendo a regra do jogo, nem atina com o blefe: imagina estar lidando com historiadores normais, fiéis aos deveres tradicionais da probidade científica, e acaba aceitando pelo valor nominal, sem conferi-las com a fonte, as conclusões que eles dizem ter tirado de documentos.

Documentos recém-revelados mostram que, em dezembro de 1963, o governo americano, informado do golpe militar que se preparava no Brasil, delineou às pressas um “plano de contingência” para lidar com a situação da maneira mais vantajosa. O plano incluía o envio de navios e tropas para dar respaldo aos golpistas. Passados três meses, não veio navio nenhum nem tropa alguma. No dia 31 de março, com o golpe já nas ruas, o embaixador Lincoln Gordon ainda apelava ao presidente Johnson para que fizesse alguma coisa a respeito. Johnson, por telefone, respondia: “Temos de nos preparar para fazer o que tivermos de fazer.”

Se mesmo depois de eclodido o golpe os EUA ainda estavam “se preparando”, e se dos preparativos não resultou ação de espécie alguma, o sentido dos documentos é claro: os americanos recebiam informação de dentro do círculo golpista, mas, apesar de muitos planos e intenções, não fizeram nada. Passados pela máquina desconstrucionista, esses mesmos documentos são agora alardeados como prova de que, ao contrário, os americanos fizeram tudo: inventaram, planejaram, articularam, financiaram e dirigiram o golpe militar. É claro que essa leitura inverte o significado dos textos no instante mesmo em que apela à autoridade deles. Os americanos são poderosos, mas determinar sem ação nenhuma o curso dos acontecimentos é prerrogativa divina. No entanto, qual é o problema? Os desconstrucionistas sabem que estão mentindo, mas aprenderam com Jacques Derrida que a verdade é uma “opressão logocêntrica” e que é preciso destrui-la, a ela e à maldita lógica, por todos os meios disponíveis.

Numa posição intermediária entre os leigos e os iniciados, os estudantes se submetem à trapaça porque sabem que sem isso suas chances de carreira universitária seriam reduzidas a nada. Entram assim num estado de dissonância cognitiva, de cujos sintomas angustiantes se livram em seguida legitimando ex post facto a vigarice e aderindo a ela com ainda mais fervor do que seus professores, até que o ódio à verdade se transfigure em radical incapacidade de conhecê-la. Isso é o que no Brasil de hoje se chama “educação superior” – tudo pago, é claro, com dinheiro do contribuinte. A universidade brasileira é o departamento intelectual do crime organizado.

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Se vocês querem mesmo saber o que Hugo Chávez está aprontando, dêem uma espiada no bloghttp://notalatina.blogspot.com/. Não há melhor fonte no Brasil.

Antes da tragédia

Olavo de Carvalho


Jornal do Brasil, 16 de novembro

Quem não lê as colunas de Ann Coulter e não ouve o programa de Rush Limbaugh no rádio não tem a menor idéia do que se passa na política americana. Se ambos são superlativamente odiados pela esquerda, não é tanto por suas opiniões, similares às de outros conservadores quaisquer, mas por um detalhe que os torna indigeríveis: eles têm as informações essenciais, e não hesitam em publicá-las quando a mídia em geral as ignora ou prefere sacrificar a verdade no altar das conveniências.

O que li no último artigo de Ann Coulter é indispensável para uma avaliação realista da vitória dos democratas: para todo presidente americano reeleito, perder a base parlamentar no meio do segundo mandato é regra, não exceção. Aconteceu a Roosevelt, Eisenhower, Kennedy-Johnson, Nixon-Ford, Reagan e Clinton. Por que não aconteceria a George W. Bush? Com uma diferença: Bush perdeu muito menos cadeiras no Senado e na Câmara do que seus antecessores em situação idêntica. O ganho total da oposição foi o menor que já houve num sexto ano de presidência.

Conclusão: não houve nenhuma “derrota arrasadora” dos republicanos, nenhum “tsunami eleitoral”, nenhuma “rejeição maciça” da guerra iraquiana. Quem diz que houve está tentando alterar criar um simulacro de realidade por meio de pura ênfase verbal. Isso não é jornalismo, é propaganda.

Quanto a Limbaugh, sem ele eu não teria jamais sabido que até poucos dias antes do 11 de setembro praticamente todos os altos postos de segurança no governo de Washington ainda estavam nas mãos dos clintonianos, cujos aliados parlamentares, de pura má-vontade, haviam adiado por meses confirmação dos substitutos nomeados pelo presidente. Se você não sabe disso, não percebe que a gritaria democrata contra a “imprevidência” dos serviços de segurança do governo Bush foi puro fingimento maquiavélico. Para mim, isso não é surpresa: há quarenta anos vejo que a esquerda só sai espumando de cólera justiceira quando tem algum crime a esconder, não raro o mesmo que ela denuncia, em geral algum muito pior. Mas o grosso da população brasileira ainda não notou essa constante.

Nos EUA, felizmente, Coulter está na lista de best sellers e o programa de Limbaugh tem 38 milhões de ouvintes (38 vezes a tiragem do New York Times).

O erro básico dos conservadores americanos é continuar acreditando que os esquerdistas são políticos normais, que podem ser combatidos por meio do voto. O instrumento principal de ação da esquerda é o crime, e oferecer a criminosos a chance da concorrência eleitoral é dignificá-los e fortalecê-los. A única arma que pode vencê-los é o ativismo judicial, do qual eles mesmos se servem com tanta desenvoltura hipócrita. É preciso colocá-los no banco dos réus antes que eles subam à tribuna da acusação, da tribuna saltem para os palanques, dos palanques para os postos de governo e daí para o poder absoluto. E é preciso agir rápido, porque, uma vez que eles cheguem à última etapa, a Justiça já nada poderá contra eles. Isso já está acontecendo no Brasil, mas, se acontecer nos EUA, será uma tragédia de alcance mundial.

Anistia?

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 14 de novembro de 2006

O processo de indenização movido por César Teles e sua esposa Maria Amélia contra o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra é confessadamente um ato político, calculado para estimular outros militantes esquerdistas presos durante o regime militar, bem como seus descendentes, a que abram processos similares e mantenham acesa por tempo ilimitado a chama da “luta contra a ditadura”, que há vinte anos vem rendendo às organizações de esquerda incalculáveis lucros publicitários, políticos e financeiros.

A tática jurídica adotada é restringir ex post facto a aplicação da lei de Anistia, mediante a alegação de que ela só preserva contra a punição penal, não contra ações cíveis, uma nuance que nunca foi explorada antes por ser demasiado rebuscada para ocorrer de maneira natural e espontânea seja ao legislador, seja aos possíveis acusados ou eventuais beneficiários. A idéia do processo nasceu claramente de uma arificiosa investigação de brechas possíveis que permitam eternizar os ganhos da autovitimização esquerdista. Para os que combateram o terrorismo, bem como para os familiares dos que morreram nesse combate, tudo é um passado doloroso que deve ser esquecido. Para os esquerdistas, é um futuro repleto de promessas: há muito dinheiro nos cofres públicos que ainda não foi gasto em indenizações e muitas manchetes que ainda não foram escritas para a glória do terrorismo nacional. Há uma diferença substantiva entre a reivindicação sincera de quem se sente prejudicado e o ativismo judicial que visa a espremer até depois da última gota o limão das vantagens possíveis. Não é preciso colocar em suspeita a lisura de intenções do casal Telles em particular, pois a má-fé é o pressuposto geral de toda a instrumentalização esquerdista dos “anos de chumbo”.

O que ninguém parece ter notado é que, se o argumento da acusação for aceito pela Justiça, ele abrirá um precedente para que as vítimas e familiares de vítimas de atentados terroristas movam ações similares contra os membros de organizações esquerdistas que apoiaram a “luta armada”, inclusive, é claro César Telles e Maria Amélia Telles. Como diretores da gráfica do PC do B, partido maoísta, os Telles foram, além de auxiliares do terrorismo nacional, também cúmplices morais do genocídio chinês, podendo ser acusados, pelas leis internacionais, de crimes contra a humanidade, como acontece com os apologistas até mesmo retroativos do regime nazista. Só escaparam disso até hoje porque não existem no Brasil organizações de direita e, se existissem, dificilmente seriam mesquinhas ao ponto de tentar explorar politicamente cada crime real ou imaginário cometido pelos comunistas quatro décadas atrás, como os comunistas não se vexam de fazer, com tenacidade incansável, contra seus adversários.

No caso em particular da reclamação contra o coronel Brilhante Ustra, o juiz encarregado do processo terá de ser um campeão de autocontrole, um verdadeiro asceta espiritual, para resistir à pressão da mídia que já prejulgou e condenou o acusado. Mesmo aquelas raras publicações que não chamam o militar diretamente de “torturador”, negando-lhe o direito de ser considerado inocente até prova em contrário, recusam-se obstinadamente a publicar qualquer das alegações que ele apresenta em sua defesa no livro A Verdade Sufocada. Entrevistá-lo, então, é hipótese proibida e impensável nesses primores de idoneidade que são os grandes jornais e canais de TV deste país. Quando eles choramingam que estão sendo oprimidos pela militância petista, fazem-no com sobra de razão, exatamente como a esposa fiel que, depois de fazer todos os sacrifícios possíveis pelo bem do marido, ainda leva uns tapas do sem-vergonha.

Mas, de modo geral, as vítimas do terrorismo estão colocadas numa posição juridicamente mais que favorável para exigir indenizações de seus algozes, já que o dano que sofreram foi imensuravelmente maior que o de qualquer comunista ou pró-comunista dos anos 60-70.

Em primeiro lugar, na época não agiam em nome de organizações ilegais, mas em obediência aos códigos militares e policiais que regiam o combate ao terrorismo. Mesmo que tenham cometido abusos e devam pagar por eles, resta o fato inquestionável de que esses desvios criminalmente imputáveis ocorreram no exercício de funções que eram, em si, perfeitamente legais, ao passo que os terroristas, mesmo quando se comportavam com honra e se esquivavam de participar de atrocidades como o assassinato de um prisioneiro a coronhadas pelo chefe guerrilheiro Carlos Lamarca, estavam envolvidos numa atividade essencialmente ilegal e criminosa, com o agravante de agir a mando de organizações internacionais como a OLAS, Organización Latino-Americana de Solidariedad, fundadas e subsidiadas por algumas das ditaduras mais genocidas que já existiram no planeta.

Em segundo lugar, as vítimas e familiares de vítimas do terrorismo foram alvo de tratamento abjetamente discriminatório por parte do governo esquerdista, que lhes recusou toda assistência e, quando lhes deu indenizações, tardiamente como aconteceu no caso da família do falecido sargento Mário Kozel Filho, foi mediante quantias miseráveis que, na comparação com a orgia financeira dos prêmios concedidos aos esquerdistas, somavam ao dano material o agravante moral da injúria. Isso quer dizer que, além de exigir indenização dos próprios terroristas, que hoje são poderosos e ricos, essas vítimas podem cobrá-la também do governo.

Em terceiro lugar, a disparidade de tratamento que os mortos dos dois lados receberam na mídia é tamanha e tão patente, que ninguém pode em sã consciência deixar de enxergar nela uma das causas da injustiça governamental na distribuição de indenizações – o que significa que os órgãos de mídia também podem ser acionados como autores dos imensos danos morais infligidos às vítimas e descendentes de vítimas do terrorismo.

Em suma: para cada processo cível que os terroristas e seus parceiros possam mover contra seus supostos algozes, as vítimas do terrorismo têm munição para mover pelo menos três: contra os terroristas, contra o governo, contra as grandes empresas de mídia.

Se houvesse organizações militantes de direita, e se estivessem conscientes da força do ativismo judicial como arma política, a dor que os esquerdistas sentiriam no bolso seria tão insuportável que, com imenso alívio, desistiriam de iniciativas como a do casal Telles e prefeririam investir suas energias na indústria nacional dos panos quentes.

Enquanto os perseguidos pelo petismo não decidirem se organizar para um ataque judicial a seus algozes, em vão pedirão socorro divino. Até Deus precisa de motivação. Se você mesmo tem preguiça de reconhecer a gravidade da sua situação, e de agir em conseqüência, por que haveria o Altíssimo de se preocupar com você?

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